Luísa
O nosso convidado não está magro. É, visivelmente, um «gourmet» que não despreza o factor quantidade. A idade já desaconselha, porém, certos excessos, pelo que vamos propor-lhe, para começar, uma canja ligeira de ostras e cherne, perfumada com sumo de limão, cebolinho e um fio de azeite. E saboreando a canja, falaremos do seu passado, da sua fulgurante entrada no «showbiz» e da revolução que protagonizou nas nossas tradições de espectáculo humorístico, até então dirigido, com todo o respeito e uma levíssima pitada de pimenta, à alma sossegada, familiar e inocente do português formado na escola dos brandos costumes. Recordaremos, nostalgicamente, as suas experiências de imenso sucesso no pequeno ecrã, o seu estilo popular, brejeiro, sarcástico e implacável na recriação e ridicularização de tipos sociais e de personalidades políticas, e as gargalhadas que nos proporcionou (omitindo, sensatamente, referências ao «crescendo» de ousadia que, a páginas tantas, cerrou as taxas em muitas bocas, nalguns casos chocadas com o nível de heterodoxia, noutros, críticas de certos pecadilhos de mau gosto).
Ao som do inesquecível sucesso musical «Saca o Saca-Rolhas», sacaremos, entretanto, a rolha de um tinto Quinta da Garrida, reserva 2005, de «aroma vibrante e em permanente alvoroço», com que regaremos um peito de peru preto afiambrado com trufas, a sua conhecida fraqueza gastronómica. E discutiremos então o presente, os motivos porque parece ter perdido a simpatia dos vários canais televisivos, mesmo se a sua presença ainda consegue mobilizar notáveis audiências. Talvez reflictamos nos efeitos que a associação do seu nome a uns casos controversos, que emocionaram negativamente a opinião pública, pode ter tido num discreto afastamento, implicando agora que comece de novo e quase do zero. Ou talvez meditemos apenas sobre o nosso sentido de humor, tão volátil, tão contingente, tão susceptível, tão atreito a cansaços, tão exigente de inovação e de imprevisto.
Fecharemos o repasto com uns charutos de ananás com «mousse» de chocolate, acompanhados de uma tisana de champanhe gelado. E faremos brindes a um futuro que arranque das sombras de um panorama humorístico bastante empalidecido por receitas menos originais ou mais gastas e actores menos humildes ou mais pretensiosos, o criador do imortal Tony Silva, grande impulsionador, no hemisfério «latino-romântico», de «toda a música ró». É verdade que o nosso convidado tem defeitos como todos nós. E pinta ostensivamente a cabeleira de um amarelo que bordeja o escândalo. Mas julgamo-lo honesto e livre; um bom estratega, em suma, para o restrito mas bravíssimo exército dos que marcham ao som da exortação queiroziana: «Vamos rir, pois. O riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é uma salvação. E em política constitucional, pelo menos, o riso é uma opinião.»