Manuel Fragoso de Almeida
A lição de uma vedeta
Conto-vos hoje uma história real, que calou fundo no meu coração de rapazinho caminhando para a maioridade…
Já foi há muitos anos, julgo que em finais dos anos 60, nos primeiros concertos a que assisti e seguramente também dos primeiros concertos do agora demolido Pavilhão de Cascais.
A estrela do concerto era a Joan Baez, que por essa altura era, sem dúvida, uma das vozes que mais ouvíamos, não só por causa das melodias e textos, mas também pelas intervenções cívicas e atitudes políticas que a afirmavam na contestação da politica americana, com realce para a guerra do Vietname.
Chegámos cedo a Cascais.
Na altura nem sequer carro tínhamos, por isso a algazarra, a alegria, os ditos e as brincadeiras foram o entretenimento da viagem de comboio, o que se prolongou pela longa espera a que fomos obrigados dada a multidão que ocorreu a um pavilhão completamente à pinha.
Na primeira parte tocava um conjunto português, cujo nome não me recordo, mas que não era muito conhecido (ou, para ser mais preciso, eu não o conhecia, seguramente). Por isso, o atraso com que conseguimos entrar não nos preocupou por aí além.
O que se seguiu foi contudo memorável, sobretudo para aqueles que se sentiam atraídos pelas palavras de solidariedade, paz, verdade, amor, e tinham o seu ideário de liberdade.
Sem poder tocar os seus instrumentos eléctricos, somente o baterista do conjunto português ficou em palco. Mas Joan Baez salvou a situação, improvisando espontaneamente com ele uma batida ritmada que lhe permitiu dançar à luz dos isqueiros que prontamente se acenderam por todo o Pavilhão, nas mãos dos espectadores incrédulos mas delirantes.
Foram 10 ou 15 minutos, mas, com este acto, aquela vedeta renomada salvou a face a um desconhecido grupo português que foi aplaudido em conjunto com ela no final do que pôde ser a sua actuação, agora já com a luz regressada ao pavilhão. Salvou uma organização que poderia ter sido posta perante uma debandada do público, sem esperança que a electricidade regressasse a tempo, e sobretudo deu-nos a todos uma lição de humildade, de solidariedade, companheirismo e coerência, de que nunca mais me esqueci.
Não me lembro já do espectáculo que se seguiu…
Deixo-vos com um dueto dela e o Bob Dylan, também bem antiguinho, e com uma canção imortal: Blowing in the Wind.
Manuel Fragoso de Almeida