Terça-feira, 13 de Outubro de 2009

Pocket Classic (A Educação Sentimental)


Marie Tourvel

 

O bilionário vai se perguntar: “mas que tanto a Marie fala do Flaubert?”. Falo tanto porque é um dos melhores. Escreveu poucas obras, mas todas de qualidade. Flaubert com seu ar de superioridade misantrópica com que contemplava o mundo nos ensina o que é ter prazer em ler. Todos na rodinha saberão sobre esta obra, talvez poucos saberão descrevê-la com precisão. Portanto, bilionário, não se preocupe. Siga-me e não tenha medo. Resumo:

 

Jovem ocioso ganha herança. E curte a vida adoidado enquanto olha fascinado o mundinho parisiense à sua volta.

 

Falar sobre a obra no meio dos intelequituais é relativamente fácil. O nome da personagem principal do livro é Frédéric Moreau. Tem conotação autobiográfica, pode dizer isso nas rodinhas. É uma evocação da juventude de Flaubert. As ilusões se perdem. Frase clichê, porém, limpinha. Diga que se trata de uma magnífica observação satírica da mentalidade da sociedade da abundância em Paris no século XIX, em que se via a exibição de bens e atitudes luxuosas. Mas não esqueça de dizer que é a Paris da revolução de 1848. Ah, Revolução... Os franceses sempre inventando bobagens.

 

A música só tem o mesmo nome do romance de Flaubert. Com rimas pobres, porém, limpinhas (Educação Sentimental - Kid Abelha - um nome de banda pop como esse a gente pode mudar para QI deAbelha sem alterar o significado do mesmo): 

 

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Terça-feira, 6 de Outubro de 2009

Pocket Classic (O crime do padre Amaro)

Marie Tourvel

 

 

Outro Eça de Queiroz. Outro crássico do português influenciado pelo realismo dos autores gauleses de sua época. Eça é bom à beça. Rima pobre, porém, limpinha. Em minha opinião, bilionário, Eça foi o melhor escritor português de todos os tempos. Vocês podem argumentar, mas não toquem no nome de Saramago, pelamordedeus. Nem comendo muito arroz e feijão ele chega perto. Ao resumo:

 

Padreco sem vocação e medíocre da cabeça aos pés come uma tola paroquiana. Dá merda, mas não para o padre.

 

Nas rodinhas você se sairá muito bem, não se preocupe. Este é um livro fácil de comentar e os intelequituais não vão aporrinhar-lhe muito. Já comece falando que o romance é um ataque mordaz à hipocrisia religiosa e à pequenez da vida na província. Diga que o mais importante do Realismo foi substituir o subjetivismo romântico pela descrição da realidade externa. Arrasou, bilionário. Leia novamente a frase sobre o Realismo. Leu? Na primeira vez que leu pareceu meio difícil de decorar, né? Mas na segunda você pôde perceber a obviedade da frase. Não? Deixa pra lá. Fale que Eça tinha a intenção de pintar um quadro crítico da vida portuguesa. Não esqueça de comentar sobre as críticas que recebeu, inclusive de Machado de Assis. Os críticos diziam que Eça plagiava Émile Zola com seu Realismo de estilo Naturalista. Mas o autor não se fez de rogado e respondeu aos críticos com categoria. Daí foi inaugurado, em contraponto ao Realismo de estilo Naturalista, o Realismo Psicológico. Mas aí não entre muito no mérito porque é papo para muito tempo. E como você sabe, bilionário, tempo é dinheiro. Passe para outra rodinha. Como? Rodinha falando de Paulo Coelho? É que você foi para a rodinha de admiradores do presidente brasileiro, bilionário. Fuja daí que nada vai agregar ao seu já um tanto vasto conhecimento. Na outra rodinha devem estar falando de Thomas Mann. Aí agrega.

 

É de praxe eu colocar uma musiquinha nos “Pockets”, certo? Espero que gostem da que eu tasco hoje porque é do R.E.M. que eu adoro:

 

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Terça-feira, 29 de Setembro de 2009

Pocket Classic (Bouvard e Pécuchet)


Marie Tourvel

 

De volta. Pensaram que eu não voltaria mais? Ainda tem muito clássico pra queimar por aqui. Muito intelequitual pra gente azucrinar, principalmente moços que acham que sabem tudo, mas da vida não sabem nada. Fiquei doente, ainda não melhorei completamente, mas me deu saudades da Porta do Vento, de escrever por aqui. Quase eu não volto porque estou morrendo de vergonha por causa do papel ridículo do Brasil em Honduras. Fiquei imaginando meus amigos portugueses sorrindo e dizendo: “A Marie? Do Bananão? Aquele país que abriga em sua embaixada em Honduras um presidente deposto? Sei...” Quero deixar claro que não participei da trapalhada, ta? Ao contrário de Oliver Stone, considero o Chávez um ditador cafona, Zelaya um fanfarrão e Lula... bem, Lula é aquilo que vocês estão vendo, um apedeuta.

 

Mas vamos falar de coisas mais agradáveis. Volto com Flaubert. Um dia fiz um resumo de Madame Bovary, hoje faço um pocket de Bouvard e Pécuchet. Flaubert sempre nos ensina. Resumo:

 

Dois caras muito loucos se conhecem e amaldiçoam suas vidinhas de copistas. Um deles ganha uma herança e os dois partem para o campo a fim de estudar, ganhar altos conhecimentos. Desencantam-se e voltam a ser copistas.

 

Agora, bilionário, é a hora de mostrar todo seu conhecimento. Diga aos amiguinhos intelequituais que à medida que os dois desafiam as idéias preconcebidas ficam cada vez mais conscientes das inconsistências espalhadas nos seus manuais. Diga que eles consultam monografias, enciclopédias e falham catastroficamente nas suas experiências. Lamentam e passam para outra. E desistem para novamente ser copistas. Diga que a obra foi publicada de forma inacabada e postumamente. A obra revela uma dramática paixão pelo conhecimento, expresso pelo entusiasmo dos heróis por uma variedade de temas. Comente principalmente sobre as desilusões dos nossos heróis. São as nossas, bilionário. Quer um exemplo? Nós somos Bouvard e Pécuchet, os políticos são a destruição de nossas lavouras. Pronto, fiz ao menos uma analogia diogomainardiana com esta obra maravilhosa do autor. E tem uma segunda parte que vale mencionar que é o “Dicionário das idéias feitas”. Não comente muito sobre ele, bilionário. Saia de fininho porque alguns intelequituais podem se ofender.

 

Música crédula para post nem tanto: 

 

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Terça-feira, 15 de Setembro de 2009

Pocket Classic (Animal Farm)

Marie Tourvel

 

Hoje falarei deste clássico de George Orwell. Aqui no Brasil chamamos de “A Revolução dos Bichos”, em Portugal não sei qual foi a tradução para o título do livro (se alguém puder me ajudar, agradeço). Mas o que mais importa é falar sobre a obra. Um satírico soco no estômago do “socialismo” soviético. Orwell escreveu outras obras tão ou mais importantes que esta, mas esta tem um sabor especial. Olhar para os intelequituais esquerdistas e encher a boca falando em porcos não tem preço. Resumo:

 

Em uma fazenda os bichos resolvem se rebelar contra o homem. Só que os porcos ficam com a melhor parte do bolo. Napoleão, um porco Stalin dita a regra: “Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais que os outros”.

 

Falar sobre este livro na rodinha é muito fácil. E fique tranqüilo com o intelequitual barbudo stalinista ao seu lado. Ele tem essa cara de mau, mas o que ele adora mesmo é grana. No início da conversa você pode pensar que ele é idealista e tal, mas não se iluda. Não dê um tostão para a causa dele, ele enfiaria no próprio bolso. Comece dizendo que o livro trata-se de uma obra-prima de ironia controlada, concentrada nos desenvolvimentos essenciais que culminaram no advento do estado soviético. Diga que Orwell enfrentou dificuldades para publicar seu livro, confirmando, assim, a sua opinião de que a intelligentsia -que eu costumo chamar de burritsia, britânica estava servil perante o sistema soviético. Aliás, você pode complementar que países bananeiros até hoje curvam-se diante deste socialismo rasteiro. Ora na forma do famigerado “politicamente correto”, ora na forma do Estado dizer o que é bom para nós ou não. Dê exemplos exóticos: Hugo Chávez, Fidel Castro, Evo Morales e pode falar de Lula, também. Este último é o mais espertinho de todos. Fale sobre o personagem chamado Snowball que representa Trotsky que não concordava com os métodos do Napoleão. Muitos trotskystas acreditam piamente que este é o caminho fofo do socialismo. Não é. Socialismo é utopia, mas você nem precisa falar assim para os amiguinhos da rodinha. Não é hora de magoá-los. Você terá o respeito dos intelequituais por citar Orwell. Falarei na sua linguagem, bilionário: você sempre pensou em comunistas como comedor de criancinhas e invasores de propriedades privadas, não é assim? Fale isso de forma rebuscada que os barbudinhos intelequituais ficarão quietinhos. Eles não sabem argumentar. Olhe para todos à sua volta na rodinha. Você não conseguirá distinguir quem é homem, quem é porco. Ponto para você. Não custa dizer a você, bilionário, que o Orwell "ensaísta" era melhor ainda.

 

A música de hoje é uma homenagem que presto aos espertalhões socialistas e populistas que até hoje pululam em nosso meio (ok, são os Titãs, mas ninguém é perfeito):

 

 

 

(Nota para a Marie: Optei por usar no título do post o título original do livro - Animal Farm - para não criar confusão. Aqui em Portugal o título foi traduzido para "O Triunfo dos Porcos")

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Terça-feira, 8 de Setembro de 2009

Pocket Classic (Almas mortas)

 

 

 

 

 

Marie Tourvel

 

Bilionário, amigo, tratarei hoje de uma obra que levou seu autor, Nikolai Gogol, à loucura. Era pra ser de humor, mas o cara pirou. Que isto sirva de conselho para você. Não enlouqueça com o “balança mas não cai” das ações, ok? Sei que você não enlouquece. Você vive a vida, isso sim. Resumo:
 
Espertalhão sedutor (Tchitchicov) – hoje chamado psicopata, tem uma idéia para ganhar dinheiro. Viaja pela Rússia comprando almas de servos já mortos, mas não contabilizados por recenseadores.
 
Enquanto isso nas rodinhas... você se sairá muito bem, garanto. Pode começar dizendo que à medida que o romance crescia, Gogol começa a querer reanimar o nobre, porém, inativo âmago do povo russo. Diga que Gogol não queria a princípio escrever sobre a Rússia, só queria salvá-la. Sabemos como é isso, não é bilionário? Fale que Gogol queimou a segunda parte de seu livro por uma obsessão messiânica. Ficou 10 anos escrevendo a obra e queimou a segunda parte. Absoluta sacanagem a depressão do autor. Mas mesmo sem o final para sabermos se Tchitchicov se dá bem ou não vale pela oportunidade de ver Gogol brilhar como retratista satírico e caricaturista do modo de agir de tipos russos. Não esqueça de dizer que com esta personagem, o autor criou a figura do “empresário” agressivo. Lembrou de você, não é bilionário? Ótimo, esta foi a minha intenção quando resolvi apresentar-lhe a este livro. Nossos amigos intelequituais olharão para você com a boca aberta. E saia logo desta rodinha porque a moça intelequitual que está de saia longa riponga ao seu lado não depilou as axilas e isso não é legal.
 
(A música que segue não tem a ver com o "Pocket", mas eu estou com ela em minha mente e resolvi compartilhar.)

 

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Terça-feira, 1 de Setembro de 2009

Pocket Classic (O Grande Gatsby)

Marie Tourvel

 

Retorno das férias. Pilhas novas e velhos posts. Eu senti falta da Porta do Vento. Notícias relevantes daqui do Brasil só o sumiço do Belchior (se você, amigo português, não conhece este escândalo de cantor e compositor, não perdeu nada). Eu poderia tecer comentários sobre a absolvição do ex-ministro da Fazenda bananeiro que violou o sigilo bancário de um caseiro, só porque este falou a verdade, mas estou aqui, novamente, tentando ajudar um bilionário em apuros. (Não se espantem, caros, aqui é o Bananão.)

 

Mas voltando ao nosso Pocket Classic, conforme o prometido falarei sobre o livro de F. Scott Fitzgerald. Eu, particularmente, me interesso mais por obras do século XIX para trás, mas existem alguns escritores do século XX – poucos, que valem muito nossa visita. Fitzgerald é um deles. Ainda bem que nosso amigo bilionário foi passar férias em algum paraíso longe dos fétidos intelequituais. Espero só que você, bilionário, tenha lido algum livrinho neste período. Não? Não faz mal, estou aqui para acudi-lo.  Ao resumo:

 

Milionário Gatsby dá festas em sua casa na esperança de ter entre seus convidados sua antiga paixão, Daisy, casada com um outro milionário. Ninguém levava Gatsby a sério, só gostavam das festas. No fim ele morre assassinado por um marido corno que perde a esposa num acidente de carro e pensa que o assassino e amante dela é Gatsby.

