Palavras para quê, minha querida Rita? O futebol, se não é - felizmente - responsável pela morte de muitos corpos, é-o pela «morte» de uma infinidade de espíritos. O que se torna particularmente patente em certos Domingos à tarde nas melhores casas de família. ;-D P.S.: O filme é extraordinário, ao fazer o paralelo da evolução dos factos e emoções no estádio com a situação de confronto entre os soldados.
Hoje em dia considero saudáveis todas as formas de evasão que nos aliviem da angústia e da pressão e do complexo de culpa que os noticiários, e a brutalidade da vida de hoje, nos incutem diariamente, fragilizando-nos ou vulnerabilizando-nos ou mesmo incapacitando-nos. Uns vêem novelas, outros filmes, outros futebol. O risco é o de as pessoas não terem outro alimento se não o das massas, correndo o risco de se tornarem clones umas das outras, por fazerem todos a mesma dieta de emoções, sejam elas boas ou más. É a isto a que se refere, Luísa? Ao perigo de «desinvidualidade»?
Esclareço desde já, Rita, que sou grande apreciadora de bom futebol e até admito alguma simpatia «leonina». Mas acho que a atitude do não-perder-um-desafio-por-nada-deste-mundo, relativamente comum, só pode significar uma de duas coisas: ou assanhado fervor clubista (perigoso!), ou desinteresse por tudo o que sobra para além das interacções de vinte e duas pernas com um esférico (triste…). Também tenho imenso medo das evasões e das alienações colectivas, que jogam nos tais fervores clubistas, bairristas e congéneres e no exacerbamento das emoções. Acabam por desencadear processos (que incluem essa «desindividualização» de que fala), que são, na essência, os que subjazem aos mais violentos conflitos humanos. (Daí o interessante «paralelo» entre os momentos do jogo que se relata no transístor e os momentos do confronto entre os quatro soldados).