Quarta-feira, 16 de Dezembro de 2009

Até sempre

 

Amigos (antigos e novos), comentadores, críticos, apoiantes e leitores desconhecidos:

 

Esta Porta fecha-se hoje. Não há razões de fundo nem dramas pungentes, apenas o fim de um ciclo natural. Foram mais de dois anos e meio de puro prazer, esta aventura blogosférica que nunca pensei levar tão longe como acabou por acontecer. Não vou desaparecer. Encontramo-nos por aí, nas caixas de comentários e no Delito de Opinião, onde continuarei a receber-vos com muito gosto para a cavaqueira de sempre. Agradeço a todos os que tiveram a paciência de aqui passar - regularmente ou só de vez em quando - e até aos incautos que aqui caíram sem querer. De todos se fez esta casa cheia, que já ultrapassou o incrível número de 180.000 visitas!

 

Mas permitam-me que deixe um “obrigada” especial aos meus parceiros de blogue, que aceitaram generosamente o meu convite, entraram por esta Porta aberta e se instalaram, trazendo um inestimável valor acrescentado. Agradeço a todos, do fundo do coração, este tempo lúdico e rico de amizade, cumplicidade e coesão que foi a segunda fase da Porta do Vento. Foi uma experiência óptima para mim. Quem sabe se a repetiremos um dia, nos mesmos ou noutros moldes? Vai-se o blogue, mas fica a amizade que ele gerou e desenvolveu entre nós.

 

Querida Luísa, os seus jantares de domingo foram um must de requinte, sabedoria e boa escrita. E mal sabíamos nós que ainda havia outros talentos na manga… Obrigada.

 

Querida Rita, os teus posts provocatórios e originais bateram todos os recordes de comentários, como se esperava. Uma animação e um debate de luxo. Obrigada.

 

Querida Marie, os teus pockets foram um precioso ensinamento e todos nos sentimos bilionários por te termos como professora bem humorada de literatura clássica. Obrigada.

 

Querido Pedro, os teus observatórios fizeram história e deram luta. Foste o primeiro voo desta Porta fora de portas, uma experiência muito especial. Obrigada.

 

Querido Jab, a sua passagem por aqui foi fugaz mas marcante. O improvável jogador provou, afinal, ser um poço de talento na arte de jogar. Obrigada.

 

Querido João Paulo, o teu humor corrosivo (de que sempre fui e continuo a ser fã), foi uma lufada de ar fresco e de juventude neste blogue. A irreverência é uma qualidade que aprecio. Obrigada.

 

Querido Manecas, a ternura e bondade de que és feito transpareceram em cada memória, em cada sugestão musical, em cada palavra tua. És um amigo precioso. Obrigada.

 

Querido João, os fantásticos vizinhos que nos trouxeram os seus moleskines enriqueceram-nos imenso e fizeram-nos sentir como é bom pertencer a um bairro de gente verdadeira, de carne e osso. Obrigada.

 

Aqui ficam algumas mensagens que deles recebi e convosco partilho:

 

Querida Ana e queridos Portistas:

 

Gostei da experiência blogosférica, mas adorei, sobretudo, o que ela me proporcionou para além da blogosfera. Por isso, acho uma excelente ideia um jantar de Natal. Em qualquer circunstância, o facto de todos nos mantermos bloggers (como é que é, Marie?), assegura-nos notícias regulares sobre as nossas vidas. Um beijinho para todos e - portanto - até logo?... ;-D

Luísa

 

Querida Ana:

 

diverti-me imenso durante o tempo em que colaborei na Porta e fiz grandes amigos. Os que ainda não fiz e conheço de lá, sinto que ainda virei a fazer. Foste sempre uma anfitriã de grande classe e atenta a todos, visitantes e colaboradores, deixaste a tua marca. A ti, devo também o teres-me introduzido neste mundo divertido e variado, cheio de surpresas. Obrigada a ti, em particular, e a todos os outros, individualmente, pelo prazer que me proporcionaram.

Um abraço apertado a todos!

Rita

 

Querida Ana:
 
Entrei por esta porta pela tua mão, como um miudo que de boné à banda e mal segurando a sacola de trapos que a mãe alinhavou à lareira na noite anterior, ainda tremia com o receio tremendo do que os senhores professores lhe iam perguntar, dos comentários que iam fazer...
 
