Marie Tourvel
Repita comigo, bilionário: Swift era um cara batuta. Com suas digressões em “Gulliver” nos mostrou tudo sobre a natureza humana. De forma bem humorada e mordaz. Os intelequituais geralmente citam Swift e será pegadinha em cima de pegadinha para você dizer que é uma obra infantil. Não caia nessa, está bem? Vou lhe explicar logo adiante, após meu resuminho:
Lemuel Gulliver é um cirurgião naval que após um naufrágio vai parar em lugares muito loucos, mas muito reais. Curioso, depara-se com pequeninos, vendo-se um gigante em Liliput. Vê-se pequenino na terra de gigantes Brobdignag. Em Laputa vê os habitantes ocuparem-se de complôs e conspirações enquanto o país se esfarela e os sábios obcecados por matemática, astronomia e música. E finalmente encontra os Houyhnhms e os Yahoos. Os primeiros são cavalos racionais que governam o próprio país e os segundos os comandados seres humanos bestiais.
Ok, bilionário, eu sei que parece uma inocente historinha infantil e que você vai pensar em dar para o seu filho menor ler. Dê. Ele vai gostar. E se seu rebento tiver um neurônio a mais perceberá outras coisas inseridas na obra. Vamos aos intelequituais que é deles que você quer tirar uma onda. Diga logo de cara que Gulliver é um delicioso romance que critica e, acima de tudo, satiriza não apenas a sociedade dos homens, mas a natureza humana. Vale dizer que é mais atual do que nunca. Diga que Gulliver tinha uma confiança inabalável na superioridade dos ingleses e que isto se quebrou quando se deparou com várias personagens. Todos, os anões, os gigantes, os boçais, os racionais, todos, emitem opiniões e encaram Gulliver de diferentes perspectivas. E não esqueça de dizer que isso faz com que o próprio leitor se questione. O mais interessante, bilionário, é você mostrar que sabe exatamente o que vem a ser toda essa crítica e toda essa sátira. Eu sei que você não sabe, mas demonstre que sabe, só demonstre. Gulliver preferia a companhia dos seus cavalos aos seus semelhantes. Deixe claro que o principal motivo da sátira não é ele, Gulliver, mas sim todos nós. Sim. Todos nós. Não gostou? Não entendeu? Se sente ultrajado? Não pense que porque já lhe mostrei uma série de clássicos por aqui que você pode se dar ao direito de emitir alguma opinião. Aqui é meio que ditadura, vá lá, uma ditabranda, até porque não peço um tostão de sua fortuna. Portanto, cale-se e faça o que eu estou mandando, está bem?
Achou que estou meio truculenta, hoje? Justo hoje em que falei de um dos meus escritores favoritos? É, ando meio nervosa. Como disse Swift certa vez: "Deixarmo-nos dominar pela cólera, equivale a sofrermos como justos o castigo reservado ao pecador."
Vou reler Rebelais. E tentar me divertir um pouquinho. Um dia falo sobre ele...