 

Prestaram a devida atenção no resumo? Entende a minha ajuda agora? Não quero que ajam como se você fosse um  ignorante. Quero que os intelequituais sintam orgulho – e invejinha básica, quando freqüentarem suas festinhas. Muito uísque, muito caviar e uma dose de verniz cultural não faz mal a ninguém, não é?

Pode começar a falar na rodinha que este livro retrata a época dos anos 1920, a tal "Era do Jazz" – batizada assim por Fitzgerald. Diga que se trata da ascensão e queda de um homem carismático, Jay Gatsby. E pode dizer sem medo que existe muita moça hoje que não tem a menor coragem de viver vida real que tem em Daisy seu ideal de vida. Fale sobre a prosperidade americana desta década, desembocando na tal crise de 29. Todo mundo adora falar sobre a crise de 29 e compará-la com a atual. Mesmo os intelequituais. E sei que sobre crise e economia você dará um show em sua explanação. Fale sobre a hospitalidade de Gatsby em suas festas que combinavam com as ansiedades subjacentes sobre a ordem social em mudança, característica do modernismo americano. Gatsby tornou-se o sinônimo do sonho americano. Aquele, sabem? Termine dizendo que Fitzgerald descrevendo o mundo de fantasia de Gatsby combina com a sua apresentação de realidades mais negras e pugnazes. Sem contar o foco que dá à corrupção por trás da fortuna dele e do marido de Daisy. E chega. Está de bom tamanho. (Ah, tem filme do livro com Robert Redford no papel de Gatsby. Cotação da Marie: 3 coraçõezinhos para o filme e mais alguns para o Redford)

 

Finalizo com Billie HolidaySolitude de Duke Ellington, Eddie DeLange e Irving Mills (amo, amo, amo):

 

 

Nota: Estamos de volta. Com este pocket classic da Marie, a Porta do Vento está de novo aberta para o que der e vier. Bom regresso a todos os nossos amigos.

 

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Quarta-feira, 29 de Julho de 2009

Pocket Classic (Lolita)

Marie Tourvel

 

(Para ler este pocket ouça a música. Não tem nada a ver, mas tem tudo a ver. Eu amo Nabokov, eu amo os Kinks, então... ouça, cante e não reclame).

 

Lola, The Kinks

 

 

Conversava eu noutro dia com um homem muito inteligente, muito culto, desses que sabem ler e escrever direito, que não são idiotas, sabe? e ele perguntou-me qual seria meu pocket da próxima terça. Eu disse: “Lolita, Lo, Dolores...” Ele respondeu: “Mas Lolita já é considerado um clássico da literatura?” Fiquei pensando por uns segundos e respondi: “Pra mim é”. E basta. Demorei algum tempo para tascar o pocket de Lolita depois de minha conversa, pensando no que o rapaz culto me perguntou. Sou insegura mesmo. Demoro a decidir. Vladimir Nabokov é clássico da literatura e é bom de entrevista. Aliás, as maiores delícias de Nabokov estão em suas entrevistas concedidas. Vamos ao resumo, bilionário:

 

Humbert Humbert é um tiozão europeu que vai morar nos Estados Unidos. Mora na casa de uma tiazona que tem uma filhinha de 12 anos, Dolores, Lo, Lola, Lolita, Lo-li-ta, Lo.li.ta.O tiozão casa-se com a tiazona, mas está de olho mesmo é na filhinha dela que é uma fofa. Pro tiozão, uma gostosa. Já sabe a merda que vai dar, né?

 

Sei que você, bilionário, está pensando na nefasta e nojenta pedofilia. Muitas editoras recusaram-se publicar o livro na época em que ele foi escrito. Mas Nabokov é tão elegante, esteta que é impossível não se deleitar com a obra. Leia este trecho:

 

 "Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita. Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial. Num principado à beira-mar. Quando foi isso? Cerca de tantos anos antes de Lolita haver nascido quantos eu tinha naquele verão. Ninguém melhor do que um assassino para exibir um estilo floreado. Senhoras e senhores membros do júri, o item número um da acusação é aquilo que invejavam os serafins - os desinformados e simplórios serafins de nobres asas. Vejam este emaranhado de espinhos."  (Tradução de Jório Dauster, Cia das Letras – Obrigada, Janaína Leite, do Arrastão. Foi onde peguei o trecho traduzido).

 

Você pode decorar o trecho e repetir aos intelequituais da rodinha. Fica bonito, garanto. Lembra-se do Joyce? Do James Joyce? Sim, aquele do Ulisses. Então, saiba que os leitores de Nabokov são semelhantes aos leitores de Joyce, mas Nabokov, embora admirasse o irlandês, tinha uma certa rivalidade com ele. Chegou a chamar o livro de Joyce “Finnegans Wake” de “Punnegans Wake”. Eu gosto de Joyce, mas o Punn... quer dizer, o Finnegans é de doer mesmo. Não tenha medo de falar isso na rodinha, ninguém vai execrá-lo tanto assim. As grandes diferenças entre o dois –e isto você pode falar de boca cheia, eram no estilo e na concepção de literatura. Enquanto Joyce nos faz viajar pela palavra, Nabokov também nos faz viajar pela imagem. Para Nabokov a linguagem não deve se sobrepor à narrativa. Bem, pode citar tudo isso, mas não esqueça de citar que a diferença de idade entre os amantes representa também a velha Europa e a nova América. A alta cultura e a cultura de massas. É um livro que por mais que o tempo passe, mantém a perturbação, a comoção e o frescor. É isso aí, bilionário. Tudo o que eu disser sobre o romance Lolita  fica raso. Ouça o que Nabokov tem a dizer. Ele sim é do balacobaco:

 

 

 

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Terça-feira, 21 de Julho de 2009

Pocket Classic (Alice no País das Maravilhas)

Marie Tourvel

 

Eu sou sonhadora, caro bilionário. Às vezes sonho que tenho amigos sinceros. Tenho alguns, sim. Mas são pouquíssimos. Valorizo-os, portanto. Você? Você eu sei que não cai no velho truque do “sou seu amiguinho, vem cá e me conte sua vidinha”. E você está certíssimo, amigo. Posso chamá-lo assim? Afinal, já criamos uma relação bacana de amizade. Hoje falarei sobre o mundo que Lewis Carroll criou. Não é um livro só para crianças. Os adultos se deliciam com ele, também. Resumo:


Menina muito louca segue um coelho de colete através de sua toca. Lá encontra um monte de seres viajantes. E olha que Alice está caretíssima, tá?

 

Bem, agora chega a parte bacana de vomitar todo seu conhecimento nos intelequituais. Fale um pouco sobre a sátira bizarra que Carroll faz no livro. Fale que a história é um sonho, mas que tem um lado negro, também. E que o jogo e a linguagem são marcas registradas do mundo poético do autor. Diga que gosta especialmente do papo que Alice tem com a Lagarta que fuma “um” durante a conversa. Lá tem tanta filosofia. Da pergunta “Quem é você?” vai um ensaio filosófico. Carroll questiona a existência antes de Alice se autodefinir. Não entendeu? Não faz mal. Continue assim que os fofos vão adorar. Diga que Alice é ingênua e afetiva. E ela tenta confrontar loucura com lógica. Mais ou menos como eu. Meu nome poderia ser Alice, mas é Marie, sempre às ordens.

 

Musiquinha dos Kinks para acompanhar a leitura:  

 

The Kinks - Where Have All The Good Times Gone

 

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Terça-feira, 14 de Julho de 2009

Pocket Classic (Ilusões Perdidas)

Marie Tourvel

 

Hoje vou falar de Honoré de Balzac. Não, bilionário, não falarei da mulher de 30 pra cima, as balzaquianas. Elas, você já conhece tão bem que soaria como redundância neste espaço. Falarei de algo mais profundo que mexe com o ego de nossos amiguinhos intelequituais. Ilusões Perdidas. Este é o nome da obra que está inserida num dos dezessete volumes de A Comédia Humana do autor. Resuminho:

 

Moço mimadinho por familiares e sem nenhum caráter vai ser jornalista em cidade grande. Já viu no que vai dar, né? Traições, falta de ética... essas coisas que conhecemos da imprensa. Seja em Paris, New York, Lisboa, São Paulo ou Curralinho*.

 

Você terá que tomar muito cuidado ao falar com os intelequituais, já que muitos da rodinha são desprovidos de ética, mas mantém, mesmo assim, um status perante seu meio. Todos sabem que ele se vende, que ele pode ser um jornalista chapa-branca, por exemplo, mas geralmente é temido, o que dá um ar de poder a ele. Você pode começar dizendo que Balzac quis fazer um contraponto entre a literatura e a mídia jornal. Balzac nos mostra uma crítica de como a literatura ficou em segundo plano com a chegada do jornal. Diga que Balzac era um cronista de sua época e suas ficções enfatizavam os antagonismos culturais. Sobre a falta de ética do personagem Luciano de Rubempré você pode dizer que ele passava por cima de tudo e de todos para sempre ser o primeiro. Basta. Caso contrário, alguns da rodinha vão se sentir meio incomodados. Fora que num momento “viagem alucinante” você vai lembrar em quantos passou a perna para ter sua fortuna. Vale dizer que Marcel Proust (lembra-se dele? O moço do Em Busca do tempo Perdido), gostava muito do escritor. Mesmo assim alguns críticos o consideravam desajeitado e deselegante, embora observador. Sim, amigos. Balzac era observador, sim. Não foi o maior nem o melhor, apenas um excelente escritor. Pode finalizar desta forma que estará de bom tamanho. E se conseguir fazer com que algum jornalista da rodinha que possui a característica que descrevi lá em cima se sentir um pouquinho mal e não tiver uma noite de sono tranqüila, pode ter certeza, amigo, você terá o respeito de muitos outros.

 

*Curralinho: cidade do interior do Estado do Pará que fica na Botocúndia, digo, no Bananão... ou melhor, no Brasil-il-il.

 

E como eu gosto de musiquinha e já as usei de muleta em vários posts de minhas "Letras", vai aí uma do moço dos milhões de óculos (...We shall survive, let us take ourselves along, Where we fight our parents out in the streets, to find who's right and who's wrong.): 

 

Elton John - Bennie And The Jets

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Terça-feira, 7 de Julho de 2009

Pocket Classic (Memórias Póstumas de Brás Cubas )

Marie Tourvel

 

Está bem, talvez não se deva levar a sério tudo o que Susan Sontag vomitou durante toda sua vida, mas uma coisa certa ela disse: que Machado de Assis foi “o maior escritor de origem sul-americana”. Talvez não tenha sido o maior entre os sul-americanos, mas foi o maior do Bananão, sem dúvida nenhuma. Para mim é o maior, sim. Dadas as circunstâncias... Machado nunca saiu do Cosme Velho para falar do mundo. Não precisava. Ele sabia das coisas. Um amigo querido fez o resumo deste livro em seu twitter. Ele inventou em minha homenagem um certo #twitterclassic: resumo de clássicos com 140 toques. Não é um amor? Ficou tão perfeito que resolvi tascar o resumo dele por aqui:

 

Morto escreve livro dizendo e provando que é um bosta, mas esperando que a gente não acredite.

 

Não poderia haver resumo melhor, bilionário. Claro que você não vai falar assim com nossos intelequituais. Você será profundo. Você dirá que Machadão tinha um objetivo, que era subverter a forma do romance realista do século XIX, que era, antes de Machado, um retrato honestíssimo da sociedade contemporânea. Só aí você ganhará pontos até dos mais cretinos cineastas que se metem a expor nas telonas livros de Machado passados na época de hoje. Isso não dá certo. Não porque os romances dele não sejam mais atuais do que nunca. É porque cineastas bananeiros tendem a esquerdizar obras literárias para agradar os distribuidores de recursos, geralmente estatais a serviço de desgovernos. Sabe? Típico de repúblicas bananeiras. Pensa que só Honduras é que é a Banana? Vale falar um pouco sobre o humor cáustico de Machado de Assis. Sem esse humor a história narrada por um morto seria pouco promissora. Virou uma comédia dilacerante. A sátira rasgada do progresso humano fica por conta de Quincas Borba, um filósofo amador que pensa positivo. Fica louco, claro, e rende outro livro ótimo, de que falo outro dia. Ficou louco como o ficam todas as pessoas otimistas ao extremo.

