Sexta-feira, 9 de Maio de 2008

Expresso do Oriente

 

 

Tive ontem o privilégio de percorrer as salas do novíssimo Museu do Oriente ainda vazias de visitantes, com toda a calma, detendo-me naquilo que queria ver com mais atenção, sem preocupações de tempo. A grande azáfama de última hora, que antecede sempre o primeiro abrir de portas, não me incomodou. Horas depois seria a inauguração oficial, com toda a pompa e circunstância.

 

Dos tesouros que vi não falo aqui, porque seria fastidioso e inútil: o magnífico espólio da Fundação Oriente – à espera, há 20 anos, de instalações condignas para a sua exposição ao público – merece ser visitado e é para ser visto, não descrito.

 

Finalmente chegou a hora H, e foi o mega sucesso que se esperava: o “tout le monde” da política, da finança, da aristocracia, da cultura, da diplomacia, das artes… enfim, 700 pessoas engalanadas, acotovelando-se pelos corredores (sem um único banco onde pudessem sentar-se, sequer) e cumprindo penosamente o rigoroso protocolo a que as obrigava a presença de todos os altos dignitários da nação. Fugi, logo que pude, dessa provação. Mas ainda registei, de relance, alguns pormenores que o meu olhar captou no meio da feira de vaidades que é sempre um grande acontecimento social:

 

  1. O azar de uma senhora muito colunável da nossa praça, irrepreensivelmente vestida e penteada, mas com uma mola de cabeleireiro esquecida no alto da cabeça.
  2. A insólita presença de uma criança de pouco mais de um ano, ao colo da mãe, num mar de adultos vestidos a rigor.
  3. A omnipresença de mil cabeleiras loiras em movimento constante, saltitando por entre os grupos em todo o espaço disponível.
  4. A tremenda constipação de D. Duarte de Bragança, que se assoou ruidosamente durante todo o discurso do Presidente da República.
  5. As gargalhadas alvares de Joe Berardo (desta vez de fato escuro e camisa branca, mas sem gravata), que se ouviam de norte a sul e de oriente a ocidente, atravessando o sólido betão armado que é o orgulho da arquitectura do edifício dos anos 40.
  6. Os malabarismos que certo casal fez para chegar ao pé do comendador, a bajulação descarada em sorrisos e beijos lambidos, o ar de desprezo do reverenciado e o imediato corte de casaca, mal ele se afastou.
  7. Os inenarráveis sapatos de Maria de Belém Roseira, quase mais altos do que as suas pernas, mas que mesmo assim não conseguiam elevá-la acima da cintura dos outros convidados. O destino colocou-a, por ironia, ao lado de uma senhora com o problema inverso – Maria José Ritta – acentuando ainda mais as dificuldades de ambas. O mundo é injusto.
  8. O invejável “bronze” do casal presidencial.
  9. A extrema elegância e prumo de duas senhoras indianas, nos seus saris de gala, de seda bordada.
  10. O entra e sai nas grandes portas de vidro, para um cigarrinho desesperado, dos proscritos que ainda não conseguiram largar o vício.
  11. Os sorrisos cúmplices e conspirativos dos muitos banqueiros presentes, num entendimento sem palavras.
  12. Os inúmeros toques de telemóvel durante os discursos, numa sinfonia estranha e inconveniente. 
  13. Esta só soube hoje ao almoço, mas não resisto a acrescentá-la aqui porque é, verdadeiramente, a cereja no topo do bolo: o Presidente da Fundação Oriente e do Museu, Carlos Monjardino, ficou fechado num elevador durante 20 minutos, em plena festa...

Cheguei a casa morta de cansaço, mas ainda assim divertida com o espectáculo.

 

(A imagem foi tirada por mim, à revelia, durante a visita à exposição temporária de máscaras que está no piso térreo. Acho que tem tudo a ver com este texto…)

 

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publicado por Ana Vidal às 09:09
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35 comentários:
De psb a 9 de Maio de 2008
Ana
Como sempre. Perspicaz, inteligente e humorado, o teu relato. Estivemos lá contigo, apreciámos o ridículo do nosso 'mundo social' em biquinhos de pés para ser visto, vislumbrámos a pouca atenção que a maioria deve ter votado ao próprio museu, mais preocupada com as máscaras ambulantes que por lá estavam. Estou a ver a Madame de mola na cabeça, que é de ir às lágrimas. A Maria de Belém empoleirada nos seus saltos, que deve ter passado a exposição ao lado do Marques Mendes (se lá estava) para poderem conversar ao mesmo nível. Imaginei as 'proscritas' (já viste a posição em que nos puseram), de cabeleiras ao vento, a aplacarem o vício.
Enfim, o carnaval do costume.
Beijinhos
De Ana Vidal a 9 de Maio de 2008
Para a próxima desafio-te, sócio. Tenho a certeza de que terias adorado o espectáculo e que te divertirias tanto como eu.
Beijos

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