Marie Tourvel
Descobri através de exaustivas pesquisas que milionários não têm tempo para ler crássicos da literatura, mas os mesmos não querem ficar de fora dos papos de intelequituais. É pura bobagem da parte deles. O talento deles já é pra ganhar dinheiro, não precisa dizer que leu os crássicos, não. Mas eles querem ser citados como milionários cultos, então dou minha contribuição. Eu tive tempo de ler tudo quanto é crássico. Infelizmente, não tenho o talento para virar milionária e muito menos sou uma intelequitual. Só li muito e tenho facilidade pra decorar. E estou desempregada, ociosa, esperando o maldito mercado decidir se vai ou se vem.
Entendam uma coisa: ler não torna ninguém melhor ou pior. A literatura não forma caráter. Caso contrário, Hitler seria a melhor das pessoas por ter lido Flaubert, não é mesmo? Ler é um dos prazeres da vida, não é nem o primeiro, pois sou perfeitamente consciente de que há prazeres muito maiores que este. Mas nosso amigo bilionário não tem tempo para esse tipo de prazer, porque em seu tempo de férias ele prefere esquiar em Aspen a ler crássicos da literatura.
Então, toda semana eu presentearei os millionnaires com um resumo de um livro famoso. Não, milionário querido, não falarei de Paulo Coelho. E, pelamordedeus, nunca o cite nessas rodinhas, hein? Mesmo que você adorou ter lido O Alquimista, só o cite para ridicularizá-lo. Geralmente os intelequituais pobretões adoram ridicularizar escritores que ficaram milionários escrevendo porcarias.
Já pensou se numa rodinha com aqueles jornalistas intelequituais, porém, pobretões, você fizer um comentário bacaninha sobre Dostoiévski, por exemplo? Eles ficarão impressionados e pensarão: "Puxa, como esse cara é phoda, além de ganhar dinheiro paca, ainda leu tudo o que eu li. Sou um bosta, mesmo". Faça um intelequitual verdadeiro se sentir um bosta. É divertido. Isso não tem preço.
Comecemos, então, com o resumo de um livro daqueles difíceis de digerir. Ulisses de James Joyce. Ele é citado em onze entre dez rodinhas sabichonas. O resumo é isso aí:
Leopold Bloom sai de casa para um enterro e irá percorrer Dublin (é Irlanda, tá? Não a do norte, please... isso mesmo, terra do Bono Vox) durante um dia inteiro, visitando biblioteca, jornal, bordel e bares. No final ocorre o encontro com Stephen Dedalus, um jovem intelectual de Dublin. O Sr. Bloom é o equivalente ao Ulisses (ou Odisseu), herói da "Odisséia" e Stephen, a Telêmaco, seu filho. Assim como na obra de Homero, o herói faz um grande caminho e retorna pra casa, reencontrando o filho, representado por Stephen.
Não esqueça de citar o Bloomsday que é comemorado todo dia 16 de junho (a história se passa nesse dia, entendeu?). Diga que geralmente neste dia vai a um pub em algum lugar do planeta e toma uma Guinness em homenagem a Joyce. Isso impressionará os mais ralés.
Não importa que você não tenha entendido picas. Se começarem a perguntar algo de muito profundo do livro de Joyce, como por exemplo sobre a linguagem inovadora, você diz: "Sinceramente, prefiro Finnegans Wake. É mais denso". Ninguém vai desafiá-lo mais, já que nem os intelequituais mais phodões entenderam direito este último livro. Se eles insistirem, diga que o final de Ulisses com o orgasmo apoteótico de Molly Bloom foi muito interessante. Dê uma risadinha sarcástica. Peça licença, saia da rodinha e vá para outra que estão falando sobre A Divina Comédia de Dante.
Bem, amigos milionários, por hoje é só. Na próxima semana escolho um outro livrão de respeito e tasco a orelha do livro para que você não se sinta desamparado.