 

Brás Cubas, no final, sabe que seu saldo foi positivo por não ter tido filhos, não transmitindo a nenhuma criatura o legado de nossa miséria. Mas ele era brasileiro, bilionário, e essas famous last words podem não ser verdade... Vale citar a você que Machado tinha uma visão pessimista da natureza humana. Eu também tenho. Você? Ah, bilionário, você não tá nem aí com a paçoca, né? Só quer se divertir. Tá certo. Pule duas casas. Digo, duas rodinhas.

 

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Terça-feira, 30 de Junho de 2009

Pocket Classic (O Conde de Monte Cristo)


Marie Tourvel

 

Eu divago, bilionário, eu divago... Vingança é um prato que se come frio, e só se realiza caso se tenha dinheiro, muito dinheiro. Porque se vingar sem grana é coisa muito cafona. Não ligue para os moralistas, nem para os questionamentos finais de Edmond Dantès, personagem deste romance de Alexandre Dumas. Vingança é legal. Ah: mas tem que ter grana e ser jovem. Velho se vingando fica ridículo, mesmo quando é rico. Resumo: 

Edmond Dantès é ganseado* por uns idiotas e é preso. Fica quatorze anos na cadeia; um abade ensina um monte de coisinhas pra ele, e de quebra lhe conta onde está um tesouro. Edmond foge da cadeia, acha o tesouro, enrica e parte pra vingança sobre os gansos**.

Para os intelequituais, diga que se trata de uma engenhosa narrativa de Dumas que envolve segredo e revelação. Mas Dumas vai além. Ele foca o corrupto mundo financeiro, político e judicial da França nos tempos da restauração da monarquia, e as figuras marginais da época. Lembrou de algum país distante e gigante da América Latrina? Do Bananão? Esqueça: era a França mesmo, bilionário. O tema é vingança. E, cá entre nós, bilionário, é uma delícia poder se vingar de gente que só faz sacanagens, né? Eu sei que você faz muitas, mas sei também que as suas são todas com boas intenções – e que não perdoa quem sacaneia você. Em todo caso, não mostre ao intelequitual que você gosta de uma boa vingancinha. Eles adoram, mas a maioria é aquela comunistada que você já conhece e que adora vomitar discursos politicamente corretos, sabe? É importante dizer que no final o Conde – Edmond, fica se perguntando se o seu propósito de vingança com o objetivo de fazer justiça não o teria levado a usurpar os poderes de Deus. Bonito, né? Mas, na vida, a prática não é nada disso. Feche com chave de ouro e diga aos intelequituais que o romance oferece uma reflexão sobre felicidade e justiça. Não é lindo, o mundo? O seu, pelo menos, bilionário?

*ganseado: mais uma gíria ridícula bananeira, que quer dizer delatado

**ganso: aquele que delata. Dedo-duro. Alcagüete.

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Terça-feira, 23 de Junho de 2009

Pocket Classic (Jacques, O Fatalista, E Seu Amo )

Marie Tourvel

 

 

Ok, ok, bilionário, sim, Denis Diderot era iluminista. E daí? O crássico que resumirei hoje para você é daqueles bons além da conta. Parece monótono, mas o que se encontra de filosofadas nele é impressionante. Tem uma parte nua e crua no romance: aquela em que Diderot diz que as pessoas não querem ver a maldade em si. Elas só querem assistir para ter o que contar na sua rua, no seu bairro. E é isso mesmo, não é? E é bom você só ler o resumo. Caso contrário, ficará muito puto da vida na hora em que a história começa a se desenvolver e o autor pára tudo e fica “viajando” (filosoficamente falando). Resumo:

 

Jacques fica contando pro seu amo suas aventuras e desventuras, e diz que tudo está escrito nas estrelas. Seu amo desacredita, mas acredita. E tenta contar suas histórias, também. Todas elas são bruscamente interrompidas pelo Diderot, para falar sobre seu processo de composição e avaliação das razões da história. Isto é, um grande “viajandão”, esse Diderot.

 

Com os inteléquitos não se deve esticar muito o assunto, já que a grande maioria esquerdista costuma romantizar os iluminados iluministas. Deixe que eles falem bastante e tasque: este romance antecipa o futuro distante do gênero. Dá um salto e tanto até às transgressões antificcionais (não sei mais se essa coisa tem hífen ou não), do romance de Samuel Beckett. (Um dia falo sobre ele, bilionário. Agora perderemos muito tempo. Não deixe que eles mudem de assunto para o Beckett, sim?) Eles ficarão impressionados com sua desenvoltura, pode acreditar. O fato de Diderot parar a narrativa e “viajar” vale um comentário seu. Diga que Diderot nada mais faz do que satirizar o apetite do leitor por contos românticos ou pelas emoções de uma aventura qualquer inverossímil. Diga que até há umas pitadas de emoção no romance. Mas assim estava escrito, como di z nosso Jacques. Afinal, a crise existencial pode e deve ser tratada como farsa de auto-expressão e contos de histórias. Matou a pau, bilionário. Já pule para outra rodinha para que os intelequituais não te encham o saco com seus (deles) problemas da existência. Isso seria fatal pra você desistir do cursinho básico que ministro por aqui.

 

Musiquinha para ouvir enquanto se aprende um pouco sobre Jacques. (Cuidado, não ouça muito alto e com muita freqüência, pois isto é muito, mas muito mesmo, danoso à sua saúde. Marie tem seus momentos cafonas, como bem sabem): 

 

 Tetê Espíndola - Escrito nas estrelas

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Terça-feira, 16 de Junho de 2009

Pocket Classic (Moby Dick)

Marie Tourvel

 

 

Falemos então de filosofia, bilionário. Gosto de falar sobre esse tema. E dá status para você. Não entendo quase nada do assunto, mas não é preciso entender. Sinta, só sinta... Moby Dick, de Herman Melville. Como? Você leu Moby Dick na sua tenra infância e ainda acha que a baleia branca era só a baleia branca? Eu também pensei, quando papai me deu o livro pra ler. Não é só isso. O livro é filosófico até a veia, bilionário. Resumo:

 

Professor maluco beleza abandona vida acadêmica para viver o romantismo do alto mar. Ele embarca na Pequod, uma baleeira do doidão Ahab, capitão que caça a baleia branca que lhe arrancou uma das pernas. Ahab nem liga para os perigos que a tripulação passa. Do tipo: “Danem-se vocês, quero essa baleia. Porque baleia boa é baleia morta”. Ele quer vingança. Não fica claro se a consegue.

 

Agora é que são elas, bilionário. Você ainda considera Moby Dick somente a grande baleia branca, não é? Ou, no máximo, aquele apelido que você dava à garota mais gorda da sala de aula na sua tenra aborrescência, não é? Você chegava na pobre gordinha e em vez de dizer que ela parecia um quadro de Botero, já ia mandando ela voltar pro mar, não é? Pois então, apresento a você a filosofia intrínseca a este grande romance do século XIX. Os intelequituais vão babar por você só de você proferir esta frase.  Diga que Melville, ao escrever o livro, travou uma luta consigo mesmo para fazer a narrativa avançar no desejo de filosofar e explorar. Diga que Moby Dick é uma verdadeira meditação sobre a condição e o estatuto da América – a democracia, a liderança e o poder. E sobre a natureza, por que não? A baleeira não passa de um microcosmo da sociedade americana. Diga que nunca antes naquele país –   Estados Unidos da América – alguém havia escrito com tanta intensidade e ambição. Eles vão adorar sua última frase, porque tem muito do nosso apedeuta, né? Você sabe quem é nosso apedeuta? Isso, o Efelentífimo. Presidente do Brasil-il-il. E você já sabe: se tirar uma radiografia do saquinho do Efê, aparecerá a mão de um monte deles, dos intelequituais. A baleia, caros, nada mais é que o Estado. O Estado é a baleia. Moby Dick é uma elegia, uma crítica política. Exausto, querido? Passe para outra rodinha. Mas, cuidado. Há um grande perigo no ar. Podem estar falando sobre o iminente terceiro mandato no Bananão.

 

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Terça-feira, 9 de Junho de 2009

Pocket Classic (Gargântua e Pantagruel)

Marie Tourvel

 

Você vai se perguntar, bilionário, o motivo por eu apresentar François Rabelais a você. Saiba que a leitura desta obra prima renascentista foi imprescindível para que eu entendesse um pouquinho o que representa a literatura. Você dirá: “nada, a literatura não representa nada”. Ora, não representa mesmo, mas é uma diversão das boas, fala sério! E não pense você que os cinco volumes deste livro são do conhecimento de todos os nossos amiguinhos intelequituais. Não. Muitos deles, no máximo, apenas ouviram falar de Rabelais. E a grande maioria, inteléquitos ou não, pensa que médicos (Rabelais era um) e engenheiros não sabem escrever, não é? Sabem sim. Geralmente escrevem melhor que muito jornalista letrado que anda por aí. Eu sou engenheira mecânica, mas sou exceção, está bem? Não tire conclusões baseado em mim, bilionário. Resumo:

 

Pantagruel e seu pai, Gargântua, são dois gigantes exagerados e comilões, mas de nobre coração. Suas agitadas vidas incluem seqüestros, estudos, amizades, métodos bizarros de educação, sexo, doenças, palavrões de montão... E a viagem nunca termina. Ironia das boas.

 

Lembra-se do Swift que resumi há algum tempo? Isso, As Viagens de Gulliver. Saiba que Swift bebeu muito na fonte de Rabelais, isso 175 anos depois. Pode falar isso sem medo nas rodinhas. Aliás, muito do que falar não será tão contestado assim. Como eu disse a você, não foram tantos intelequituais assim que tiveram contato profundo com o autor. Diga que a verdadeira história do romance moderno começa com Rabelais. Que os livros dele representaram uma inovação na escrita. Que eles misturam energia retórica, humor lingüístico e imaginação, e que, fazendo essa misturada, o autor antecipa a história do romance. É um livro de espírito livre. Combina materialismo vulgar com uma cética imaginação humanista. Os intelequituais neste momento não conseguirão ficar de boca fechada. Estarão de boca aberta e sem palavras para descrever o que estão pensando de você. Saiba que à sua época –lá pelos idos de 1550, esta obra foi censurada e considerada como heresia. Como se vê, a ironia sempre perde. Não precisa dizer mais nada, não. Os inteléquitos estarão tão embasbacados com sua “sabedoria” que, se você se afastar, só perceberão sua saída depois de alguns minutos. Pois saia, e passe para a outra rodinha.

 

 

 

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Terça-feira, 2 de Junho de 2009

Pocket Classic (Cândido)

Marie Tourvel

 

Hoje falarei sobre o fato de que todo pessimista é um chato e todo otimista é um... pato. Voltaire. Sim, bilionário, eu sei que até você, que já conseguiu tudo de bom nessa vida, não é otimista até a veia. Você verá no transcorrer de meu pocket de hoje o motivo de eu sempre dizer que sou absolutamente panglossiana e só tomar na tarraqueta. Não te ajudo para que você me pague, bilionário; te ajudo de graça justamente por ser panglossiana. Resumo:

 

Cândido e amiguinhos partem para aventuras e mais aventuras, se fodendo de branco e preto num mundinho que Pangloss, seu mestre, diz ser tão bacana e tão generoso. Pangloss diz também que temos que olhar sempre o lado bom da coisa, seja essa coisa qual for. Fazendo isso, vão de ferro em ferro. E, depois de tanta tortura, Cândido quer mais cuidar só do próprio rabo. 

 

Não importam tanto as mazelas por que passa o nosso Cândido; o que importa é a visão filosófica do livro. (Boa frase pra começar um papinho com os intelequituais. Embora considerem a frase banalíssima, serão condescendentes com você. E isso é bom, porque você nunca pode demonstrar a um intelequitual que sabe bem mais que ele). Voltaire, entre outras sátiras, critica Leibniz (não vou dizer quem foi ele; procure), que achava que as coisas são como são e não podem ser de outra maneira, e que vivemos no melhor dos mundos possíveis. Esse é o Dr. Pangloss. Por isso me digo panglossiana, entende agora, bilionário? Minha cela no sanatório é toda cor-de-rosa. Diga a eles que esse é um texto paradigmático do Iluminismo, mas é, também, um irônico ataque às suas crenças otimistas. E, por favor, não fique só em Cândido e Pangloss: fale um pouco sobre Martinho, um outro amiguinho de Cândido. Diga que ele, contrapondo-se a Pangloss, é maniqueísta, e não espera nada nem do mundo e nem das pessoas: seu olhar não é pessimista, mas realista. E se quiser chatear um pouco alguns – aliás, a grande maioria, dos intelequituais, diga que a grande lição do livro é dada pelo velho turco que Cândido encontra em suas aventuras: “aqueles que se metem em negócios públicos acabam miseravelmente.” O turco velho, que cuida de sua família sem pretensões intelectuais, ensina aos filhos que cabeça vazia é a verdadeira casa do coisa ruim: traz tédio, vício e necessidade. E não esqueça de dizer o que Cândido diz no final do conto. Quando tentam justificar todas as atrocidades que sofreram como o melhor que podia ter lhes acontecido, Cândido diz que tudo está muito bem dito... mas que é melhor a gente cultivar nosso jardim. Fecha com chave de ouro, não é, bilionário? Gostaria que você lesse este crássico. Senti vontade de incentivá-lo nisso. Sou panglossiana, bilionário, e intelequitual. Acredito. 

