Sábado, 13 de Setembro de 2008

Pacto

 

 

 

Estabeleci, com o tempo, um pacto de não-agressão com a sociedade em que vivo: eu não a envergonho, ela não me domina. Digo “a sociedade em que vivo” e não “a sociedade a que pertenço” porque, para ser rigorosamente honesta, não tenho a certeza absoluta de pertencer-lhe. Mas tolero-a, desde que ela me tolere também nas suas fileiras. É assim como se me tivesse inscrito numa viagem organizada, que me poupa o trabalho penoso da papelada, bagagens, marcação de hotel e bilhetes de avião, ficando eu com todo o tempo para ver a paisagem porque me livraram dessas preocupações menores. O preço? Trocar uma aventura solitária, muito mais apaixonante, por uma excursão em que tenho de respeitar também as vontades e gostos dos outros. Não sei se compensa, às vezes. Mas, feito o balanço, acho que não me tenho dado mal.

 

Pode até parecer sabedoria, mas não é. Há nesta atitude mais preguiça do que estratégia, mais rendição do que exigência, mais indiferença do que brio. É apenas um truque, um cómodo subterfúgio para que o meu individualismo seja preservado, malgré tout, como se fosse o bem mais precioso do mundo. E não é, eu sei que não é, nem sequer para mim. A minha inescapável lucidez – não necessariamente feita de inteligência, mas sobretudo de intuição - diz-me que há muito pouco altruísmo nesta renúncia à luta pelos ideais em que creio, em que ainda creio.

 

A verdade é que acabei por acertar com a vida uma espécie de live and let live, ou talvez, melhor ainda, leave and let live, já que me retiro voluntária e placidamente do palco colectivo onde se passa tudo o que me incomoda, mas que não tenho já pretensões de modificar. Mas não é, definitivamente, um live and let die. Quando muito, e não me orgulho da ponta de cinismo que a máxima possa conter, será um leave and let lie. Já lutei, de espada em riste, por tudo e por nada. Agora acomodei-me. Que venham novas Joanas d’Arc para estes novos tempos em que as Causas são confusas e esparsas, que eu já fiz a minha parte. Agora, o que quero é sossego. Não sou incómoda, prometo. Mas que ninguém se atreva a pedir-me a minha liberdade interior. Essa não está - e nunca estará - na mesa de negociações.

 

publicado por Ana Vidal às 23:09
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30 comentários:
De Ana Vidal a 16 de Setembro de 2008
claro, e ainda bem...
De Rita Ferro a 17 de Setembro de 2008
:-))

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