Volto do banho de mar revigorada e de bem com o mundo. Poucos momentos me proporcionam um prazer tão intenso como estes em que o meu corpo, ainda frio e a escorrer água salgada, recebe em cheio o beijo quente do sol. É um prazer solitário e íntimo, de perfeita comunhão com a natureza. Em tempos idos, todo este luxo era ainda potenciado por um cigarro, talvez o melhor de todos os que me lembro. Agora já não. Mas mantém-se a sensação de Vida, palpitante e intensa como nunca.
Deito-me ao sol e fecho os olhos, para ver tudo o que vejo sem eles. Em fundo, o rumor manso das ondas, cadenciado e hipnótico. À minha volta há gente, demasiada gente. Tento abstrair-me das conversas mas é impossível, estão demasiado próximas. Demasiado presentes. São demasiado invasivas. Resigno-me e ouço-as. É o que acontece a quem não tem uma ilha privada para celebrar o casamento entre o sol e o mar. Infelizmente, não posso fechar também os ouvidos. Esqueci-me do bendito Ipod.
Atrás de mim, duas vozes femininas cujas donas não vejo. Parecem-me maduras e tensas. Amargas. De uma dessas vozes escorre claramente outra água salgada, aquela que nasce nos olhos e desagua sabe Deus onde, sabe Deus quando. Diz: "E agora, o que é que eu faço?". A outra voz, mais solta, responde-lhe: "Nada. Não fazes nada. Esperas que isso lhe passe". De novo a primeira voz, onde agora crescem pedregulhos de sal na água que jorrava: "Era o que faltava! Eles dizem que são só amigos, mas eu sei que é mentira. Uma mulher sabe sempre essas coisas...". "Não faças nada", repete a segunda voz, onde os muros de sal são mais antigos: "Tudo o que fizeres só vai servir para juntá-los ainda mais. Olha que eu sei do que falo".
Levanto-me outra vez, incomodada, e desço até ao mar. Já me estragaram a tarde. Mas não posso queixar-me muito, afinal. A elas, já lhes estragaram a vida.