Luísa
É, mais ano, menos ano, um rapaz para a nossa idade. E jeitoso, por sinal! Tem uma boa figura, uma expressão «blasée», de traços másculos e duros, sob a guedelha aloirada, uma voz grave e profunda e uma aura de «enfant terrible», que, para além de pequenas teimosias e insignificantes rudezas, é inegavelmente sedutora. As suas indisciplinas manifestam-se, de resto, em campos de razoável consenso, em prol das causas do equilíbrio da natureza, da preservação do património e da liberdade pessoal, que correm graves riscos num tempo em que o poder parece apostado em padronizar os nossos costumes e em subjugar à voracidade dos «parvenus» das finanças e dos negócios os interesses simples e honestos das pessoas comuns. Pela nossa parte, aderimos, com gosto, à cor das bandeiras que empunha. E aderimos, porque o temos por descomprometido com a política, com toda a independência que lhe asseguram a enxada de um curso em leis, uma larga experiência jornalística e o confirmado sucesso literário com um romance, sobre que, confesso, a recente adaptação televisiva, pontuada de diversões de um caricato ridículo e de uma graça sequíssima, me está toldando a memória e o juízo.
O nosso convite pretende espicaçar a sua rebeldia. E já que ao inconformismo tripeiro veio juntar-se o instinto primordial do caçador, desperto na descoberta das savanas de além Tejo, sugerimos um jantar de inspiração venatória, carregado de fragrâncias campestres. Iniciaremos, portanto, com o aconchego de uma canja de pombo, aromatizada com hortelã. Propomos, em seguida, uma galinhola assada com farofa de trigo e frutos secos, perfumada com cebolinho em hastes. E, a acompanhá-la, um tinto Scala Coeli 2006, adequadamente encorpado, com notável persistência e muita garra na boca. Para rematar, compensando o tradicional e apaladado Serpa, a doce acidez de um creme «brullé» de limão.
Com um café expresso intenso e um digestivo forte (um malte Talisker ou Lagavulin), esperamos tê-lo no ponto de arrancar daqui para a noite… talvez ao assalto do sinistro «castelo de contentores» de Alcântara, onde se acantona uma tropa de infiéis, pronta a abocanhar – assim lho permitam as nossas indiferenças, distracções ou braços caídos – toda a frente ribeirinha do Cais do Sodré até Belém.