 

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Terça-feira, 26 de Maio de 2009

Pocket Classic (Oblomov)

Marie Tourvel

 

 

Ando falando muito em letargia, bilionário. Nada melhor para isso do que Ivan Goncharov com seu Oblomov. A letargia ali é representada da forma mais pura. O livro mostra que nem todos os que entram no estado letárgico são necessariamente tolos ou ruins: só são letárgicos por se acharem incapazes. Talvez sejam. Talvez não. Eu sei que você, bilionário, não está entendendo muito bem esse “papo cabeça”, mas os seus já amigos intelequituais vão entender bem o que eu digo.

Resumo:

 

Cara bacana e inútil fica o tempo todo dentro de seu quarto dormindo e vendo a vida passar. zzzzzzzzzzzzzz. Dormindo muito. E olha que nem Lexotan existia.

 

Pode parecer cansativo falar sobre perdedores, mas garanto a você, amigo, que o que mais encontrará nessas rodinhas intelequituais são exatamente os perdedores. Por isso eles têm essa inveja de você. Na sua grande maioria, o verdadeiro intelequitual é boa-praça, bom amigo. Mas ele acha incompatível a arte do saber com a arte de ganhar dinheiro. Por isso fica puto com você que, graças aos meus resumos – e isso não precisa ser comentado com os caras - ganha dinheiro e ainda tem tempo para ler essa classicaiada toda. Geralmente estes intelequituais escrevem muito bem, sabem como fazer, mas não desenvolvem. Na verdade são inseguros e preferem adotar o ar blasé. Quando ouvir o nome de Oblomov na rodinha, não tenha dúvida, diga que o autor, Goncharov, pretendia mostrar que a Rússia do século XIX não tinha como se desenvolver como o resto do mundo por causa de suas instituições falidas (se quiser arrasar de vez, acrescente que essa era exatamente a opinião de Marx e Engels. Pobres russos.). Mas não é só isso. Diga que Oblomov era ao mesmo tempo encantador e inútil. Sua inatividade faz com que ele perca um amor para seu amigo insosso, Stolz, este um cara prático, porém nada atraente. Aí é que entra a letargia do cidadão. Ele se fecha. Dorme. Seu criado, espertíssimo, organiza a vida do inerte e bacana Oblomov. Lembra-se do Dom Quixote e do Sancho Pança? Mais ou menos isso. Entendeu? Deve ter entendido, sim. Você já está ficando craque, amiguinho bilionário. E de sono em sono lá vai ele, rumo ao sono eterno.

 

Tudo o que eu sou está no Oblomov. Quero dormir. Goncharov sabia das coisas. Eu, bilionário, não sei nada de nada.  

 

 

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Terça-feira, 19 de Maio de 2009

Pocket Classic (Socialismo Para Milionários)

Marie Tourvel


 

Primeiro: hoje, George Bernard Shaw - o linque está in english porque em português estava pobre demais, e seguiria a Marie que vos escreve e mudaria o título para Socialismo Para Bilionários. Segundo: leia isto, antes de começar a viajar pelo mundo de Shaw. Leu? Entende o motivo pelo qual considero todo o resto do jornalismo do Bananão “secos e molhados”? O nome dele é Diogo Mainardi, bilionário amiguinho, não esqueça. Dito isso, falemos desta pérola de Shaw. Não tem muito o que resumir, o grande babado é a obra deliciosa do irlandês deliciosamente sarcástico:

 

É uma pilha de sacanagens disfarçada de manual de instruções para milionários viverem sem culpa no meio de tanta idéia pobre.

 

Falar sobre esse livro com os inteléquitos será divertidíssimo, já que eles perceberão, pelo que vou lhe ensinar, que você não se sente culpado por ser podre de rico. Eu sei que você sente culpa, sim, mas não precisa escancarar para eles. Eles vão lhe considerar piegas. E tudo o que não pode nessas rodinhas é cair na pieguice. Eles o destruiriam em três tempos. De bate pronto já diga que o objetivo principal da obra era mostrar a complexidade das relações humanas e discutir de forma veemente os preconceitos políticos, religiosos e morais de sua época - o final do século XIX. Ganhará pontos no meio. Diga que o polemista Shaw possuía uma ironia aguçada e um apreço por paradoxos, e que a obra é mais atual do que se pensa. Todos sabem disso, mas ouvir de sua boca ainda causará espasmos nos intelequituais. O caso é que Shaw usa argumentos socialistas para defender você, bilionário. Salve Shaw! Por que se sentir culpado por saber ganhar dinheiro? Se o intelequitual não sabe, problema dele. E não será você quem vai patrocinar um livro mal escrito do cara, não é? Seu dinheiro pode ser bem melhor gasto com seus iates. Fora que o livro tem frases ótimas que você pode lançar e fará sucesso –vê se decora, tá? “Quando um tolo pratica um ato de que se envergonha, declara sempre que fez o seu dever.” Ou: “Uma vida inteira de felicidade? Ninguém agüentaria: seria o inferno na terra." Ou: “O pior crime para com os nossos semelhantes não é odiá-los, mas demonstrar-lhes indiferença: é a essência da desumanidade”. Ou: “(Jogo de xadrez) É um expediente tolo para fazer com que pessoas preguiçosas acreditem que estão fazendo algo muito inteligente, quando estão apenas perdendo tempo”. Ou: “Sou abstêmio apenas de cerveja, não de champanha”. Gostou, né, bilionário? Shaw era socialista. Sei que não devemos respeitar socialistas, mas Shaw consegue essa proeza. Pelo seu texto, por sua ironia, por seu sarcasmo e, por que não?, por seu cinismo. Pode falar tudo isso para os intelequituais, que eles ficarão todos apaixonados por você. Se disser que não se sente nem um pouco culpado pela pobreza que assola o mundo, então... vão odiá-lo mais ainda. Sim, o ódio dos intelequituais é pura inveja. E é muito bom ser invejado por eles. É gostoso ver gente como eles se sentindo minhocas. Apaixonados e ao mesmo tempo odiando você: eu não disse que Shaw era paradoxal? Só procure não citar Diogo Mainardi na rodinha. A paixão acaba e descamba para a mais pura ignorância. Tenha Diogo como seu ídolo velado mesmo que não tenha a menor idéia do que ele queira dizer em suas colunas, está bem? Se puder, bilionário, arrisque-se e leia o livro de Shaw. Posso emprestar o meu, que é uma edição antiga, mas cheia de dignidade. 

 

(Tive a colaboração de um querido para este pocket que não quer se identificar. Ele é inteligente, escreve maravilhosamente bem e leu todos esses crássicos que pululam por aí).

 

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Terça-feira, 12 de Maio de 2009

Pocket Classic (Ligações Perigosas)

Marie Tourvel

 

Demorou, bilionário, mas finalmente consegui mexer com as ligações perigosas. Não, não é nenhuma negociata ilícita com dinheiro público, embora as baixarias do século XVIII que acontecem neste livro de Pierre Choderlos de Laclos fossem feitas com dinheiro público, sim. Mas dos parisienses; portanto... O livro é escrito de forma epistolar. Os personagens trocavam cartas. Por elas não só se sabe sobre os eventos e acontecimentos, mas também sobre os sentimentos (sic) de Merteuil e Valmont. Calma que eu já explico quem são os bacanas.  Bem, meu nome aparece no livro, se bem que ela era Marie de Tourvel. Fui batizada sem o “de”, muito provavelmente porque não sou “de” ninguém. Sou só Marie Tourvel, a tonta. Choderlos de Laclos era um tenente do exército francês e nas horas vagas, só nas horas vagas, resolveu escrever, bem no espírito do século XVIII, sobre cinismo, cafajestadas e similares das igrejinhas, clubinhos e confrarias do século , ora, ora, XVIII. E tome nabada na pobre e tola Marie. Resumão:

 

Marquesa malvada, cínica, vivaz e libertina se diverte vingando-se de quem não quer comê-la mais. Encontra em seu ex-amante, Valmont, um aliado de respeito. Um canalhinha, cafajeste, daqueles que sabem dar uma de direita bem dada. Valmont quer comer a marquesa mais uma vez, mas para isso precisa seduzir uma virgenzinha e comer uma mulher casada ultrarreligiosa, a tola, porém, instigante, Madame de Tourvel. Consegue tudo. Mas não contava com duas coisas: a Marquesa de Merteuil era uma tratante ciumenta – mulher comum, e Marie de Tourvel, uma gostosa pela qual se apaixona perdidamente. Cafajeste tem mais é que... bem, deixa eu ficar quieta. No fim, a pobre Marie morre, Valmont morre e Merteuil pega uma doença bem barra pesada que lhe arranca até um olho. Se os maldosos fossem castigados assim...

 

Me convida para essa rodinha, bilionário? Eu adoraria tomar um prosecco de qualidade boa e ao mesmo tempo ouvir as digressões dos cafajestes intelequituais. Quando tocarem no nome deste romance, não saia logo dizendo que viu o filme com a Michelle Pfeiffer, hein? Embora o filme de Stephen Frears seja uma obra prima, você sabe como é intelequitual, sempre prefere o livro. Não que geralmente livros não sejam melhores que filmes, mas, neste caso, Frears mandou muito bem. Na largada já tasque que esta narrativa de amor, duplicidade e arte de sedução, ainda hoje está bem presente na nossa imaginação coletiva. Se não entende, vai entender agora: pegue sua querida esposa Sheyla Shirley. Ela tem um clubinho ao qual pertence, não tem? Dá só uma analisadinha e vai entender o que eu quis dizer. Diga que ao mesmo tempo em que choca, delicia. Sim, é uma delícia assistir à crueldade da Marquesa. Diga que as tentativas constantes de Merteuil e Valmont  de se ultrapassarem nas maldades têm conseqüências desastrosas como o ciúme, e isso mina os seus princípios defeituosos. O romance é escrito de forma epistolar perfeita.  Porque do relato dos acontecimentos é que os dois protagonistas do romance retiram prazer – partilhado com o leitor. Você perceberá que os intelequituais defenderão veladamente as peripécias da marquesa e no fundo consideram Valmont um tonto que se apaixona pela infeliz Marie. Porque no fundo, bilionário, eles gostam mesmo é de igrejinhas, clubinhos e confrarias que destroem a alma das pessoas. Mas você também gosta, não é? Eu também gosto. Todos gostamos. Ora somos Merteuil, ora somos Marie. É da vida. Mas até que é gostoso assistir vez em quando Marquesas se morderem de ciúme, não é? No fundo são serezumanos, minhoquinhas que sentem como as Maries, só que com uma ponta de cinismo.

 

Embora meu destino seja ser Marie para sempre, tenho como objetivo experimentar o cinismo de Merteuil. Mas sempre com prudência, pois lembro bem de Bertrand Russell, que disse: “Cinismo é combinação de comodismo com impotência.” É, faz sentido...


(Se quiserem, dêem um pulinho lá nas minhas
“Letras” daqui a pouco. Tenho surpresas e mais surpresas para os bilionários e os queridos comentaristas daqui.)

Segue um vídeo para ilustração, bilionário: 

 

 

Adenda minha:

Ao contrário da triste Marie do Laclos, a nossa querida Marie Tourvel - a verdadeira! - está muito bem e recomenda-se. E hoje é um dia muito especial para ela: o dia do seu aniversário! Vamos todos cantar os parabéns à nossa Marie?

Vá lá... 1, 2, 3... Parabéns a você!

 

Ana

 

 

À tua, Marie!!!!

