Se eu tivesse aqui uma serra eléctrica, juro que me tentava a levar para casa este tronco seco que parece mesmo uma escultura. Ou melhor, que é uma escultura. De uma escultora chamada Natureza. Não muito bem cotada no mercado, por sinal. E é injusto, porque expõe no mundo inteiro. Qualquer um pode aceder às suas obras e é bom que o faça depressa, antes que ela deixe de produzi-las. Está velha e cansada, e tem sido muito mal tratada pela crítica e pelo público. Vai passar-se com ela o que sempre acontece: um dia destes, quando a sua produção começar a rarear, todos vão tecer-lhe elogios e todos vão querer ter uma obra sua, porque nessa altura valerão muito mais. Mas então será tarde: como qualquer artista incompreendido, ela deixar-se-á morrer de desilusão e de frustração. A diferença é que, neste caso, nem o público nem a crítica estarão cá para o reconhecimento póstumo da praxe.
Também a concha que me deu abrigo não é a minha casa. Eu sei-o bem, como sei também que o sortilégio está a chegar ao fim. Por mim, ficaria por aqui até criar raízes na areia ou até que as algas me enleassem, como se eu fosse uma delas. Mas não posso. Há uma vida que me espera fora do paraíso, num sítio a que chamam “civilização”. Mas só porque não sabem que a civilização é isto.
(Wish you were here - Pink Floyd / Pascale Picard)