Luísa
Não vou esconder que há uma razão muito particular para a organização deste jantar. Não, não se trata de nenhum motivo fútil, como debater, com o convidado, assuntos da sua experiência política ou, sequer, do estado da nação. Para ser franca, julgo que já todos sabemos o que há a saber e até demais sobre semelhantes matérias. O exercício do poder em Portugal, posto ao serviço das abstracções e das intrigas que se tecem nos corredores dos ministérios e da administração pública (para além de alguns grandes interesses económicos), tornou-se um exercício oportunista e leviano, que vive de aparências, está desfasado da realidade e não é digno de merecer a nossa atenção. E se o tema é a cultura, um tema em si mesmo especialmente propenso a abstracções, a situação agrava-se. É sobejamente conhecido o apreço de que goza junto do actual executivo. E logo se adivinha a dimensão e a espessura do seu projecto no que toca ao desenvolvimento do nosso teatro, do nosso cinema, das nossas artes, dos nossos museus, do nosso património histórico e da nossa língua. Não, não vamos perder-nos em conversas ocas sobre temas vácuos. Vamos, sim, apurar a verdade sobre uma outra questão, também de aparência, mas bem mais palpável e de importância capital.
Passo a explicar: o nosso convidado foi meu professor de faculdade. Era, há trinta anos, um homem alto, jeitoso, bem lançado, os óculos introduzindo uma nota de intelectualidade no conjunto vivamente sensual, a melena solta acrescentando uma nota de rebeldia no conjunto atraentemente clássico. Era, na altura, um belíssimo exemplar da espécie humana, no género viril, e o absentismo feminino às suas aulas batia recordes de insignificância. Pois trinta anos passaram e eis que o reencontro no pequeno ecrã. Ele ali está, agora sexagenário… mas das três décadas passadas, nem rasto. Vejo apenas o mesmo homem alto, jeitoso, bem lançado, os óculos introduzindo uma nota de intelectualidade no conjunto vivamente sensual, a melena solta acrescentando uma nota de rebeldia no conjunto atraentemente clássico. Estreito os olhos, procuro, em vão, uma ruga naquela pele esticada, julgo entrever um triste cabelo branco perdido nas loiras madeixas das têmporas… Mas não estou certa de nada! Tudo me custa a crer!
Assumo então a absoluta prioridade de desvendar o mistério da extraordinária resistência da criatura à implacável devastação do tempo. Porque as hipóteses que imediatamente me ocorrem, de conservação pelo frio do seu desapaixonado calculismo ou pelo calor da sua vaidade, não me convencem. O mundo prodigaliza-nos exemplos de calculistas chocantemente encanecidos e vaidosos duramente «pergaminhados».
Proponho, portanto, que, neste serão de Domingo, nos empenhemos todos em extorquir ao nosso convidado o segredo da sua eterna juventude. E porque nenhuma ementa da minha humilde lavra pode pagar o preço de um tal segredo, proponho ainda que, se conseguirmos extorqui-lo, organizemos uma «quête» e partamos daqui rumo ao «elBulli», a celebrar, com os melhores petiscos e vinhos do planeta, o risonho futuro que, de repente, nos escancara os braços. Vamos a isso?