 

 

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Terça-feira, 5 de Maio de 2009

Pocket Classic (O Retrato de Dorian Gray)


Marie Tourvel

 

 

“Não há livros morais ou imorais. Um livro está bem escrito ou está mal escrito. E só!” Não explicarei a você, bilionário, o que Oscar Wilde quis dizer no prefácio do “Dorian Gray”. Wilde teve uma vida rica. E de riqueza você entende, não é? Talvez não desta riqueza de que estou a escrever por aqui, agora. Este, ao contrário do que se apregoa, é um livro profundamente moral. Resumo:

 

Pintor se apaixona por um cara linnnnnnnnnndo, o Dorian. Pinta um quadro com a figura do moço. O moço se olha e se acha linnnnnnnnnndo. E diz que venderia a alma para não envelhecer, só o quadro. Entende? O quadro envelhece e ele não. Está feito. Alguém ouviu o moço. O quadro retrata sua alma e ele vive uma vida intensa e fria. Virou um demônio, o moço. Mata até o pintor do quadro. O quadro solta até sangue. Fica feio. E Dorian continua linnnnnnnnnnndo. Quis se redimir, mas era pura hipocrisia. Tenta destruir o quadro, mas o que faz na realidade é se matar. Dorian se mata. E o quadro volta a ficar linnnnnnnnnndo.

 

Pensa que é fácil falar deste livro com os intelequituais, bilionário? É fácil, sim. Muitos deles são tão ou mais vaidosos que Dorian Gray. Possuem o ego tão inflado que seria até interessante pintar a alma deles. Mas fiquemos no tradicional para não magoá-los. Sabe como é, você, agora, já tem um pouquinho do respeito deles. Não mudemos isso. Você pode começar dizendo que o livro alerta para os perigos do vício. Diga que é uma obra que questiona a beleza, a juventude e os valores morais. Diga que é uma obra rica em diálogos de questionamento sobre a vida e de como nos inserimos nela. Os inteléquitos da rodinha o questionarão sobre o que tem de Wilde neste livro. Responda secamente que o romance reflete de forma veemente a vida dupla de Wilde. Clique no nominho dele lá em cima, bilionário, não tenha preguiça. Eu sei que é Wikipedia, mas para alfabetização serve. Alguns dizem que Wilde não era bem um homossexual, mas tinha uma neurose homossexual. O que dá na mesma. Ele era um fruta, sim. Ponto. Mas e daí? Era um gênio. Adoraria bater um papo de quinze minutos com ele. Talvez não conseguisse manter uma conversa com ele por mais tempo. Ele com toda certeza se entediaria comigo. Com você? Nos seus áureos tempos acho que ele gostaria, sim, de conversar por uma horinha sobre suas finanças. A obra, caríssimo, não passa de uma grande alegoria da vida do escritor. Ironicamente.  

 

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Terça-feira, 28 de Abril de 2009

Pocket Classic (Anna Karenina)

Marie Tourvel

 

 

O amigo bilionário pensará: “Lá vem a Marie novamente com uma historinha de mulher que pula a cerca. Tá tentando insinuar coisas. Mas a mim não me pega, não”. Não pense isso, querido. Eu não tenho culpa se fizeram tantos crássicos em que as mocinhas gostavam de variar o cardápio. E essa Anna de Liev Tolstói aí não era tão pinta brava assim. Só um pouquinho. E não fique atento só ao adultério. Lem bra-se o que eu disse sobre autores russos quando falei do Dostoievski? Não? Vá procurar lá atrás porque aula de reforço eu cobro. Vamos ao resumo:

 

Anna era casada com um cara mais velho que ela e respeitado em São Petersburgo. Tinha um filho fofo. Era linda, elegante, maravilhosa e admirada. Levava uma vida bacana. Aí foi pra Moscou tentar reconciliar seu irmão com a esposa dele. Além de todas as qualidades que citei, também era bondosa. No fundo foi pra Moscou caçar, isso sim. Já está perdido, bilionário? Calma. Lá, ela conhece um oficial –Conde Vronski, e se apaixona. Vive um tórrido romance e abandona o casamento sem amor e o filho. Se arrepende e se joga debaixo de um trem. A história trágica de Anna é entrelaçada com o contrastante namoro e casamento de Levin, um homem do campo, com Kitty, irmã da cunhada de Anna por quem Vronski já tinha arrastado asa.

 

Só parece confuso, bilionário, mas não é. Aos marotos intelequituais você deve começar dizendo a frase com que tem início o livro: "Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira". Diga que este é um dos melhores exemplos de romance psicológico do século XIX. Tolstói não julga ninguém, somente examina as motivações que está por detrás dos personagens.  Não esqueça de dizer que Tolstói usa uma inovação estilística através de monólogos. Se não entendeu, use aquela velha fórmula que já disse em outras aulas. Decore. Diga que a expressão dos pensamentos de Levin é a do próprio autor. Ele fala sobre a sociedade, a política e a religião contemporâneas. Não esqueça de mencionar sobre os aspectos históricos inseridos no romance e não só os psicológicos. Se estiver com uma raivinha básica do Vronski, arrisque dizer que ele até gostava muito de Anna, mas era um jovem boêmio, irresponsável, imaturo e cheio de pequenas ambições. Entende porque eu disse no primeiro parágrafo para não se apegar ao adultério? Se todas as mulheres que decidem olhar seu mundinho por outra perspectiva se arrependessem, faltaria ferrovia no mundo, meu caro. E se os intelequituais tocarem no nome de Allan Kardec durante o papinho sobre o romance, só dê um sorriso. Tratar-se-á de uma tinhosa armadilha. Recuso-me explicar isso por aqui.

 

Não posso prometer que jamais voltarei ao tema “mulheres adúlteras” por aqui porque tem mais disso aí em minha listinha. Só não sei se volto ao assunto tão cedo. Vamos ver.

 

 

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Terça-feira, 21 de Abril de 2009

Pocket Classic (As viagens de Gulliver)

Marie Tourvel

 

 

Repita comigo, bilionário: Swift era um cara batuta. Com suas digressões em “Gulliver” nos mostrou tudo sobre a natureza humana. De forma bem humorada e mordaz. Os intelequituais geralmente citam Swift e será pegadinha em cima de pegadinha para você dizer que é uma obra infantil. Não caia nessa, está bem? Vou lhe explicar logo adiante, após meu resuminho:

 

Lemuel Gulliver é um cirurgião naval que após um naufrágio vai parar em lugares muito loucos, mas muito reais. Curioso, depara-se com pequeninos, vendo-se um gigante em Liliput. Vê-se pequenino na terra de gigantes Brobdignag. Em Laputa vê  os habitantes ocuparem-se de complôs e conspirações enquanto o país se esfarela e os sábios obcecados por matemática, astronomia e música. E finalmente encontra os Houyhnhms e os Yahoos. Os primeiros são cavalos racionais que governam o próprio país e os segundos os comandados seres humanos bestiais.

 

Ok, bilionário, eu sei que parece uma inocente historinha infantil e que você vai pensar em dar para o seu filho menor ler. Dê. Ele vai gostar. E se seu rebento tiver um neurônio a mais perceberá outras coisas inseridas na obra. Vamos aos intelequituais que é deles que você quer tirar uma onda. Diga logo de cara que Gulliver é um delicioso romance que critica e, acima de tudo, satiriza não apenas a sociedade dos homens, mas a natureza humana. Vale dizer que é mais atual do que nunca. Diga que Gulliver tinha uma confiança inabalável na superioridade dos ingleses e que isto se quebrou quando se deparou com várias personagens. Todos, os anões, os gigantes, os boçais, os racionais, todos, emitem opiniões e encaram Gulliver de diferentes perspectivas. E não esqueça de dizer que isso faz com que o próprio leitor se questione. O mais interessante, bilionário, é você mostrar que sabe exatamente o que vem a ser toda essa crítica e toda essa sátira. Eu sei que você não sabe, mas demonstre que sabe, só demonstre. Gulliver preferia a companhia dos seus cavalos aos seus semelhantes. Deixe claro que o principal motivo da sátira não é ele, Gulliver, mas sim todos nós. Sim. Todos nós. Não gostou? Não entendeu? Se sente ultrajado? Não pense que porque já lhe mostrei uma série de clássicos por aqui que você pode se dar ao direito de emitir alguma opinião. Aqui é meio que ditadura, vá lá, uma ditabranda, até porque não peço um tostão de sua fortuna. Portanto, cale-se e faça o que eu estou mandando, está bem?

 

Achou que estou meio truculenta, hoje? Justo hoje em que falei de um dos meus escritores favoritos? É, ando meio nervosa. Como disse Swift certa vez: "Deixarmo-nos dominar pela cólera, equivale a sofrermos como justos o castigo reservado ao pecador."

 

Vou reler Rebelais. E tentar me divertir um pouquinho. Um dia falo sobre ele... 

 

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Terça-feira, 14 de Abril de 2009

Pocket Classic (A Metamorfose)

Marie Tourvel

 

Tudo muda. Tudo é cíclico. Só o que não muda é sua preguiça, bilionário. Este livro é curtinho, fácil de ler. Você podia fazer um esforço, mas a preguiça não deixa. Por isso eu estou aqui para auxiliá-lo. Franz Kafka é discutido em diversas rodinhas. Os amiguinhos intelequituais falam dele intimamente. Você não pode ficar pra trás. Sei que se afastou de algumas rodinhas em que falavam de Kafka por pura ignorância – no melhor sentido da palavra. Pois agora seus problemas acabaram. Poderá falar sem medo do homem que virou barata. Resumo:

 

Gregor Samsa é um rapaz de vinte e poucos anos. Com seu trabalhinho medíocre sustenta sua família. Ele é um funcionário exemplar. Acorda numa certa manhã com a aparência de um inseto gigante. Ok, Kafka nunca diz ser uma barata, mas pra mim é e acabou. Barriga marron com saliências arqueadas só pode ser barata (argh! Confesso: morro de medo de barata, mas isso não vem ao caso). É hostilizado por todos. A família começa arrumar um jeito de se virar para trazer sustento pra casa. Alugam até um dos quartos para estranhos. Sua irmã é a única que lhe dá um pouco de atenção, mas logo desiste. Depois de muita humilhação, morre. E a família, aliviada, segue sua vidinha normal.

 

Você deve estar pensando: “que porra de fantasia é essa? É livro infantil?” Calma, bilionário. Não julgue num primeiro momento o que absolutamente não sabe. O importante é o que está nas entrelinhas do romance de Kafka. Kafka tinha um pai desgraçado. E ele sempre foi revoltado por isso. Neste romance ele procura escancarar isso com a hostilidade do pai de Gregor para com ele. Pode dizer isso ao intelequitual sem medo. Isso até um garotinho do Jardim da Infância sabe. Pode dizer na rodinha que Kafka usou a metáfora do inseto para criticar mordazmente o serumano. E mostrar que somos um lixo mesmo. Só nos preocupamos com a aparência e a capacidade produtiva. Os intelequituais estão carecas de saber isso, mas ouvir de você, que nesta altura do campeonato já ganhou o respeito dos caras, será motivo de admiração. Diga que a narrativa se desenvolve em torno da nova situação de Gregor, ele experimenta uma nova percepção –intelequituais adoram essa palavra: “percepção”. Se lhe for perguntado sobre a compaixão na família de Gregor, limite-se a dizer que ela representa a faceta mais desumana da sociedade. Se Gregor não pode mais agregar, que desapareça. Sei que você pensa desta forma, também. Todos nós em determinado momento pensamos assim, você com mais frequência, eu sei. Diga que a presença dos tais estranhos alugando um dos quartos da casa é que é o ápice da história. A sociedade inteira rejeita a barata. Dá um tapa metafórico na barata inútil e improdutiva.

 

Confesse: até você, bilionário, sentiu uma peninha do Gregor, não é? Então mexa esse traseiro gordo e... vá à festinha promovida por aquele jornal repleto de jornalistas intelequituais e, na sua esmagadora maioria, esquerdizóides. Faça com que eles se sintam uns verdadeiros incompetentes. (Pensou que eu fosse mandar você ajudar uma ONG genuinamente brasileira financiada com dinheiro público chamada “Os Excluídos”, é? Sinto informá-lo, sou muito conservadora. Dinheiro público não se deve jogar no lixo.)

 

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Terça-feira, 7 de Abril de 2009

Pocket Classic (O Vermelho E O Negro)

Marie Tourvel

 

Vermelho de farda e negro de batina, ou vermelho de paixão e negro de morte? Escolha sua definição para o título do livro, amigo bilionário. Stendhal foi quem realmente fundou o realismo, com esta obra. Possui uma narrativa primorosa. Falar de Stendhal com os intelequituais pode vir a ser delicioso. Não há a menor necessidade de ficar tenso. E nem há mais motivo para isso. Vocês já estão mais soltos nas rodinhas, não estão?

