Quinta-feira, 5 de Junho de 2008

Observatório

 

 

A Escola da Vida

 

 

“Caro Luís

 

Estou a imaginar a tua surpresa ao receberes esta carta: uma carta do Simão? Porque raio estará ele a escrever-me?

Pois é, meu amigo. É exactamente por isso. Por seres meu Amigo!

Confuso? Pois passo a explicar-te.

Quando os meus Pais me puseram numa escola oficial – por um lado, porque não tinham dinheiro para me pôr num colégio particular e, por outro, porque acharam que seria uma boa escola para a Vida poder, desde cedo, contactar com a realidade das diferenças sociais deste mundo – ficaram, lá no fundo dos seus espíritos, um bocadinho preocupados por lançarem o seu menino na selva de pessoas tão diferentes, sendo ainda uma criança de 8 anos.

Logo aí – penso que nunca te contei esta história – poucas semanas depois de ter começado esta aventura no meu 3ºano de escolaridade, levei um murro nas ventas dado por um colega de raça negra, mais velho e com mais dois palmos que eu, sem motivo aparente. Hoje, passados quatro anos, ainda penso no que terá servido de pretexto para dar uma surra no puto branco, supostamente mimado e de boas famílias.

Quando era mais pequeno – e sabes como é... – quando via um preto, comentava e apontava com o dedo, naturalmente curioso por ser diferente o tom da pele. Recebia dos meus Pais a mesma e invariável resposta: que era diferente só por fora, porque, de resto, era uma pessoa igual e normal, como tu e eu.

Habituei-me, como vês, a perceber e a viver com estas diferenças com naturalidade. E, sabes, fiquei chateado quando levei aquele murro, não por ter sido dado por um preto, mas porque não havia razão nenhuma que o tivesse provocado, tal como teria ficado se o tivesse levado de um branco, amarelo ou às risquinhas azuis.                

Este episódio serviu-me de lição para perceber que nem toda a gente pensava como eu e preparou-me para enfrentar possíveis situações futuras, ficando claro para mim que, para lá da cor da pele, o mais importante é o respeito e a justiça que as pessoas devem impor na sua relação com os outros.

Por exemplo, hoje, na nossa escola, com perto de mil alunos das mais variadas raças, com modelos de educação tão diversos, com níveis sociais tão distintos e com noções de Família tão diferentes, sinto-me perfeitamente integrado e seguro – e os meus Pais também – porque já estou ambientado com todas estas diferenças. Como tu também, certamente.

Para além de tudo, tenho o enorme prazer de ser teu Amigo, sabendo que também o és meu. E, olhando para trás, sei que nunca me importei com a cor da tua pele e nem tu com a da minha, que, sendo diferentes, não impediram nem contribuíram para que ficássemos amigos. Foi um pormenor que, pura e simplesmente, nunca nos preocupou.

E sei que temos uma Amizade saudável e, espero, duradoura, que possa servir de exemplo àqueles que não acreditam que as pessoas valem por aquilo que são e não por aquilo que aparentam.

Por mim, vai dar-me gozo quando, um dia mais tarde, os nossos Filhos também aprenderem a viver uns com os outros, com a naturalidade que nós temos e sem se importarem de uns serem brancos e os outros pretos.

Até sempre.

Simão”

 

(Carta imaginária que escrevi para o meu Filho Simão, há 8 anos, sobre a sua relação com o seu amigo Luís, de raça negra. Hoje, ambos na faculdade mas em percursos diferentes, ainda são amigos, mas já de longa data).

 

Pedro Silveira Botelho

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publicado por Ana Vidal às 18:00
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32 comentários:
De Ana Vidal a 6 de Junho de 2008
Pela minha parte, muito estimulante mesmo. E a preciosa "contratação" do Pedro tem contribuido muito para isso. Acho que sou um bom "mister", não?
De psb a 6 de Junho de 2008
Ana
Mais outra 'bondade' da tua parte.
E, porventura, não me ficando bem esta vaidade, és um bom 'mister', sim senhora. Cuida-te, que se o Scolari não ganhar o europeu, vai abrir a caça a novo treinador nacional...
Beijinhos
De Ana Vidal a 6 de Junho de 2008
LOL. Punha-os todos a trabalhar, podes ter a certeza! Por isso (só por isso, claro...) não me convidam, aposto.
beijo

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