Quarta-feira, 9 de Setembro de 2009

Sou sincera

Rita Ferro


 O meu neto levou-me ao Zoo!

 

 (Mara: roedor oriundo das pampas, residente no zoo de Lisboa desde 2001)

 

Fui mãe aos 21 anos, pelo que me considero uma avó nova – sei que é patético, mas deixem-me acreditar. Talvez por isso, tive a coragem de levar o meu neto Pedro, de 5 anos, ao Jardim Zoológico de Lisboa. Tenho outro chamado Vasco, de dois anos – obeso, estroina e sedutor mas tão intensamente feliz que rebenta comigo. Quando me ofereço para tomar conta desse com a intenção insofismável de lhe apertar os braços rechonchudos, com ganas antropófagas, ou afundar centenas de beijos ávidos naquelas bochechas suculentas, do meu sangue, à revelia dos seus protestos, chego a casa tão cansada como se tivesse esfregado, de joelhos, um piso inteiro do Hospital de Santa Maria. Quer tudo: roer-me o comando do carro, lamber o meu telemóvel de ecrã táctil, arrancar-me os colares, puxar-me os brincos até à mutilação medieval, enfiar os dedos gordos nas tomadas, depois de os chupar, abrir o caixote à cata de lixo orgânico, descolar com aplicação o sofisticado papel de parede da casa de jantar da minha filha. Como se não bastasse, está na fase de largar as fraldas, remetendo-me para essas humilhantes sessões de penico, com distracções catastróficas nos estofos dos sofás brancos ou, sadicamente, na roupa que acabei de vestir-lhe. Resultado: por uma questão de saúde mental, minha, ficou em casa.    

 

O Pedro é outra coisa: além de assustadoramente responsável, tem um léxico e uma gramática surpreendentes, uma auto-suficiência invejável e um sentido de justiça que tomara muitos magistrados. Se eu digo «Vês só mais este Ruca e depois giras para a cama», é principesco a honrar a negociação. É uma delícia estar com ele, a sós, apesar de ser um anti-fumador primário e de me perseguir com o civismo: «A avó deitou o cigarro pela janela», «A avó está a comer pastilha elástica de boca aberta», «Não grite com o mano, avó. Ele não é surdo.», deixando-me invariavelmente a balbuciar justificações idiotas e a sentir-me um cafre. 

 

Mas, voltando ao zoo, paguei cinquenta euros entre entradas, gelados, ice-tea e Mac-nuggets, mas vimos tudo: os camelos, os leões, os gorilas, as anacondas, os flamingos, os leões-marinhos, os rinocerontes, os hipopótamos, os crocodilos, as girafas e a tartaruga gigante - a qual, aviso já, é neurasténica, e até descobri uma espécie que não conhecia, os Mara, umas lebres da Patagónia com cara de burro e corpo de canguru, medonhas, que correm a 45 km à hora e são do tamanho de cães médios. Por fim, já com os pés a explodirem dos sapatos e a coluna a facturar-me juros, andámos de teleférico que, para grande surpresa minha, é de graça! À saída, moribunda mas recompensada por ter adubado o imaginário do meu neto, ouvi-o confirmar, enternecido com o meu contentamento: «Então, avó? Gostou?»

 

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publicado por Ana Vidal às 10:07
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36 comentários:
De José António Barreiros a 9 de Setembro de 2009
Fantástico, Rita! Falta só teres dito uma coisa. Poderias ter adiado o oferecimento, a eterna justificação dos que se ficam pelas boas intenções, a lógica do «prometo, um destes dias». Honraste o compromisso por te teres comprometido, fazendo-o na difícil incomodidade. É esta a beleza do gesto, sem que o Pedro o sonhasse. Gostámos, avó, muito! Um beijo grande do jab
De rita ferro a 9 de Setembro de 2009

E já prometi, um destes dias, levar o outro. Mas é dos que se enfiarão na jaula dos macacos, como o filho da Ana. E vamos que gosta e não quer sair, revivendo o Darwin, mas ao contrário? Fogo! Outro beijo para ti, Jab.

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