Manuel Fragoso de Almeida
Tanto quanto me lembro, foi o primeiro pic-nic a que fomos sem os pais.
Os culturais, que aconteciam nos fins-de-semana em visitas a sítios históricos, para que aprendêssemos, vendo, o que nos tinham ensinado nas aulas teóricas da terceira e quarta classe, eram organizados pelos nossos pais e cumpriam a rigor horários já devidamente coordenados com os dos museus e monumentos.
Lembro-me sobretudo da visita a Évora, do frondoso sobreiro que nos acolheu para o almoço, e inevitavelmente da Capela dos Ossos, que ainda hoje guardo na memória, tal a surpresa do “ambiente”…
Aquele foi diferente. Tínhamos uns treze ou catorze anos, e acabáramos de ser admitidos no Grupo de Nisa, onde todos os outros eram mais velhos que nós. O Sérgio, na altura, já andava na Universidade tinha para aí uns 21 anos, e se bem me lembro a mais próxima de nós em idade era a Bebé, irmã dele, que tinha uns 15 anos.
Necessitávamos de fazer boa figura e julgo que terá sido por isso que a minha avó Gabriela nos ofereceu um galo para levarmos para o almoço. A questão começou exactamente nesse pormenor sem importância aparente… o galo, corpulento e bem alimentado, estava ainda vivo! Levá-lo foi fácil, porque a viagem foi de carroça até à quinta dos meus primos, e portanto lá foi ele sossegado no meio dos restantes mantimentos e por entre os pés dos viajantes.
O problema começa quando, lá chegados, no meio de toda a algazarra alguém se lembrou de fazer a pergunta óbvia: Bom, então quem é que sabe matar o galo, e prepará-lo para o assar no forno? A segunda parte da pergunta nem era muito difícil, porque aquela quinta acolhia-nos todos os anos para ajudarmos nas vindimas e portanto estava equipada para as refeições para todo o rancho daquelas lides. Mas… e matá-lo, quem é que sabia?
Lembro-me que avançámos três corajosos para tal magna tarefa. Já tínhamos visto fazer a “operação” por diversas vezes, na cozinha das casas dos nossos avós, e não deveria ser nada que alguma dificuldade tivesse.
Os primeiros momentos, que não vou descrever para não afectar os leitores mais sensíveis, até nem correram nada mal. Nem faltou o habitual alguidar para o aproveitamento do sangue, não fosse algum cozinheiro mais “sabedor” querer iniciar-se numa cabidela. O problema real nasceu quando o trio de intrépidos algozes, dando por findo o seu trabalho, resolveu largar o animal e ir lavar as mãos ao tanque… ainda o sabão azul passava de mão em mão, quando pela quinta ecoava o cantar do galo moribundo…
Não contente com isso, e para envergonhar em definitivo o trio de ignorantes ajudantes de cozinha, ensaiava alguns passos cambaleantes, de cabeça pendurada do pescoço e mantendo quase sem fôlego uns acordes do seu cantar altivo.
Valeu-nos a caseira que entretanto apareceu, e que pelo meio de alguns impropérios que não posso aqui reproduzir, lá finalizou o nosso trabalho e preparou o bicho para o almoço tardio daquele dia de Setembro.
Não me lembro de ter comido uma perna que fosse daquela ave…
Ainda hoje, aliás, sempre que recordamos cenas marcantes das férias de Setembro em Nisa, esta não escapa. Ficámos com a fama eterna de peritos em ajudantes de cozinha que é necessário não contratar!