Quinta-feira, 21 de Maio de 2009

Semibreves

Ana Vidal

 

 

Matriz

 

Nascem predestinadas, portadoras de um gene que as domina toda a vida: o do embalo. Por isso têm macia e lisa a pele dos braços e do colo, quente aconchego que cedo aprendem a oferecer. Embalam bonecas e bichos, mães extremosas de palmo e meio, que afinam gestos futuros e marcam  territórios de conforto e protecção. Embalam irmãos, primos e companheiros de brincadeiras, quando lhes secam, com beijos e sorrisos, as lágrimas de uma injustiça ou de um desaire. Embalam sonhos românticos, adolescendo na certeza de que haverá um mundo perfeito à sua espera, feito de perfeitas metades que se unirão por artes de magia. E quando o mundo se lhes revela sem máscaras, embalam a desilusão e seguem em frente. Embalam os seus homens, uma vida inteira - frágeis botes enfrentando intempéries - e fazem-se portos seguros, acolhendo exauridos náufragos  ou heróis vitoriosos, esquecidas das suas próprias viagens. Embalam os filhos, ai, como embalam os filhos, para sempre! Embalam amigas, patrões, colegas e vizinhos, a menina da caixa do supermercado, a manicura ou o merceeiro viúvo que mal conhecem, só porque estão com ar de quem precisa de desabafar. Embalam netos e, neles, de novo os filhos, retomando um ciclo nunca quebrado, nunca traído. Embalam, finalmente, todos os amores vividos, as promessas antigas, os planos adiados, juntam-lhes memórias de tempos felizes e de tudo fazem uma manta quente, com que agasalham os dias de solidão. Embalam saudades. Embalam a vida. Embalam o mundo.

 

Todas as mulheres são mães. Mesmo as que nunca o foram. Mesmo as que nunca o serão.

 

(para a minha mãe, que há exactamente dois anos se cansou de embalar o mundo inteiro)

 

Etiquetas:
publicado por Ana Vidal às 07:30
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58 comentários:
De ritz_on_the_rocks a 21 de Maio de 2009
... Ginja ...

... Ginja ...

... Ginja ...

... Ginja ...


... e nos teus braços me deixo embalar ,
...
também ...

... que bonito 'post' mesmo que não concorde com o final ...

bj

Rita V
De Ana Vidal a 21 de Maio de 2009
Diz lá porquê, Ginja... conheces alguma mulher que não seja "mãe", por natureza? De alguém, de qualquer ser, pessoa ou animal? Eu não conheço nenhuma.

beijos
De ritz_on_the_rocks a 21 de Maio de 2009
Ginja, querida

Olha, ... pela primeira vez hesitei. Sei que não tenho o dom da palavra, apesar de lá me
ir safando com uma ou outra palhaçada...

:-)

por isso ... ainda pensei guardar para mim a resposta à tua pergunta.

Mas como não me parece que estejas a falar só sobre o conceito de mãe... aqui vai >

- Na minha prática diária, ... um dos meus heterónimos ( risos) é terapeuta ... e tenho visto muitos filhos sem mãe!

Gostei do teu texto ... muito ...!
Até porque me permite imaginar, sentir a mãe (s) que existe em ti.

( silêncio)

Sorte afinal para aqueles que são ' Filhos da Mãe'

...

bjinho

Ginja
De Ana Vidal a 21 de Maio de 2009
Mas é claro que há muitos filhos sem mãe, Ginja. O instinto maternal nem sempre é canalizado para eles... e não, não estou a falar só do conceito tradicional de "mãe".

E aqui podes sempre dizer o que te apetecer, sem hesitações! :-)

Beijos

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