Luísa
O combate está prestes a começar, pelo que decidimos convidá-lo enquanto ainda é possível escapar à dose «comicieira» que nos espera. E que não poderemos digerir passivamente, cientes que estamos de que já nada é como era, e de que até a formiguinha da fábula terá cedido à vertigem do ganho fácil e decidido explorar os louros da sua boa imagem, trocando o labor e a obra pelo discurso moralista da propaganda. (Está naturalmente condenada, porque palavras, e demais ocas, não enchem barrigas). Pois o nosso convidado, que se diz formiga – na versão pós-moderna dos atributos da espécie, é de presumir – atrai-nos a nós pelo mistério do sorriso «Gioconda», persistente, sereno, inefável, com que entra em nossas casas nas noites da «Quadratura», dando lastro a mil especulações de politólogos, jornalistas e bloguistas. E é desvendar as razões desse sorriso que nos motiva à organização deste jantar. Será porque se orgulha da única mas portentosa empresa do seu mandato, que foi armar de baldes e esfregões a população do Bairro Alto e declarar guerra aos «graffitti»? Será porque conseguiu afirmar-se no rebanho partidário, protestando contra as orientações governamentais de policiamento das ruas e exigindo o rebaixamento do tabuleiro da terceira ponte sobre o Tejo? Ou será porque se perfila como primeiro candidato à sucessão do grande líder e pretende contrapor à arrogância deste uma expressão pacífica e consensual? Seja pelo que for, o sorriso não sairá daqui misterioso como vai entrar.
Mas sairá certamente mais rasgado e genuíno, depois de um repasto em que – porque um homem se vence pelo estômago – nos vamos esmerar. Pensamos, assim, começar por lhe despertar os sentidos com um «amuse bouche» de damasco seco, recheado com queijo «chèvre» e coentros, fazendo avançar depois um caldo de garoupa com tomate e pimentos, perfumado com azeite de noz-moscada. Para prato principal – e em homenagem às suas raízes orientais – temos em mente um caril verde de galinha com pão «chapati», picante de ir às lágrimas, que faremos acompanhar de um branco do Douro, Duas Quintas 2007, que é vivo no aroma e no sabor, mas fresquíssimo na boca, como convém. E porque lhe detectamos no olhar um brilhozinho guloso, apostamos, para sobremesa, na formidável dupla de uns «formigos» (passamos a ironia) com pinhões e canela, e – sugestão da nossa anfitriã – uma «bebinca» de sete folhas, sucessivamente cozinhadas no forno com a mesma hábil paciência com que se cozinham carreiras políticas.
Porque se trata de um convidado que respeitamos, apesar das divergências, não gostaríamos de terminar sem com ele partilhar as nossas profundas apreensões. Mas já que o poder assanha sensibilidades – e não querendo nós ferir as suas – tencionamos oferecer-lhe, com o café, um «fortune cookie», que propõe este subtil, mas não indecifrável, enigma: «Descamba nos solilóquios quem se encanta com Pinóquios». Acham que dá para entender?…