Ana Vidal
Matriz
Nascem predestinadas, portadoras de um gene que as domina toda a vida: o do embalo. Por isso têm macia e lisa a pele dos braços e do colo, quente aconchego que cedo aprendem a oferecer. Embalam bonecas e bichos, mães extremosas de palmo e meio, que afinam gestos futuros e marcam territórios de conforto e protecção. Embalam irmãos, primos e companheiros de brincadeiras, quando lhes secam, com beijos e sorrisos, as lágrimas de uma injustiça ou de um desaire. Embalam sonhos românticos, adolescendo na certeza de que haverá um mundo perfeito à sua espera, feito de perfeitas metades que se unirão por artes de magia. E quando o mundo se lhes revela sem máscaras, embalam a desilusão e seguem em frente. Embalam os seus homens, uma vida inteira - frágeis botes enfrentando intempéries - e fazem-se portos seguros, acolhendo exauridos náufragos ou heróis vitoriosos, esquecidas das suas próprias viagens. Embalam os filhos, ai, como embalam os filhos, para sempre! Embalam amigas, patrões, colegas e vizinhos, a menina da caixa do supermercado, a manicura ou o merceeiro viúvo que mal conhecem, só porque estão com ar de quem precisa de desabafar. Embalam netos e, neles, de novo os filhos, retomando um ciclo nunca quebrado, nunca traído. Embalam, finalmente, todos os amores vividos, as promessas antigas, os planos adiados, juntam-lhes memórias de tempos felizes e de tudo fazem uma manta quente, com que agasalham os dias de solidão. Embalam saudades. Embalam a vida. Embalam o mundo.
Todas as mulheres são mães. Mesmo as que nunca o foram. Mesmo as que nunca o serão.
(para a minha mãe, que há exactamente dois anos se cansou de embalar o mundo inteiro)
Concordo absolutamente: não há amor sem altruísmo. Mas isso não significa que todas as entregas amorosas (com feromonas ou não, mas ainda mais nesse caso) excluam o egoísmo, nem que os ganhos esperados sejam só a satisfação do bem reproduzido. O espírito humano pode ser definido por cálculos matemáticos, mas está muito longe da perfeição. A prática do amor altruísta é uma longa aprendizagem, Ulisses, e muitas vezes uma batalha perdida... sobretudo quando ainda impera a paixão. :-)
Grande escolha musical, e na mouche!
De ulisses a 21 de Maio de 2009
Tudo na vida é aprendizagem e, nessa medida, acho que nada se perde ["Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma." - Lavoisier :-)]
Quanto à paixão, isso agora era outra conversa... :-)
Não é outra conversa, Ulisses. É uma parte desta... :-)
De ulisses a 22 de Maio de 2009
Sim, tem razão, é uma parte, mas é como na cozinha, o resultado do prato depende da quantidade dos ingredientes e até hoje a receita permanece um mistério ... :-)
Mas entendo o que quer dizer, e concordo que existe uma tendência inata nas mulheres para tomar conta de tudo, reforçada por milénios de divisão de tarefas. Isso explica, aliás, o domínio que hoje já têm nas actividades que implicam competências sociais. Há que conhecer os limites, é uma questão de disciplina. Equilíbrio e disciplina são fundamentais em tudo. Autodisciplina, sobretudo. Exige tempo, mas aprende-se. Como tudo :-)
Ora, como na culinária há que ir provando sempre, rectificando os temperos, tapando ou destapando o cozinhado. E com o tempo vai-se acertando no ponto e no sabor, mas não há outra forma de aprender que não seja a de queimar alguns tachos pelo caminho... :-)
De ulisses a 22 de Maio de 2009
Mulher sábia!
Absolutamente de acordo :-)
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