Marie Tourvel
(Para ler este pocket ouça a música. Não tem nada a ver, mas tem tudo a ver. Eu amo Nabokov, eu amo os Kinks, então... ouça, cante e não reclame).
Lola, The Kinks
Conversava eu noutro dia com um homem muito inteligente, muito culto, desses que sabem ler e escrever direito, que não são idiotas, sabe? e ele perguntou-me qual seria meu pocket da próxima terça. Eu disse: “Lolita, Lo, Dolores...” Ele respondeu: “Mas Lolita já é considerado um clássico da literatura?” Fiquei pensando por uns segundos e respondi: “Pra mim é”. E basta. Demorei algum tempo para tascar o pocket de Lolita depois de minha conversa, pensando no que o rapaz culto me perguntou. Sou insegura mesmo. Demoro a decidir. Vladimir Nabokov é clássico da literatura e é bom de entrevista. Aliás, as maiores delícias de Nabokov estão em suas entrevistas concedidas. Vamos ao resumo, bilionário:
Humbert Humbert é um tiozão europeu que vai morar nos Estados Unidos. Mora na casa de uma tiazona que tem uma filhinha de 12 anos, Dolores, Lo, Lola, Lolita, Lo-li-ta, Lo.li.ta.O tiozão casa-se com a tiazona, mas está de olho mesmo é na filhinha dela que é uma fofa. Pro tiozão, uma gostosa. Já sabe a merda que vai dar, né?
Sei que você, bilionário, está pensando na nefasta e nojenta pedofilia. Muitas editoras recusaram-se publicar o livro na época em que ele foi escrito. Mas Nabokov é tão elegante, esteta que é impossível não se deleitar com a obra. Leia este trecho:
"Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita. Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial. Num principado à beira-mar. Quando foi isso? Cerca de tantos anos antes de Lolita haver nascido quantos eu tinha naquele verão. Ninguém melhor do que um assassino para exibir um estilo floreado. Senhoras e senhores membros do júri, o item número um da acusação é aquilo que invejavam os serafins - os desinformados e simplórios serafins de nobres asas. Vejam este emaranhado de espinhos." (Tradução de Jório Dauster, Cia das Letras – Obrigada, Janaína Leite, do Arrastão. Foi onde peguei o trecho traduzido).
Você pode decorar o trecho e repetir aos intelequituais da rodinha. Fica bonito, garanto. Lembra-se do Joyce? Do James Joyce? Sim, aquele do Ulisses. Então, saiba que os leitores de Nabokov são semelhantes aos leitores de Joyce, mas Nabokov, embora admirasse o irlandês, tinha uma certa rivalidade com ele. Chegou a chamar o livro de Joyce “Finnegans Wake” de “Punnegans Wake”. Eu gosto de Joyce, mas o Punn... quer dizer, o Finnegans é de doer mesmo. Não tenha medo de falar isso na rodinha, ninguém vai execrá-lo tanto assim. As grandes diferenças entre o dois –e isto você pode falar de boca cheia, eram no estilo e na concepção de literatura. Enquanto Joyce nos faz viajar pela palavra, Nabokov também nos faz viajar pela imagem. Para Nabokov a linguagem não deve se sobrepor à narrativa. Bem, pode citar tudo isso, mas não esqueça de citar que a diferença de idade entre os amantes representa também a velha Europa e a nova América. A alta cultura e a cultura de massas. É um livro que por mais que o tempo passe, mantém a perturbação, a comoção e o frescor. É isso aí, bilionário. Tudo o que eu disser sobre o romance Lolita fica raso. Ouça o que Nabokov tem a dizer. Ele sim é do balacobaco: