O primeiro impacto do Oriente sobre um europeu razoavelmente calejado pode ser descrito como uma verdadeira invasão dos sentidos. De repente, sem pré-aviso, tomam-nos de assalto as cores, os cheiros, os sons e o afago húmido de um calor desconhecido. Tudo é novo e deliciosamente estranho, excitante como um arrepio em noite de Verão. E não falo de praias paradisíacas, com coqueiros e tépidos mares transparentes. Neste caso, quem me abre as portas do Oriente é uma enorme metrópole, com 14 milhões de habitantes e uma arquitectura urbana arrojada.
Mesmo assim, o exotismo impõe-se através de uma natureza indómita, que irrompe por todo o lado sempre que pode. Há zonas de vegetação selvagem em plena cidade e muita, muita água: braços de rio e canais artificiais que substituem ruas, pequenos lagos no centro de condomínios de pédios altíssimos. À primeira vista, e observada da janela de um 17º andar do hotel Le Meridien, dir-se-ia que Bangkok se assemelha a New York. Mas esta perspectiva “aérea” exclui o chão e isso faz toda a diferença, porque é a esse nível que o Oriente se manifesta com toda a sua exuberância: bancas que vendem tudo o que possa imaginar-se, da comida ao artesanato passando por animais vivos; tuk-tuks que rivalizam com táxis (estes, por sua vez, ostentando todas as cores do arco-íris), num um trânsito caótico que só terá paralelo, talvez, em Nápoles; pressurosos alfaiates que fazem provas de fatos Armani em sedas e caxemiras; massagistas que oferecem serviços vários, das terapias com peixes para doenças de pele até à “hot candle massage”, a delícia mais ousada do catálogo. Enfim, uma multidão transbordante e sorridente que nos recebe de braços abertos, com uma surpreendente hospitalidade quase naif ainda, depois de anos e anos de invasão turística ocidental.
É claro que o meu hotel, de uma estética imbatível, ultra-moderno e requintado em extremo – não é por acaso que existe a expressão “luxo asiático” – se situa, para o bem e para o mal, mesmo em frente da famosa Patpong (quem não se lembra desta rua no filme Emmanuelle?), onde bate mais quente e mais forte o coração de Bangkok. Há um mercado nocturno que todos os dias, religiosamente, aparece às seis da tarde para desaparecer de novo à uma da manhã, num ritual complicado de montagem e desmontagem de tubos e lonas executado por um enxame de vendedores, em tempo recorde.
Quando acaba o bric-a-brac, começa outro mercado: uma oferta variada de espectáculos e serviços eróticos, que começam em plena rua e acabam em primeiros andares pouco recomendáveis, passando pelos bares “de varão” onde mil rapariguinhas - que parecem ter sido clonadas de um único modelo - exibem os seus (des)encantos.
Sobre isto, uma curiosidade: diz-se que há quatro sexos em Bangkok: as mulheres e os homens ditos “normais”, os Lady boys (homens que se apresentam e agem como mulheres, mesmo durante o dia) e as Tom girls (o inverso: mulheres transformadas em homens, no aspecto e nas atitudes). Para além das fachadas, também uma cirurgia de mudança de sexo custa uns míseros dois mil euros, pelo que a moda está em franco crescimento.
Depois há a cozinha Thai, deliciosa e saudável. Apaixonei-me sem remédio pelos legumes, os camarões, as limonadas, as mil variedades de arroz, e só das nossas sobremesas tive saudades. E há também o grande mercado de fim-de-semana, tão gigantesco que é essencial andarmos de mapa na mão (distribuído pelos muitos polícias de serviço) para não nos perdermos. Eu perdi-me, mas por algumas antiguidades de cuja idade duvido muito, dada a insignificância do preço.
E há ainda o mercado das flores ao longo do rio, uma experiência sensorial única: lindíssimas coroas e colares de orquídias de todas as cores, para além de uma imensidade de outras flores de nomes desconhecidos. Por sorte, estava em Bangkok na véspera do Grande Festival da Lua Cheia. No dia seguinte, todas aquelas magníficas arquitecturas florais seriam lançadas ao rio numa manifestação de alegria, como tributo às divindades aquáticas.
E perdi-me também, mas propositadamente, nas ruas menos centrais de Bangkok. Se há coisa que gosto de fazer é vaguear sozinha pelas ruas de uma cidade desconhecida, sentindo-lhes o pulso e a alma. Foi assim que fui parar a um templo frequentado só por locais (não havia uma única palavra traduzida em inglês, como acontece por toda a cidade). Sentei-me no chão sobre os joelhos e fiquei a observar os presentes, imitando-lhes os gestos – como queimar paus de insenso, por exemplo – na esperança de me diluir no cenário e não perturbar. De repente, todos saíram dali ao mesmo tempo e eu fiquei sozinha, sem saber muito bem o que fazer a seguir. Preparava-me para ir-me embora quando alguém me tocou no ombro e me convidou, com um gesto, a seguir o grupo. Lá percebi que era um casamento e que me convidavam a fazer uma saúde aos noivos. Acabei por almoçar com eles, “conversando” com gestos e sorrisos porque muito poucos percebiam outra língua que não a sua. Foi uma experiência que não esquecerei.
(cont.)