Resumo:

 

Julien Sorel é um ambicioso filho de pais pobres, admirador de Napoleão e muito inteligente. Vira padre pra escapar da mediocridade. Quer virar aristocrata através de sua inteligência. Decora até a Bíblia em latim. Sim, em latim. (E você ainda no “The book is on the table”). Envolve-se com umas “perigosas” e se ferra de verde e amarelo – ou de vermelho e negro, como queiram. Primeiro tem um tórrido romance com a mãe de seus alunos. Depois, já em Paris numa jornada mais ambiciosa, fica com a filha de um Marquês. Por causa dos rabos-de-saia é condenado à morte justamente pela aristocracia que queria tanto alcançar.

 

Cuidado para não dizer bobagens nas rodinhas. Uma amiga disse-me certa vez que considera que Stendhal foi o autor que antecipou essa moda das botocadas de hoje em dia – apreciadoras do bom botox, de querer os jovenzinhos e os ascender ao estrelato. Pra depois levarem um belo pé nos fundilhos. Mas não fale isso que fica meio chato. Os intelequituais sabem disso, porém, não acham de bom tom comentar. Comece dizendo que este romance – baseado em fatos reais, é uma crítica à sociedade francesa do período da Restauração. Não sabe o que foi a Restauração? (suspiro) O período que sucedeu a Revolução Francesa. Não sabe nada sobre a Revolução Francesa? Pesquise, bilionário. Aula de história eu costumo cobrar. Se houver interesse, mande um e-mail. Já escolheu o significado do título? Não? Estou aguardando.

 

(pausa, batendo os dedinhos na mesa...)

 

Bom, diga que é uma mistura dos dois significados que estará de bom tamanho. Já que Julien vestiu farda – que era vermelha, e batina, duas das vestimentas que ele sabia que o levaria à ascensão. E já que a paixão e a morte são elementos fortíssimos no romance. Diga que Julien não mede esforços para alcançar seus objetivos, assim como você, mas suas paixões o levam a ruína – e você, convenhamos, não comete este tipo de erro de cálculo. Ok, só às vezes. Mas não será guilhotinado por isso feito o Julien. Diga que quando Julien muda-se para Paris ele convive com a aristocracia e o alto clero. Aí é que Stendhal se esbalda, nos dá a oportunidade, através de sua perfeita crítica, observar a hipocrisia social, a astúcia política e o poder do clero. Diga que nesta obra os instintos sobrepõem a falsa aristocracia. Ufa! Está ótimo. Os intelequituais ficarão satisfeitos. Antes que algum espírito-de-porco venha quebrar seu barato, saia rapidamente e vá falar sobre Voltaire em outro pedacinho de chão.    

 

 

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Terça-feira, 31 de Março de 2009

Pocket Classic (O Primo Basílio)

Marie Tourvel

 

Você pensará em Madame Bovary, bilionário. Pode pensar, sim, já que Eça de Queirós é da mesma escola de Flaubert. Contemporâneo de Flaubert, tinham a mesma linha. Eça foi um dos melhores escritores em língua portuguesa. Aí você me pergunta: “De novo uma mulher que trai o marido? Você está querendo insinuar alguma coisa com isso?” Claro que não, amigo. Quero só mostrar a você os grandes clássicos. Não fique caçando mensagens cifradas em minhas lições. Eu só estou fazendo resumos para você. Vamos a ele:

 

História da sirigaita Luísa, uma moça que não fazia droga nenhuma da vida e era casada com Jorge, um engenheiro sem glamour nenhum. Ele viaja a negócios e ela começa um casinho básico com seu primo Basílio, um cafa* de marca maior, que havia sido seu namorado. Mas no caminho de Luísa tinha uma governanta. Havia uma governanta no caminho de Luísa (by Drummond). Passou o pão que o diabo amassou com as chantagens, já que Luísa, a burra, deixou rastros da traição. No fim morre a governanta Juliana e a Luísa. O marido fica sabendo de tudo e perdoa a mulher. O amante desgraçado ainda se lamenta porque perdeu a diversão em Lisboa.

 

Um detalhe importante: Na história, Basílio reaparece para Luísa, rico. Adivinhe onde ele ganhou dinheiro? Isso mesmo, no Brasil-il-il, Bananão-ão-ão.

 

Agora falemos das conversas que surgirão sobre o livro. Os intelequituais perguntarão se o livro só trata do adultério em si. Você diz imediatamente que não. Que o adultério é só um aperitivo. Que o livro trata de apresentar a degradação das classes burguesas de Portugal. Diga que as personagens não surpreendem e nem evoluem, apenas modificam-se pelas circunstâncias. Aí vem em minha cabecinha: “Eu sou eu e minha circunstância” frase de Ortega y Gasset. Nunca ouviu falar do Ortega y Gasset? Nem de Ortega sin Gasset? Ah, um dia falo deles por aqui. Eles perguntarão a você, possivelmente, sobre o Conselheiro Acácio. Não enfeite muito para falar nele. Só o descreva com palavras certeiras: defensor do governo e da monarquia; gosta da tradição, família e propriedade; símbolo da mediocridade e que tem por amante sua criada. Um chato profissional mesmo. Sobre Juliana, a perversa, diga que era uma rancorosa solteirona e muito invejosa. Pega bem você falar que era o “caráter mais verdadeiro do livro”, palavras de Machado de Assis, deixe claro isso. Sim, o Machado de Assis, aquele que escreveu sobre a Capitu, outra adúltera, ou não. Os intelequituais ficarão admirados por você saber que um dia Machadão fez uma resenha deste livro. Acho que depois dessa você pode levantar seu narizinho e se sentir um deles. Até eles, os intelequituais, já enxergarão você como um deles. Mas procure não se empolgar. Mantenha a devida distância. Eles são loucos para dar um bote. Peça licença e saia da roda. Vá para outra que devem estar falando de Balzac ou Sthendal.

 

Na semana que vem a pedido da querida Patti, falarei sobre “O Vermelho E O Negro” de Sthendal. Não, bilionários brasileiros, não é um livro sobre o Flamengo**. Tirem seus cavalinhos da chuva.

 

*cafa = cafajeste

**Flamengo = time de futebol do Bananão.

 

 

 

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Terça-feira, 24 de Março de 2009

Pocket Classic (Razão E Sentimento)

Marie Tourvel

 

 

Meu amiguinho bilionário, este foi o primeiro livro que li inteirinho e sozinha in english. Sense And Sensibility de Jane Austen. Ganhei um exemplar pequenino, porém limpinho, do meu pai. Ele me escreveu uma bela dedicatória, como sempre fazia. Presenteei uma pessoa que era –e ainda é, muito especial pra mim com o exemplar. Naturalmente a “pessoa especial” jogou o livro no lixo ou deixou cair uma xícara com café por cima, já que ele fez o mesmo comigo. Mas isso não vem ao caso. Não contei essa história pra sentirem peninha de mim. Contei porque assim você entende com minha historieta que às vezes faço besteiras e sou só sensibilidade, a razão passa longe.

Ao resumo:

 

Duas irmãs ficam na merda depois da morte do pai. O meio-irmão as sacaneia. Não dá pra continuar morando onde moram. Vão pro campo. Lá, elas têm que bancar as phinas pra arrumar casamentos com bacanas. As duas se apaixonam. Uma é prática e durona (Elinor), a outra toda sensível, cheia de querer sonhar (Marianne). Passam uns perrengues, mas casam-se e são felizes no final –sei lá se para sempre, pelo menos é o que aparenta.

 

É um romance rasgado e para falar dele com os intelequituais, basta dizer que Jane Austen tem uma elegância em descrever sua época como ninguém. Embora seja um enredo de casamento, você pode enfeitar um pouco o pavão e dizer que o objeto real de estudo é o que move a razão de uma e a sensibilidade da outra. O centro do romance é a evolução dos personagens. Diga que é uma satisfação ler Austen expondo o título do livro. Eles podem perguntar a você qual a melhor tradução para o título do livro, Razão E Sentimento, ou Razão E Sensibilidade? Embora eu simpatize com a “Sensibilidade”, o mais correto é “Sentimento” mesmo. Diga que a criação da perspectiva é conseguida através da linguagem, que muito bem colocada dá a impressão de conseguir moldar caráter. Já ganhou todo mundo com isso. E tenho uma dica: visite o blogue Jane Austen Em Português da Raquel que aprenderá tudo e mais um pouco sobre Jane Austen. Raquel até sugeriu um título, corroborado pela Letícia do ótimo Flanela Paulistana, bem interessante: “A Certinha E A Sem-Noção”. Eu gostei. Entre nós, bilionário, podemos até arriscar alguns títulos: A Durona e a Tonta”, A Clint Eastwood e a Lewis Carroll”, A Casca-de-Ferida e a Goiaba”, e muitos outros. Invente o seu título. Se sentir que os intelequituais estão calibrados um pouco mais que o normal, pode até fazer uma piadinha, mas tenha a certeza que beberam mais de três doses. Sei que vai dizer que o romance não é pra macho, é de mulherzinha. Mas saiba que até as mulheres mais duronas como Elinor simplesmente amam quando os moçoilos dizem que leram Jane Austen e ainda por cima comentam o romance. Ponto pra você. Nesta rodinha pode ter uma intelequitual bonitona que você está querendo há muito tempo. Sim, as intelequituais também amam e transam. É sua grande oportunidade. Só tome cuidado com sua Sheyla Shirley. Ela pode desferir o tal livro em sua cabeça.

 

Para a semana que vem ando numa dúvida atroz: Eça de Queiroz ou Stendhal? Voltaire ou Balzac? Ainda não sei. Deixem-me sair um pouco de minha veia sensível e não pensar mais no meu exemplar raro da Jane Austen manchado de café. 

 

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Terça-feira, 17 de Março de 2009

Pocket Classic (Em busca do tempo perdido)

 Marie Tourvel

 

Cuidado, bilionário. Se você se interessar tanto por esta obra de Marcel Proust e resolver comprar todos os volumes para enfeitar sua estante corre o risco de encontrar em alguma livraria de sua cidade na seção “auto-ajuda”. Não é, tá? Proust ficou um tanto doidão escrevendo este romance que é um verdadeiro tratado sobre... ah, tantas coisas, tantas emoções, tantas crueldades. Ele descorre sobre música, arte, homossexualismo. Dá pra fazer um apanhadinho de tudo e falar com propriedade nonsense de cada assunto. Proust era meio esquisitão, sim. Morreu doente, o coitadinho, antes de sua obra completa ser publicada. Resumo do resumo do resumo do resumo... enfim, resumão:

Um cara – escritor, tem asma e tem crises da doença quando a mamãe, a namorada (o) e o escambau a quatro o rejeita. No fim todos envelhecem e ele resgata pela memória partes de sua vidinha e de acontecimentos históricos.

E saem a bailar.
 
Sim, só isto. Não reclame. O que importa aqui não é a história, mas sim, o que vem como bônus, assim como num jogo do videogame do seu filho aborrescente. Você se surpreenderá com as coisas que sairão involuntariamente de sua boquinha quando começar a falar sobre os pontos em que tocarei. Se você disser que é uma busca do tempo através da memória deixará os intelequituais contentes logo de primeira. Muita gente confunde com auto-ajuda justamente porque o autor usa este recurso da memória para mostrar que se pode não incorrer nos mesmos erros. Quando li essa coisa pesadona há muito tempo atrás achei que fosse ficar doidinha. Ficava horas com papai tecendo comentários sobre cada volume que lia. Confesso que o início de nossas mesas-redondas era um porre e logo em seguida me empolgava. A leitura deste crassicão é isso aí. Não tive coragem de reler, bilionário. Algum amiguinho sabichão vai lhe perguntar se a leitura da obra de Proust por muitas pessoas ajudaria a mudar e melhorar o mundo. Fuja desta pegadinha. Diga que nenhuma obra literária melhora o mundo. Que o prazer é de quem lê. E só. Sempre é bom salientar que os leitores se divertem percebendo tratar-se de um diálogo com os seus antecessores literários. Se insistirem e perguntarem sobre a história em si, seja lacônico e apenas solte: “é uma modorrenta, porém elegante, história de uma vocação literária”. Pronto! Matou a pau. De verdade. Não precisa rebuscar muito sua fala. Metade dos fulaninhos da rodinha sequer leram o primeiro volume. E não os culpem. Não é todo mundo que agüenta. Eu mesmo só agüentei porque papai me obrigou. Demorei muito pra terminar a leitura e lia mais dois outros títulos ao mesmo tempo. Pra ver se exercitava a Marilyn e a Monroe – meus dois neurônios, porque até meus neurônios são fêmeas. Diga que os temas recorrentes no livro são o tempo e o espaço. Não, carambolas, não é aquele livro de Física do seu primeiro ano do ensino médio. Diga que o personagem principal, o escritor, narra de forma estrutural as mazelas da burguesia e aristocracia entre 1870 e 1920. Diga que há lapsos em sua memória –não na sua, na do narrador. E que mostra a capacidade que todos temos em produzir memória involuntária. Se falarem sobre o homossexualismo do personagem ou mesmo no de Proust, não entre em roubada, deixe que os fofos intelequituais entrem neste assunto. E concorde com o menos esquerdizóide que encontrar. Você sabe como identificá-lo. Já dei essa lição por aqui. É uma autobiografia? Pode ser, pode não ser. Não é o que mais importa.


