Segunda-feira, 9 de Junho de 2008

Juan José Arreola


LIBERDADE 

 

«Acabo de proclamar a independência dos meus actos. À cerimônia compareceram apenas alguns desejos insatisfeitos, duas ou três atitudes condenáveis. Um propósito nobilitante, que prometera aparecer, enviou à última hora a sua escusa humilde. A cena transcorreu num silêncio pavoroso.

 

Creio que o erro esteve na proclamação ruidosa: trombetas e sinos, foguetes e tambores. E, para culminar, uma engenhosa queima de moral pirotécnica, que não chegou a arder de todo.

 

No final das contas, achei-me sozinho comigo mesmo. Despojado de todos os atributos de caudilho, os confins da noite encontraram-me empenhado na simples tarefa de escritório. Com os últimos restos de heroísmo, atirei-me à penosa incumbência de redigir os artigos de uma extensa Constituição, que amanhã submeterei à assembleia-geral. O trabalho divertiu-me um pouco, apagando do meu espírito a triste impressão do fracasso.

 

Leves e insidiosos pensamentos de rebeldia voam como mariposas noturnas em volta da lâmpada, enquanto sobre os escombros de minha prosa jurídica passa, de quando em vez, um tênue sopro da Marselhesa.» 

 

Quem escreve assim é Juan José Arreola, um escritor mexicano de quem eu nunca tinha lido nada. Mea culpa. Mas fui salva da ignorância pela erudição, sempre generosamente partilhada, da minha amiga Meg. Este texto subjugou-me à primeira linha, e, na próxima ida à feira do livro (na 3a feira não escapa, espero) vou procurar obras dele. Pela Meg fico a saber que Arreola  foi "amigo e interlocutor de Jorge Luis Borges. Da mesma geração que Juan Rulfo, foi um  renovador da literatura não só mexicana, mas de toda a literatura da America Latina. "      

 

Deixo-vos ainda duas outras pérolas de Arreola, especialista em micro-narrativas:   

        

"Dois pontos que se atraem não têm por que seguir forçosamente uma linha recta. Sem dúvida, é o caminho mais curto. Há, no entanto, os que preferem o infinito." 

 

"Sou um Adão que sonha no paraíso, mas acordo sempre com as costelas intactas."

 

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publicado por Ana Vidal às 02:36
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8 comentários:
De Pedro Barbosa Pinto a 9 de Junho de 2008

Companheiro Arreola, muito pior que acordares sempre com as costelas intactas, seria acordares com uma partida e um estivador ao teu lado a fumar um cigarrito.

De Ana Vidal a 9 de Junho de 2008
"Mais vale só do que mal acompanhado"?
Não sei, Pedro, esse conceito é sempre muito relativo. O de "mal acompanhado", claro.
De Pedro Barbosa Pinto a 9 de Junho de 2008
Se mais vale só do que mal acompanhado, definitivamente sim Ana. Já relativamente a companhias, que cada um escolha as que mais lhe agradarem.
Da frase do Arreola, colocada assim e sem mais, depreendi que ele gostaria de acordar abraçado a uma Eva e não agarrado a uma cobra, mas claro que posso estar enganado. E convenhamos que uma costela partida não é agradável.
De Ana Vidal a 9 de Junho de 2008
Concordo, claro. O que eu digo é que o "mal acompanhado" é um conceito variável. Entre Evas e Adões cada um tem as suas preferências, nem sempre as mais óbvias. E nem sempre, também, se sai dessas escolhas com as costelas inteiras...
:)

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