Não espero grande afluência a este jantar. Na verdade, conto que sejamos dois, ele e eu. Desde logo, porque a canícula promete convocar aos areais e às esplanadas um povo sedento do seu esquivo Sol, e retê-lo em «outdoors» até horas tardias. Depois, porque julgo que a nossa anfitriã tem outros compromissos inadiáveis, e delega em mim a empreitada. Finalmente, porque o convidado, não desprovido de competência profissional, exerce a actividade numa área que é pouco popular e pouco concorrida, e – sabemo-lo agora - pouquíssimo interessante para quem gere os destinos do país. Refiro-me à negligenciada «Cultura» e ao pobre teatro nacionais. O convidado, um discreto trintão de origem angolana, barba rija e olho cândido, tem revelado, ao que consta, potencialidades em palco. Mas é sabido que os palcos sérios não transportam a alma revisteira do português contemporâneo. Parece que tem tido, igualmente, boa participação no cinema. Mas sobre cinema, não haverá conversa que não seque na aridez ou na transcendência dos enredos, na pobreza dos meios técnicos ou na proverbial falta de ritmo. Pessoalmente, posso testemunhar uma prestação positiva no pequeno ecrã, quer nuns apontamentos publicitários, quer numa série apresentada como o maior empreendimento de sempre da nossa televisão. Mas também aqui, há notas de ridículo que tendem a obnubilar a qualidade do seu desempenho no papel de herói. Assim sendo, falamos de quê? De mexerico? O convidado tem todo o ar de lhe ser alérgico… Este jantar - confesso-o tristemente aos nossos habituais convivas - será um mero cumprir de agenda. Não alterem, por isso, os vossos planos, nem se apressem a abandonar as praias. Eu me encarregarei de levar o barco a bom porto.
E uma vez que vou estar sozinha, em «tête-à-tête», tentarei que a ementa e o arranjo da mesa permitam superar os vazios que antevejo. Tenho orçamentada uma refeição simples, sem luxos e à luz do par de velas que a poupança de energia recomenda. A entrada será de camarão (do congelado) salteado sobre puré de mandioca e guarnecido com uma humilde folhinha de hortelã da ribeira. O prato principal, um trivial bacalhau fresco, corado sobre batata-doce, com vinagreta de frutos secos. A sobremesa, uns sonhos de abóbora sem pretensões, perfumados com infusão de laranja e anis. E a acompanhar o conjunto, um vinho branco qualquer, talvez o alentejano Conventual Reserva 2007, que parece cumprir os requisitos: serve-se fresco, muito fresco, aquecendo, não obstante, o corpo; é terno, sedoso e alegre na boca (não opondo obstáculos de acidez ao consumo abundante que a atmosfera impõe); tem um final brioso e em claro ascendente; e apresenta boa estrutura e melhor persistência. Tudo indica que consiga aliviar as tensões do serão, aqui na Porta, e me aliene docemente dos problemas do mundo… Embora espere conseguir lembrar-me amanhã do que fizer hoje!...