No fado das palavras
Tenho andado a pensar por que falamos tanto do tempo e por que carga de água alguns fazem a previsão do tempo atmosférico enquanto outros fazem a provisão para o tempo das necessidades. A marosca deva estar relacionada com a alma lusitana e com o fado das memórias. Dos antepassados navegadores ficou a previsão do tempo, fundamental tanto para a navegação no alto mar, como no céu dos mares. Para além disso, a previsão do tempo determina viagens e tem um aspecto preventivo e estratégico, já a provisão para o tempo condiciona as pessoas é aborrecido e lembra um fado arrependido. Gosto mais do primeiro fado. Ele é preventivo, não seremos apanhados desprevenidos se chover, se o aeroporto fechar, se nos perguntarem pelo tempo, para recomendarmos um guarda chuva, para aconselharmos um agasalho e para despachar as inquisições do senhor que convive connosco e nos pergunta de rompante e sem vergonha numa sexta feira à noite “olha lá, onde é que estiveste até agora?”. A resposta do tempo, do trânsito e do vento que abalou estradas e caminhos está sempre bem. Qualquer cabeça de vento se lembra desta resposta para desculpa caseira. Serve igualmente, para às segundas feiras de manhã justificar ao excelentíssimo, que por um dia decidiu chegar antes de nós, que o trânsito estava um caos, e ainda por cima tivemos de atender o fornecedor de paraventos na porta da entrada, que por sinal já devia há muito ter um guarda vento.
Este é um fado estratégico que não nos deixa ficar mal quando nada mais tivermos para dizer, e só para não ficarmos mudos e especados perante outros iguais, introduzirmos a situação meteorológica e o tema dos cumolonimbos, dos nimbos e cirros, sabendo nós que é só para aborrecer a cabeça de quem nos ouve, já que não interessam para nada, quem quiser vê na net e a maior parte de nós não tem queda para estas coisas do tempo. Por outro lado, é tema que não interessa a quem tem a porta fechada e a cabeça num lugar onde o mar é mais azul e as praias têm areia de cor dourada. E como já me desviei do ponto, estacionei no tempo da canção e da Ericeira.
E quando me lembro destas coisas, vem-me ao espírito, que é como quem diz ao fado da memória, o zumbido do Vimeiro. E de quem adorava aquele sítio porque lhe fazia lembrar as praias do Norte, todas elas com uma coisa menos o que queremos ter numa praia, ou seja, pouco ou nenhum vento e águas quentes. E também não posso deixar de me lembrar da mania das correntes de ar, mas parece que isso é segundo um brasileiro meu conhecido, invenção dos portugueses.
Sendo certo que a provisão para o tempo das necessidades é mais ao género do contar moedas e a previsão de ter provisão é assunto demasiado chato com maior probabilidade de me fecharam a porta atribuindo o descuido ao vento, e sendo as correntes de ar uma invenção da nossa alma lusitana, vou perguntar ao vento se posso sair de mansinho por esta porta que me convidou a entrar no fado das palavras.
Texto enviado por: Grande Jóia