José António Barreiros
O empate contínuo
Há um homem sentado a uma mesa que joga contra a probabilidade de ganhar. Anula-se em cada momento, ultrapassa-se em todos os lances. A vida é para si, na lógica do xadrez, a oportunidade do sucesso. Um dia defronta um temível adversário, aquele que lhe conhece os secretos pensamentos, o que adivinha o momento seguinte àquele instante em que ambos estão. Sozinho na reclusão de uma prisão, resto de uma vida sem companhia, produto de um sentimento sem motivo, esse homem, síntese de todos os homens, exemplo de tantos homens, decide jogar contra si. Como num efeito de espelho, projecta-se e observa-se, estuda-se e atreve-se. No egoísmo da sua acção devota-se a caçar o ilusório companheiro, devorando-lhe, uma a uma, todas as partes do seu vício. Há um homem pervertido pela posse, possuído pelo desejo de ter. Num dia aziago, o demónio da má fortuna perde-o no infinito tempo, derrota-o no definitivo espaço. Aprendi com ele: não jogues contra ti, perdes sempre quando ganhas.