Luísa
Adivinhe quem vem jantar?
Tencionamos arrancar com uma sopa que lhe mate as saudades dos bons velhos tempos no Novo Mundo, uma «corn chowder» de milho verde e bacon, que colocaremos na mesa com o primeiro tema de discussão: o que é o bom jornalismo? A nossa dúvida é saber se há um conceito único - a prestação serena e factual comummente associada a uma BBC - ou se, pelo contrário, há conceitos diversos, ajustáveis às circunstâncias, que não desprezam a modalidade opinativa e acusatória, tida por impertinente, quando o clima político é ou tem tiques autoritários, desrespeita as independências institucionais e menospreza as oposições. Quase adivinhamos a resposta do nosso convidado. Trata-se de um profissional batido, com um currículo que inclui vivências internacionais e contactos - alguns complexos e traumatizantes - com vários tipos de censura, e que tem dado voz aos seus pontos de vista, num tom delicado, mas desassombrado, e não raro contundente no registo escrito. O seu estilo pessoal não é anglo-saxónico, mesmo se a sua formação deve muito a uns anos de trabalho nos States.
Com o prato principal, um típico «yankee meat loaf», acompanhado de «fried green tomatoes» e regado com um bom «rosé» californiano, entramos na conspiração. E pensamos propor a debate as nossas suspeitas de que, neste momento de cizânia nacional – casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão – o poder procura confundir-nos ainda mais, lançando as culpas da desgraça (entre as quais disfarça as suas próprias incompetências e pecadilhos privados) no saco sem fundo da «crise» e nos já carregados alforges da Justiça e da Comunicação Social. Quase adivinhamos a posição do nosso convidado. Trata-se de um homem sensato e sensível, os óculos de lentes grossas asseguram-lhe uma boa visão das coisas, e se certas provações do passado o «vulnerabilizam» a pressões, tem feito um esforço notável para reagir e manter a dignidade do distanciamento. Enxofrou, com isso, a governação, que passou a exigir-lhe um tratamento cerimonioso ridículo e limites ao interrogatório, antes de se furtar, definitivamente, ao seu espaço noticioso. Acreditamos que, actualmente, partilha as nossas suspeitas.
Contamos, portanto, ter, na altura da sobremesa - um «brownie» em calda de frutos vermelhos - razoavelmente aprofundados os mistérios que assolam o nosso presente político, incluindo os casos policiais das corrupções e das chantagens. E não deixaremos, naturalmente, de retribuir a confiança do nosso convidado com a surpresa de um desses momentos poéticos, emotivos, sublimes, tão da sua predilecção. Entre nós, programamos a declamação, pela nossa anfitriã, destas dramáticas rimas de autor anónimo:
Jornalistas portugueses:
Sabeis bem como é verdade
Qu’ este país adiado
Preza pouco a liberdade.
Pois, ó bravos jornalistas,
Defendei-nos do grilhão,
E rasgai, em altos brados,
As teias do vil «centrão».
……
Espero que as lágrimas não me salguem o café.