Tive ontem o privilégio de percorrer as salas do novíssimo Museu do Oriente ainda vazias de visitantes, com toda a calma, detendo-me naquilo que queria ver com mais atenção, sem preocupações de tempo. A grande azáfama de última hora, que antecede sempre o primeiro abrir de portas, não me incomodou. Horas depois seria a inauguração oficial, com toda a pompa e circunstância.
Dos tesouros que vi não falo aqui, porque seria fastidioso e inútil: o magnífico espólio da Fundação Oriente – à espera, há 20 anos, de instalações condignas para a sua exposição ao público – merece ser visitado e é para ser visto, não descrito.
Finalmente chegou a hora H, e foi o mega sucesso que se esperava: o “tout le monde” da política, da finança, da aristocracia, da cultura, da diplomacia, das artes… enfim, 700 pessoas engalanadas, acotovelando-se pelos corredores (sem um único banco onde pudessem sentar-se, sequer) e cumprindo penosamente o rigoroso protocolo a que as obrigava a presença de todos os altos dignitários da nação. Fugi, logo que pude, dessa provação. Mas ainda registei, de relance, alguns pormenores que o meu olhar captou no meio da feira de vaidades que é sempre um grande acontecimento social:
- O azar de uma senhora muito colunável da nossa praça, irrepreensivelmente vestida e penteada, mas com uma mola de cabeleireiro esquecida no alto da cabeça.
- A insólita presença de uma criança de pouco mais de um ano, ao colo da mãe, num mar de adultos vestidos a rigor.
- A omnipresença de mil cabeleiras loiras em movimento constante, saltitando por entre os grupos em todo o espaço disponível.
- A tremenda constipação de D. Duarte de Bragança, que se assoou ruidosamente durante todo o discurso do Presidente da República.
- As gargalhadas alvares de Joe Berardo (desta vez de fato escuro e camisa branca, mas sem gravata), que se ouviam de norte a sul e de oriente a ocidente, atravessando o sólido betão armado que é o orgulho da arquitectura do edifício dos anos 40.
- Os malabarismos que certo casal fez para chegar ao pé do comendador, a bajulação descarada em sorrisos e beijos lambidos, o ar de desprezo do reverenciado e o imediato corte de casaca, mal ele se afastou.
- Os inenarráveis sapatos de Maria de Belém Roseira, quase mais altos do que as suas pernas, mas que mesmo assim não conseguiam elevá-la acima da cintura dos outros convidados. O destino colocou-a, por ironia, ao lado de uma senhora com o problema inverso – Maria José Ritta – acentuando ainda mais as dificuldades de ambas. O mundo é injusto.
- O invejável “bronze” do casal presidencial.
- A extrema elegância e prumo de duas senhoras indianas, nos seus saris de gala, de seda bordada.
- O entra e sai nas grandes portas de vidro, para um cigarrinho desesperado, dos proscritos que ainda não conseguiram largar o vício.
- Os sorrisos cúmplices e conspirativos dos muitos banqueiros presentes, num entendimento sem palavras.
- Os inúmeros toques de telemóvel durante os discursos, numa sinfonia estranha e inconveniente.
- Esta só soube hoje ao almoço, mas não resisto a acrescentá-la aqui porque é, verdadeiramente, a cereja no topo do bolo: o Presidente da Fundação Oriente e do Museu, Carlos Monjardino, ficou fechado num elevador durante 20 minutos, em plena festa...
Cheguei a casa morta de cansaço, mas ainda assim divertida com o espectáculo.
(A imagem foi tirada por mim, à revelia, durante a visita à exposição temporária de máscaras que está no piso térreo. Acho que tem tudo a ver com este texto…)
De psb a 9 de Maio de 2008
Ana
Como sempre. Perspicaz, inteligente e humorado, o teu relato. Estivemos lá contigo, apreciámos o ridículo do nosso 'mundo social' em biquinhos de pés para ser visto, vislumbrámos a pouca atenção que a maioria deve ter votado ao próprio museu, mais preocupada com as máscaras ambulantes que por lá estavam. Estou a ver a Madame de mola na cabeça, que é de ir às lágrimas. A Maria de Belém empoleirada nos seus saltos, que deve ter passado a exposição ao lado do Marques Mendes (se lá estava) para poderem conversar ao mesmo nível. Imaginei as 'proscritas' (já viste a posição em que nos puseram), de cabeleiras ao vento, a aplacarem o vício.
Enfim, o carnaval do costume.
Beijinhos
Para a próxima desafio-te, sócio. Tenho a certeza de que terias adorado o espectáculo e que te divertirias tanto como eu.
Beijos
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