Sentei-me na carteira lá de trás, tirei o meu caderno diário, e lá descobri o lápis com que iria tentar escrever as primeiras linhas. A borracha esteve sempre a meu lado, porque estava convencido que as emendas iriam ser muitas, e os senhores professores não iriam perdoar...
 
As páginas do caderno às vezes ficaram com aquele buraquinho de tanto apagar. A borracha que guardava no fundo da sacola afinal era de tinta, e não aguentou as emendas do imberbe escritor.
 
Como um menino do campo, descobri que havia coisas que dizia e que o meu caderno foi revelando, que eram novidade para os professores que tinham vindo da cidade, e por isso as páginas do meu caderno foram ficando mais limpinhas à medida que a minha memória foi retomando as azinhagas da minha infancia.
 
Entretanto a Diolinda já foi embora, mas ao deixar a minha sacola pendurada nas traseiras da tua porta, sei que nunca te poderei agradecer a possibilidade que me deste de lhe ter deixado a primeira página do meu caderno diário.
 
Muito obrigado por tudo, e sobretudo pelo laço eterno na nossa amizade.
 
Muitos beijinhos e até à próxima!

Manecas

 

Querida amiga ventosa,

 

Há pouco mais de um ano transpus uma porta do vento para me lançar na vida dos blogues. Se tenho um blogue a si o devo – por aquilo que me mostrou e por aquilo que me ensinou.  No porta do vento, ainda, agarrei-me a um moleskine para tentar contar histórias de um bairro imaginário; fi-lo agrilhoado a algo que me fez muito bem e que, como sabe, me é difícil: ser sintético, criar uma história em quinhentas palavras. Por último, mas não menos importante, foi através da porta do vento que tivemos, todos, um blind date, cujo sucesso não sofrerá as intermitências da morte. Faça o favor de ser feliz e de se manter por aí, pela blogosfera. Com nosco ou sem nosco. E faça o favor de ser feliz.

 

Obrigado e um beijo,

 

João

 

A solo ou em grupo, eu volto um dia destes. É uma promessa. Até sempre!

 

E já agora... Feliz Natal para todos, e que o novo ano vos traga boas notícias.

 

Adenda: Por mais que me comovam as mensagens que recebi dos meus parceiros de blogue, é evidente que elas são, além de bonitas, manifestamente exageradas no que me toca. Peço-vos que as tomem como generosidade de amigos e que me perdoem o gesto (muito pouco modesto, reconheço) de tê-las revelado aqui. Não costumo praticar o auto-elogio, mas não resisti desta vez. Fraquezas.

 

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Sábado, 14 de Novembro de 2009

Expresso do Oriente (3)

Para além da noite de Patpong, o bas fond onde um incauto transeunte pode aceitar ingenuamente um dos permanentes convites para um “ping-pong show” julgando que vai assistir a um jogo de ténis de mesa…, há a moderna movida de Bangkok. Estive numa das discotecas de moda, o clube Spasso (na crista da onda há mais de 20 anos), e foi surpreendente encontrar jovens tailandeses celebrando alegremente o Halloween como se fosse uma tradição local. É o império da globalização, a contaminação ocidental que se traduz em muitos outros aspectos, por exemplo na proliferação de restaurantes de pizzas e hamburgers. No Spasso é comum ver homens de negócios ocidentais com belas ninfas tailandesas, muito mais novas do que eles. Mas, afinal, tudo isto é tão velho como o mundo e não existe pecado a sul do equador, como diria o Chico Buarque…

 

 

De manhã cedo, após a visita ao esmagador Grand Palace e ao Templo do Buda Esmeralda, lava-me a alma um belo passeio pelos canais do Chao Phraya num barco típico, vagamente parecido com uma gôndola veneziana. A cidade vista do rio tem outro encanto e outro mistério, com o imponente Wat Arun (ou “temple of the Dawn”) a dominar a margem, lembrando-nos o esplendor do antigo reino khmer de Ayutthaya, a mítica capital do Sião no século XIV. Depois disto, não se resiste: há que rumar à própria Ayutthaya, ou ao que dela resta após a guerra com a Birmânia, com os consequentes destruição, declínio e abandono da cidade. Fica a menos de 100 Km a norte de Bangkok e as ruínas, hoje Património Mundial da UNESCO, valem bem uma visita.

 

 

Depois, já que estamos na zona, é da praxe visitar o Palácio de Verão, uma complexa rede de construções numa mescla de estilos arquitectónicos – thai, chinês e europeu - que coabitam num belo parque em redor de um lago artificial que prolonga o Chao Phraya. