Luísa
O convite está feito. E embora conste que não aceitou o outro, aguardamos, a todo o momento, confirmação de que acedeu ao nosso e já se encontra neste jardinzinho à beira-mar plantado para vir jantar connosco. É certo que, a nós, não nos move a política. Não partilhamos, com o convidado, nem a visão do mundo, nem os interesses comerciais sobre esse pequeno milagre da tecnologia informática que, não tendo ainda circum-navegado o planeta, promete restituir a Portugal a glória dos tempos de inovação e descoberta de quinhentos. Não, o que nos move são razões mais comezinhas… Mas não resistimos a conhecer a personagem, sensíveis ao charme peculiar do contraste da cara abolachada, de vincados traços indígenas, ressumando a candura popular, com o tónus vigoroso, o vernáculo imperativo e irreverente - que alguns qualificam, com soberba complacência, de exótico -, a fidelidade a um ideário e a um programa datados, mas não menos actuais no quadro das modernas causas fracturantes, e o simbolismo romântico da camisa encarnada, desfraldada aos ventos do progresso. E porque um homem é ainda e sempre a sua circunstância – e porque somos mulheres! – não negamos, também, alguma permeabilidade à sedução de um poder meio absoluto e agora meio eterno, que, se não está bem legitimado, está, pelo menos, bem financiado.
O nosso receio é que, nos transportes da sua costela latina, a criatura irrompa na habitual verborreia. Ou, pior ainda, que algum impaciente o mande, de novo, calar. Optámos, portanto, por uma ementa de tipo «rolha», que lhe não dê descanso aos dentes; uma espécie de «menu-degustacion», de sabores genuinamente portugueses, que não deixará, decerto, de apreciar. Faremos assim desfilar na mesa, sob os vapores do portento de complexidade e persistência que é o Dupla, tinto Bacalhôa, colheita de 2006, uma série de variações em torno do nosso tradicional porco preto. Arrancamos com uma salada de orelha de porco fumado, com redução de balsâmico. Seguimos com uma terrina de porco com tártaro de maçã, umas bochechas de porco confitadas, umas burras de porco de forno em vinagreta, um joelho de porco glazeado em mel e uma perna de porco em crosta de especiarias, não esquecendo as incontornáveis alheiras transmontanas e os imprescindíveis rojões à minhota. E para sobremesa - e ainda com a presença suína discretamente corporizada no gordo do bom presunto de Chaves - propomos o celebérrimo pudim de toucinho Abade de Priscos. A empreitada é de vulto, sabemo-lo. Mas garantimos um jantar rico, substancial e trabalhado com todo o esmero… não duvidando, embora, de que o melhor «prato» será esse que vai sentar-se à direita da nossa anfitriã…