A tudo nos habituamos, da mesma forma que tudo estranhamos se alguma coisa se altera, depois de instalado o hábito. Estive vários dias sem net e aconteceu-me o mesmo que de outras vezes em que fiquei privada de outros "bens essenciais" da nossa era tecnológica (telefone, carro, micro-ondas, televisão, electricidade): uma sensação de desamparo e isolamento, primeiro, e depois, finalmente, a adaptação à nova situação e o consequente serenar. Com a segunda fase vem sempre um pico de imaginação, estimulada pela privação das facilidades habituais e obrigada a criar soluções alternativas. E mais: vem também uma espécie de alívio inexplicável, paralelo à sensação de incomodidade, como se a resposta estivesse em nós e não nos acessórios. E está, sempre. Basta que não deixemos que sejam eles a controlar-nos, basta que lhes demonstremos que estávamos cá primeiro e que já soubemos viver sem eles. Que fomos nós a criá-los, e não o contrário.
Recém-casada (com 21 anos !), fui viver para um antigo convento lindíssimo, mesmo em cima da barragem do Maranhão. Um sítio deslumbrante, uma casa de fazer inveja a qualquer um (à beleza somava-se o mistério e a aventura, porque metade do convento estava em ruínas e apenas a outra metade era habitável) mas também um tédio difícil de engolir para uma urbana activa como eu, habituada à capital e com o firme propósito de iniciar uma carreira profissional. A vida altera-nos os planos sem cerimónias, e tudo me saíu ao contrário: não havia nada para fazer ali, a não ser admirar a paisagem, comer e beber. Ou haveria? Claro que havia.
Inventei ocupações, para não entrar em depressão: primeiro, atirei-me à casa, que decorei e modifiquei até nada mais ter para alterar. Arranjei quartos e casas de banho (os duches ainda eram daqueles de balde de zinco e corrente para puxar e deixar sair a água); comprei um frigorífico a petróleo (não havia electricidade, a não ser a de um gerador que se desligava às dez da noite) e um fogão novo; do magnífico celeiro abobadado, de chão de laje e paredes de 1,5 m de espessura, fiz uma sala a perder de vista; da antiga cozinha, enorme, uma sala de jantar. Enquanto duraram as obras da nova cozinha aprendi a cozinhar na lareira, com trempes de ferro e tachos de cobre e de barro, colocados directamente sobre as brasas. Aprendi também a usar o forno de lenha, a fazer queijo fresco com cardo apanhado no campo e, mais importante do que tudo isso, a conhecer e usar as mil ervas com que os alentejanos aromatizam os seus cozinhados. Por outro lado, nunca li tanto como nesses dias em que as horas se multiplicavam e o tempo parecia suspenso. Ensinei crianças e adultos a ler, com um prazer que não me lembro de ter tido em muitas outras ocupações.
Foi uma época preciosa, de aprendizagem de uma vida reduzida à sua expressão mais simples, mas que me deixou a íntima e reconfortante certeza de saber sobreviver à ausência de tudo o que considero hoje elementar, caso isso venha a acontecer-me.
Tudo isto para dizer que estes dias sem net - logo, sem a blogosfera, que já se tornou um hábito arreigado em mim - foram penosos, é verdade, mas também funcionaram como uma espécie de férias, embora forçadas. E agora que estou de regresso, ainda às voltas com a constatação da impossibilidade de actualização do que se passou na minha ausência (a voragem deste universo é impressionante), sinto um misto de vontade e de preguiça em retomar o ritmo que tinha. Desabituei-me depressa de postar, a verdade é essa, e soube-me bem não sentir essa "obrigação".
Enfim, estou de volta, mas a meio-gás. Veremos.