Dispa-se primeiro, atentamente, toda a desatenção. Não é indiferente que se dispa a indiferença, logo depois. A seguir, ainda que seja a medo, dispa-se os medos que os anos costuraram até formar uma capa pesada, sufocante. Defenda-se o espírito de todas as defesas. Desmascare-se cada máscara, cada disfarce. Desproteja-se o corpo da ilusória protecção das cicatrizes. Da guarda armada das cautelas, guarde-se distância. Liberte-se a alma dos desalmados pesos que a vestiam. Lance-se ao vento, desfeitos, velhos preitos e preceitos. Limpe-se os olhos de brumas e de escolhos, os ouvidos de ruídos, a boca de palavras ocas. Dispa-se dos gestos as gestas do passado. Dispa-se da última derme o verme da vaidade. Por fim, dispa-se depressa a pressa, que é preciso saber esperar. E só então, vestindo devagar uma nudez total, se pode receber uma lua inesperada.
(Imagem - René Magritte)
De Rita a 14 de Maio de 2009
«Dispa-se depressa a pressa» é de longe o melhor paradoxo, parabéns!
É quase o único paradoxo, Rita. Mas este texto é um jogo de palavras e de sons, não pretende ser mais do que isso. Obrigada, anyway.
De Rita a 14 de Maio de 2009
Não pretende, mas é!
Gostavas, talvez, mas és incapaz de fazer coisas literais....
De ulisses a 14 de Maio de 2009
Não pretende ser mas é. Absolutamente de acordo. Parabéns!
Obrigada, Ulisses. Vindo de um clássico, o elogio é de respeito. :-)
De ulisses a 14 de Maio de 2009
Touché! :-))))
De
mike a 14 de Maio de 2009
Pois é. Gostava mas não é capaz.
Antes que te prepares... não quero discutir contigo. ;)
Gostei de te ler. :)
Nem eu... hoje estou muito branda. ;-)
(mas avisa quando eu tiver de pôr a mão na anca...)
De
CNS a 14 de Maio de 2009
São por vezes pesadas estas roupas com que teimamos vestir-nos...
Gostei imenso, Ana!
E tão inúteis, e tão paralisantes... acabamos a defender-nos de moinhos de vento, não é? E perdemos quase tudo o que vale a pena, com tantos muros que erguemos à nossa volta.
Beijo, Cristina.
... Dji..mais....
adorei
bjs
Beijos para ti também, Ritz. :-)
De Manecas a 14 de Maio de 2009
...e só então daremos conta, que somos sobretudo a relação...
Um beijinho
... e só então lhe fazemos justiça, e só então a merecemos...
Outro, Manecas.
De Manuel Teixeira a 14 de Maio de 2009
Nice one, Ana.
(Foi escrito num dia Verão, não foi ?)
Thanks, my friend.
Todos os dias são de Verão, Manel, se estiveres nu...
:-)
De leitor saudoso a 14 de Maio de 2009
Belíssimo texto, que não se esgota no jogo fonético evidente. Saúdo o regresso destas micro prosas poéticas sobre os quadros de Magritte , sempre inspiradas e de elevada qualidade. Já lhes sentia a falta!
Cara Ana, não nos prive tanto tempo da sua escrita profunda, desafiante e rica. Este blog não pode passar sem a sua marca de excelência. Dispa a preguiça, está bem?
Abraço
Vou tentar despir a preguiça, e obrigada pelas palavras simpáticas. Não exagere, estou enferrujada e este é só um exercício de aquecimento. Mas valeu pelo regresso à escrita, de que ando a fugir há algum tempo. Porquê? Não faço ideia, são fases...
Abraço, caro leitor saudoso que não conheço. O seu comentário já me deu vontade de voltar, acredite. Obrigada por isso.
De leitor saudoso a 14 de Maio de 2009
Fico contente. E não exagero nem um pouco quando digo que os seus textos são de altíssima qualidade. Fico à espera de mais, valeu?
De Manecas a 14 de Maio de 2009
...Até porque sendo um exercício de aquecimento, segue-se necessariamente um texto arrebatador por certo...
Tinha de meter a colher...!
beijinhos querida amiga fam...pronto eu não digo o resto...!!!
deixa-te disso, ó cér... pronto, já me calei! ;-)
Ana, já tinha falta dos seus textos. Saem sempre com o luar e o mar no horizonte a "espevita" ... Gostei de ler. :)
Obrigada, GJ. O mar no horizonte é quase um cenário obrigatório, tem razão. E as luas inesperadas acontecem, basta estarmos atentos... gosto de surpresas, eu. ;-)
Um beijo
...e teremos a leveza como o melhor dos sustentáculos, Ana.
É isso mesmo, Cristina: sem pesos e de peito aberto. :-)
De Luísa a 15 de Maio de 2009
Tem razão, Ana, são demasiadas as coisas (vaidades, preconceitos, ambições, medos…) que nos impedem de viver a vida plenamente ou, pelo menos, de gozar muito do que tem de bom para nos oferecer. Uma delas, aliás, poderá ser, desde logo, a inibição no despir (literal e figuradamente). :-)
P.S.: Junto as minhas palavras às do Leitor Saudoso, quer às das 11:02, quer às das 18:19. E às do Manecas também: se foi só um «exercício de aquecimento», vamos ter vendavais a sair por esta Porta. ;-)
E eu agradeço-vos as mais que generosas palavras, embora fique preocupada com as vossas expectativas. É que ando em maré de brisas frescas e doces, e por isso as ventanias não são de esperar nos próximos tempos (diz a minha meteorologia interior)... ;-)
De Manecas a 15 de Maio de 2009
...mantenho a esperança...!
A tua poesia é mais de brisa suave a das acalmias das marés...!
Teremos seguramente um flor em Maio!
Beijos!
Nem sempre, Manecas. Em época de monções, não queiras aparecer por perto... :-)
beijo
É (quase) um poema de vida ou como começar de novo arrumando tudo o que está para trás, mas não ficou lá... Como tentar regressar ao ventre materno e de lá sair limpinho para a vida. Como reprogramarmo-nos sem reprogramar a nossa esência. Começar de novo What else?
Gosto
Na essência não se toca, tem toda a razão. E é bom que fiquem algumas lições de vida, para não termos de aprender tudo outra vez. O resto é que podemos e devemos despir, porque só nos trava os gestos. É bom fazermos este exercício de "limpeza", e é ainda melhor termos uma razão para isso!
Começar de novo, right.
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