Teria muito mais coisas para falar deste romance, mas não me estenderei porque caso contrário você realmente vai achar que se trata de um “wishful thinking” e se perder nas conversas com nossos sabichões. Prefiro parar por aqui. Sei que você já aprendeu como deve sair da rodinha. Não? Está bem. Diga que não vê um amigo há muito tempo e quer presenteá-lo com um raro exemplar de "Sense And Sensibility” de Jane Austen. Termine com a seguinte frase de Proust: ”Só se ama o que não se possui completamente”, seja lá o que isso quer dizer. Repare nas respirações de nossos amiguinhos. Ficarão ofegantes, pode ter certeza.
 
Jane Austen na próxima semana? Who knows? Mais gelo, por favor. 

 

 

 

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Terça-feira, 10 de Março de 2009

Pocket Classic (Madame Bovary)

 

Marie Tourvel

 

Ei, bilionário, querido, calma! O que prometo, cumpro. Resumirei uma obra do Flaubert. Gustave Flaubert. (Abra o linque sem medo. Você vai aprender um pouco mais). Eu escolheria Bouvard e Pecouchet, mas acho que este título deixarei mais pra frente, pois talvez vocês não estejam preparados. Antes que você fale alguma besteira do tipo: “.mas essa Marie é muito pedante mesmo. Ela não sabe que estou preparado para qualquer coisa?”, eu já vou avisando que não é pedantismo, não. É só porque acho que Madame Bovary é um livro mais prazeroso de comentar nas famosas rodinhas. Flaubert foi homem de poucos livros. Não escreveu um amontoado de obras. Mas as que escreveu, companheiro bilionário, ficaram para a posteridade. O francês era do balacobaco. Vamos ao resumo:

 

História de Emma, que se casa com o viúvo Charles Bovary. Ela foi criada no campo e, ambiciosa, sonha com vida de luxo. Casa-se com Charles, um médico, achando que o cara tem grana como você, bilionário. Tudo ilusão. O cara é um fracassado e mosca morta. Emma não suporta sua vidinha modorrenta e começa a caçar assunto. Dá para Leon, um jovem estudante e este vai-se embora. Dá para Rodolphe e este a abandona. Fica triste paca porque seu negócio é rosetar. Leon volta de Paris e os dois vivem um caso amoroso delicioso. Só que a Emma pensa que é milionária e vai gastando dinheiro. Gasta o que tem e o que não tem. Fica sem grana, cheia de dívidas, ninguém a ajuda e ela se suicida. O Charles? Um pobre corno manso. Morre de um ataque do coração fulminante logo depois de Emma.

 

Uma desgraça? Um horror? Está chorando? Está se identificando? Com Charles? Ora, a Sheyla Shirley, sua esposa, não faria isso com você. Ou faria? Mas nem se preocupe, mesmo que ela fizer, você não é fracassado feito o Charles. Pode ser que ela detone com um terço de seu patrimônio, mas ainda sobrará muito para queimar.

 

O mais importante são as rodinhas dos nossos überamiguinhos intelequituais. Diga que Gustave Flaubert levou 5 anos para escrever este livro porque sempre se preocupou com a excelência. Embora eu saiba que você deve ter considerado a Emma uma mulher de quinta categoria, nunca diga isso. Cale-se, por favor. Diga que a narração de Flaubert consegue ser isenta e nos deixa a vontade para julgar Emma ou não. E não deixe transparecer que você é passional. Em nenhum momento demonstre simpatia por Charles, por favor. Mostre-se inclinado a compreender os motivos de Emma para que nossos amiguinhos não soltem as asas para a sua Sheyla Shirley. Sabe como é? Quando é proibido é melhor. E existem uns intelequituais que são muito charmosos e sua mulher pode cair em tentação. Deus me livre. Diga que nunca leu descrições tão bem feitas como as de Flaubert –o que é uma verdade incontestável. Diga que este romance é uma dura crítica à burguesia francesa da época.

Um comentário meu: nos tempos de hoje Emma tiraria carne de seu bumbum para fazer os lábios iguais aos da Angelina Jolie só pra impressionar seus amantes. Assim como teria também seu personal trainer e personal care para ficar mais gostosona. Como assim? A Sheila já fez estas intervenções cirúrgicas? E tem os personals? Tudo bem. Foi só pra ficar mais sensual pra você.

E com uma frase de efeito do tipo “Flaubert sempre foi influenciado pelas teorias científicas. Admiro isso nele”, despeça-se de mais esta rodinha.

 

Ah, bilionário, quando sair da festa, deixe que Sheila Shyrley saia na sua frente. Dê uma olhada em seu (dela) derrière e vê se não aumentou muito de tamanho. Estão fazendo cada coisa nas clínicas de cirurgia plástica daqui do Brasil que nem todos os mililitros dos seios de Pamela Anderson acreditam.

 

E assim apresentei a vocês mais um clássico de fácil aceitação no meio intelequitual –aliás, Flaubert é um dos meus preferidos. Na semana que vem tem mais. 

 

 

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Terça-feira, 3 de Março de 2009

Pocket Classic (Os Miseráveis)

Marie Tourvel

 

 

Antes de qualquer coisa, clique no nome do autor deste crassicão: Victor Hugo.

Meu bilionário, não se choque com o título de meu Pocket de hoje. Sei que muitos de vocês vieram de baixo, não tinham grana pra nada e se deram bem -não importa de que forma. Não olhe com essa cara de nojo, vai. Pense em seus subordinados. Pensou? Então, agora esqueça. Você é um bom patrão e dane-se todo mundo. Lembrou de algum país da América Latrina? Isso! está no caminho certo. Mas não no sentido de miseráveis sem grana. Mas no sentido de velhacaria mesmo. Vamos ao resumo:

 

Jean Valjean é preso por roubar um pedaço de pão. Por tentar fugir diversas vezes -presidiário é tudo igual mesmo, pegou 19 anos de gancho. Sai da cadeia com a condição de se apresentar uma vez por mês por lá, uma coisa assim. É ajudado por um bispo. Sacaneia o bispo roubando-lhe as pratarias. É preso de novo. O bispo o salva dizendo que ele deu a prataria toda a ele como presentinho e ainda diz que esqueceu de dar os candelabros. Quanta bondade. Aí o Jean tem que se emendar, né? Aí começa a ver que o mundo é bom e que a felicidade até existe. Ele espera redimir-se por meio da filha Cosette, que é adotada -filha de uma prostituta. Em meio a digressões de Hugo, tinha uma pedra no caminho. No caminho tinha uma pedra: Javert, policial estranho porque cumpre a lei à risca. Estranho isso, não é? Fica só na caça do nosso herói. Resumindo: O Jean se redime de seus pecados e o Javert se mata. E alguém aí vai dizer que resumir crássicos não é de bom tom?

 

(Em primeiro lugar, pelamordedeus, pronuncie Hugô. Sabe fazer isso, não é?)  

Por que este título para o livro? Nem dê bola. Hugo faz digressões até com estrume neste livrão pesado. Olha só, tentarei explicar. Sabe aquele seu amigo que tem tanto ou até mais dinheiro que você, e por mais que ele se cubra de luxos, jamais terá classe? Calma, não estou falando de você, querido. Pois é, aquele seu amigo é um miserável. Entendeu? Não? Ah! deixa pra lá. Mesmo que você tenha visto o musical -sim foi feito um musical deste livro, obviamente, não cite isso. Diga nas rodinhas sabidas que leu o original -não, não diga que leu em francês. Nós, e somente nós, sabemos que você não faz biquinho nem quando está bravo, não é? Pensa que todos da rodinha leram as mais de 1300 páginas do livro? Não mesmo. Muitos de lá só leram as inúmeras versões abreviadas que sairam do livro, que fique bem claro. 


Diga uma frase que muitos intelequituais de esquerda (eu sei que isso não existe, bilionário. É que eles autointitulam-se. Coisa de gente louca mesmo), amam: "Miséria é miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes". É de uma música de um grupo de roque (Titãs) do Bananão, do Brasil-il-il, grande pátria desimportante, onde proteger ditaduras de esquerda é absolutamente normal. O Bananão é excêntrico e exótico por natureza. Mas que beleza!     

                                                                                          

Nunca confie que os intelequituais, porque estão impressionados com sua desenvoltura para falar dos crássicos da literatura, já viraram seus amigos de infância. Nunca caia nesta asneira. Eles são gente como a gente. Têm inveja. A mesma inveja que você sente daquele seu "amigão" bilionário que mesmo nesta crise xarope comprou aquela Lamborghini pra dar um rolé pelo bairro. Então, eles vão dissecá-lo sempre com perguntas marotas. Nunca baixe a guarda. Você pode se trair ao falar sobre o aspecto social do livro, então procure falar do período histórico sem medo. Diga que se trata de uma obra que narra a situação política e social francesa no período da Insurreição Democrática através da história do tal do Valjean. Diga que Victor Hugo dissecou a condição humana em todas as suas qualidades e defeitos. E olha que bunitu: este romance refere a forma como cada indivíduo desempenha um papel no contexto -palavra amada por esquerdistas, da época histórica. Depois dessa dê uma profunda respirada.

Beba um gole de seu uísque e vá procurar uma rodinha em que estejam falando de Flaubert. Quem sabe na próxima semana eu resolva agraciá-los com esse francês da pesada.

 

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Terça-feira, 24 de Fevereiro de 2009

Pocket Classic (Hamlet)

Marie Tourvel

 

 

Sentiu minha falta, não é, bilionário, querido? Sobreviveu nas rodinhas de intelequituais? Espero que tenha estudado um pouquinho. Minha lição de hoje é sobre Hamlet. Sim, falo de uma peça de teatro do velho bardo (não sabe quem é o velho bardo? William Shakespeare, querido. Não é um espirro, é SHAKESPEARE). Se tudo o que você conhece sobre Hamlet é o "ser ou não ser, eis a questão", precisamos realmente conversar. Mas vamos começar com o meu já famoso resumão para que você se situe:

 

Hamlet era um príncipe dinamarquês (sim, em minha cabecinha ele devia ser lindo, louro e com asinhas de anjo) que após a morte de seu pai começou a ver o fantasminha do mesmo. No seu bate-papo com o morto, o mesmo dizia que necessitava de desforra, vingança, já que, dizia ele, foi seu irmão, Claudius, que tramou sua morte e de quebra casou-se em seguida –sem que o defunto esfriasse, com sua esposa e mãe de Hamlet, Gertrudes. Aí virou obsessão. Ele queria vingar a morte de seu pai. Ficou de mau humor e se fingiu de louco. E se entregou à vingança. Sacrifica até o amor que sente por Ophelia. Pensando ser Claudius escutando escondido uma conversa em que Hamlet relatava à sua mamãe Gertrudes a trama do novo Rei, ele mata na verdade Polonius, pai de Ophelia. Olha a desgraça. Qualquer mulher vendo isso ficaria louquinha, não? Foi o que aconteceu com Ophelia. E ela morre. Para desespero de Laertes, grande amigo de Hamlet e irmão de Ophelia. Já viu, né? Todo mundo morre no final e cabe a Horacio, graaaaaande amigo de Hamlet, contar a história a todos do pobre príncipe a pedido do próprio antes de morrer. Fatal Tragedy total.

