SEM RECEITA
Primeiro, lenta e precisamente,
arranca-se a pele,
esse limite com a matéria.
Mas a das asas melhor deixar,
pois se agarra à carne
como se ainda fossem voar.
As coxas, soltas e firmes,
devem ser abertas
e abertas vão estar.
E o peito nu
com sua carne branca,
nem lembrar
a proximidade do coração.
Esse não.
Quem pode saber
como se tempera um coração?
Limpa-se as vísceras,
reserva-se os miúdos
para acompanhar.
Escolhe-se as ervas,
espalha-se o sal,
acende-se o fogo,
marca-se o tempo.
E por fim, de recheio,
a inocente maçã
que tão doce, úmida e eleita
nos tirou do paraíso
e nos fez assim:
sem receita.
(Alice Ruiz)
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