 

Bem, agora é que são elas. Imagine um intelequitual querendo pegar você na curva. Você não pode deixar isso acontecer, claro. Por isso, a bondosa Marie está pronta para lhe acudir. Não pense que eles falarão sobre as únicas coisas que você já ouviu falar sobre Hamlet, o tal do "ser ou não ser", ou "há algo de podre no Reino da Dinamarca". Não sabia que isso era Hamlet? Sim, querido bilionário, essa frase que você usa no seu dia-a-dia referindo-se aos seus companheiros endinheirados, surpresa das surpresas, é da tragédia shakesperiana. Os intelequituais tentarão ser mais capciosos.  O ideal é que quando derem a entender que o papo é sobre Hamlet você já tasque a seguinte frase: "É uma obra atual pela força com que trata de problemas fundamentais da condição humana." Pronto! Já ganhou metade da intelequitualidade da rodinha. Eles tentarão testar você com clichês sobre Ophelia, mas você não cairá na deles. Sobre a pobre Ophelia somente diga que loucura e melancolia ficam próximas tanto em Hamlet quanto nela. Estará de bom tamanho. Se insistirem no "ser ou não ser", você diz que a indecisão, síntese do personagem de Hamlet, é o que move todas as tragédias escritas entre o século XVI e XVII. Uns perdidos, vamos combinar. Ainda mais pra você que é überdecidido. Isso vai impressioná-los. Embora os olhares sempre serão blasés. Nem ligue para isso. Na realidade eles estarão pensando: "como esse cara ganha dinheiro, hein? qual o segredo dele?" Continue a jornada. Diga que o traço mais marcante de Hamlet é o pessimismo, a melancolia. E que sua inércia o leva à morte. Perguntarão a você sobre a loucura do príncipe. Diga que a peça traça um mapa do curso de vida na loucura real e na loucura fingida. Do sofrimento opressivo à raiva fervorosa. E não esqueça de dizer o quanto admira o sarcasmo do personagem. Sim, ele é sarcástico. Não é maravilhoso? Saiba que sempre desconfiei que Hamlet assistia Seinfeld.

 

Já basta, bilionário. Não diga mais nada. Ouça o que eles têm a dizer, pois sempre sai algo de bom da boca dos intelequituais pobretões. Procure decorar cada palavra. Aí você me manda um e-mail e eu faço uma triagem do que realmente vale a pena ficar impregnado em sua mentezinha brilhante. Se insistirem em continuar a dissecar ainda mais os aspectos psicológicos da figura do príncipe, não dê tanta bola. Aí é um papo completamente repetitivo e chatinho, diga que precisa tomar um Blue Label urgente para continuarem o papo suuuuuuper agradável. Beba seu Blue Label, pois sua mente já está embaralhando, saia de fininho e não participe de mais nunhum debate literário nesta noite. Vá embora para não esquecer as frases de efeito dos amiguinhos intelequituais.

 

Semana que vem volto com o provável assunto da próxima rodinha de phodões. 

 

 

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Terça-feira, 17 de Fevereiro de 2009

Pocket Classic (Dom Quixote de La Mancha)


Marie Tourvel

 

 

Um amigo pediu-me que eu falasse para nossos amigos bilionários* sobre o crassicão Dom Quixote de La Mancha (não confundir com o desenho animado Dom Pixote, ok?), do espanhol Miguel de Cervantes. Eu confesso que demorei quase 6 meses para ler este livro inteiro. Eu tinha 18 anos. Era uma edição da Abril Cultural linda. Capa dura verde com letras douradas. Papai me deu com dedicatória e tudo. Há pouco tempo eu presenteei um amigo com esta minha edição especial. Talvez ele nem seja tão meu amigo assim, hoje enxergo isso. Presenteei tantos amigos com edições em que papai me escrevia alguma dedicatória. Muitos deles talvez nem dê bola. Tenha jogado o livro em qualquer canto, sei lá. (Marie poética mode on) Mas quando presenteei esses amigos foi como se estivesse dando parte de minha alma (Marie poética mode off).


Chega de papo furado e vamos ao que interessa, pois meu amiguinho bilionário não pode perder tempo. Tempo é dinheiro, não é? Dom Quixote foi escolhido o melhor livro de todos os tempos. Tem razão de ser, viu, bilionário, querido. Vamos ao resumão:


História de um doidão que lia muito romance sobre cavalaria em uma Europa saindo da Idade Média e decide se armar cavaleiro e ir combater as injustiças do mundo em nome de seu amor imaginário, Dulcinéia Del Toboso, e acompanhado de Sancho Pança, seu fiel escudeiro. Quixote era “O cavaleiro das tristes figuras”. Ia pra sua luta, tomava um cacete, voltava pra casa, ia pra luta, tomava um cacete, voltava pra casa... enjoou? Tem mais, muito mais.

É um resumão só para você se situar, amiguinho. O mais importante é o que dizer nas rodinhas dos intelequituais e não dar vexame. Eles vão dissecá-lo a respeito do motivo que levou um livro desses ser tão importante. Você vai dizer que é uma sátira sensacional que Cervantes fez aos romances de cavalaria. E que ao mesmo tempo é de um lirismo sem tamanho. Diga que a insanidade de Quixote virou poesia. Fale um pouco do indolente Sancho Pança. Diga que na segunda parte do livro é muito divertido vê-lo como governador da ilha imaginária e cheio de ambição. Eles muito provavelmente perguntarão a você o motivo que levou Cervantes a escrever este livro. Arrisque-se, pero no mucho. Diga que o processo intelectual de elaboração do Quixote soa como uma espécie de metáfora à decadência espanhola. Se perguntarem por que considera isso, diga que é porque o pobre fidalgo não quer menos do que realizar proezas, mas sem os instrumentos para levá-las a bom termo.

 

Não entendeu nada? Decore, amigo, decore. Você pode dizer também que há uma profusão de temas históricos no Quixote, há também muita sofisticação na abordagem dos mesmos. Já falou demais, não invente. Diga somente isso o que escrevi que está de bom tamanho. Se eles quiserem falar sobre a Dulcinéia, fuja. Não entre em barca furada. Na realidade eles querem saber se você cairá na pieguice. É uma espécie de pegadinha, entende? Olhe para frente e diga que precisa falar com um amigo sobre a última releitura que fez de Diderot. Se perguntarem qual Diderot que releu, diga sem pestanejar: "O Passeio Dos Céticos". Você ouvirá o pensamento dos cabeças pensantes: "Oh!!!!!!!". Peça licença e não esqueça do sorriso. Soará meio sarcástico para o amiguinho intelequitual. Eles gostam disso. Vá em frente.

Até a próxima semana, querido billionnaire.

 

*Milionário é pobre. Tem que ser bilionário. No mínimo.


 

 

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Terça-feira, 10 de Fevereiro de 2009

Pocket Classic (Crime e Castigo)

Marie Tourvel

 

 

Ei, amigos milionários, sentiram minha falta, não é? Estou de volta. Andei dormindo além do que devia. Escrevo este post e volto ao meu sono. Escrevo este post com os olhos fechando, mas vamos nós, hein? Sou muito generosa, como diz uns e outros.


Espero que tenha feito sucesso com o Ulisses
. Hoje minha lição é sobre Crime e Castigo de Fiódor Dostoiévski. É um crássicão. Meu pai me fez ler com 13 anos. Não, millionnaire amigo, não era nenhuma prodígio, apenas meu pai achava que eu fosse. Reli com 17 anos e aí sim veio a luz. Aos 13, achei que era um policial, aos 17, um tratado psicológico. Hoje, sei lá eu o que quer dizer tudo, só sei que é um livraço. Leitura das boas. Mas sei que você não pode perder seu tempo - porque dinheiro sei que já perdeu o suficiente na queda das bolsas (mas confio em seu poder de recuperação). Pior eu que nem emprego tenho, mas isso não vem ao caso, não é relevante. Fico por aqui ouvindo músicas delirantes e me anestesiando. E, claro, ajudando vocês. Vamos ao resumão para você não fazer feio nas rodinhas dos phodões intelequituais:


Roskolnikóv está com o saco cheio de sua vidinha modorrenta e pobre. Sofre com a mãe viúva. Quer fazer algo em prol da sociedade e pegar uma grana. Resolve matar uma velha agiota com uma machadada. A irmã da velha vai no pacote por acidente. Se arrepende paca. Por influência de Sônia, ele resolve confessar o crime, vai preso e recebe uma pena leve por não ter antecedentes criminais e ter confessado o crime.


Basicamente é isso. O seu problema, querido milionário, é que os intelequituais mais phodões vão querer dissecar você sobre a psicologia intrínseca no romance. Diga que o mais importante no livro não são os assassinatos em si, mas a solução dos dramas humanos que Dostoiévski propõe. Diga que gosta de autores russos particularmente pelo ensaio psicológico que eles fazem de suas personagens. Se perguntarem sobre outro autor russo, cite
Tolstói (pode ir na minha, ele é muito bom, também. Se perguntarem uma obra dele, não invente moda e cite a mais óbvia, Guerra e Paz. Mas não fale nada sobre o romance. Eu estou ajudando, mas é um livro por semana, tá? E não reclama que é de graça.) Não vá muito além disto. Se perguntarem algo mais a você, do tipo: "você não acha que... yada, yada, yada?" Faça um olhar blasé e retribua com outra pergunta: "mas é você quem acha isso, não é?" Sorria marotamente e peça licença rápido. Passe para outra rodinha.


Até a próxima semana.


Adendo 1: Milionário, não tenha preguiça, clique nos linques dos nomes dos escritores e LEIA. É sempre bom estar por dentro da vidinha deles, não é? Pode ser que se aprenda algo com sustância, sei lá.

 

 

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publicado por Ana Vidal às 01:43
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Terça-feira, 3 de Fevereiro de 2009

Pocket Classic (Ulisses)

Marie Tourvel

 

 

Descobri através de exaustivas pesquisas que milionários não têm tempo para ler crássicos da literatura, mas os mesmos não querem ficar de fora dos papos de intelequituais. É pura bobagem da parte deles. O talento deles já é pra ganhar dinheiro, não precisa dizer que leu os crássicos, não. Mas eles querem ser citados como milionários cultos, então dou minha contribuição. Eu tive tempo de ler tudo quanto é crássico. Infelizmente, não tenho o talento para virar milionária e muito menos sou uma intelequitual. Só li muito e tenho facilidade pra decorar. E estou desempregada, ociosa, esperando o maldito mercado decidir se vai ou se vem.

 

Entendam uma coisa: ler não torna ninguém melhor ou pior. A literatura não forma caráter. Caso contrário, Hitler seria a melhor das pessoas por ter lido Flaubert, não é mesmo? Ler é um dos prazeres da vida, não é nem o primeiro, pois sou perfeitamente consciente de que há prazeres muito maiores que este. Mas nosso amigo bilionário não tem tempo para esse tipo de prazer, porque em seu tempo de férias ele prefere esquiar em Aspen a ler crássicos da literatura.

 

Então, toda semana eu presentearei os millionnaires com um resumo de um livro famoso. Não, milionário querido, não falarei de Paulo Coelho. E, pelamordedeus, nunca o cite nessas rodinhas, hein? Mesmo que você adorou ter lido O Alquimista, só o cite para ridicularizá-lo. Geralmente os intelequituais pobretões adoram ridicularizar escritores que ficaram milionários escrevendo porcarias.


Já pensou se numa rodinha com aqueles jornalistas intelequituais, porém, pobretões, você fizer um comentário bacaninha sobre Dostoiévski, por exemplo? Eles ficarão impressionados e pensarão: "Puxa, como esse cara é phoda, além de ganhar dinheiro paca, ainda leu tudo o que eu li. Sou um bosta, mesmo". Faça um intelequitual verdadeiro se sentir um bosta. É divertido. Isso não tem preço.


Comecemos, então, com o resumo de um livro daqueles difíceis de digerir. Ulisses de James Joyce. Ele é citado em onze entre dez rodinhas sabichonas. O resumo é isso aí:


Leopold Bloom sai de casa para um enterro e irá percorrer Dublin (é Irlanda, tá? Não a do norte, please... isso mesmo, terra do Bono Vox) durante um dia inteiro, visitando biblioteca, jornal, bordel e bares. No final ocorre o encontro com Stephen Dedalus, um jovem intelectual de Dublin. O Sr. Bloom é o equivalente ao Ulisses (ou Odisseu), herói da "Odisséia" e Stephen, a Telêmaco, seu filho. Assim como na obra de Homero, o herói faz um grande caminho e retorna pra casa, reencontrando o filho, representado por Stephen.


Não esqueça de citar o Bloomsday que é comemorado todo dia 16 de junho (a história se passa nesse dia, entendeu?). Diga que geralmente neste dia vai a um pub em algum lugar do planeta e toma uma Guinness em homenagem a Joyce. Isso impressionará os mais ralés.


Não importa que você não tenha entendido picas. Se começarem a perguntar algo de muito profundo do livro de Joyce, como por exemplo sobre a linguagem inovadora, você diz: "Sinceramente, prefiro Finnegans Wake. É mais denso". Ninguém vai desafiá-lo mais, já que nem os intelequituais mais phodões entenderam direito este último livro. Se eles insistirem, diga que o final de Ulisses com o orgasmo apoteótico de Molly Bloom foi muito interessante. Dê uma risadinha sarcástica. Peça licença, saia da rodinha e vá para outra que estão falando sobre A Divina Comédia de Dante.


Bem, amigos milionários, por hoje é só. Na próxima semana escolho um outro livrão de respeito e tasco a orelha do livro para que você não se sinta desamparado.

 

 

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publicado por Ana Vidal às 21:51
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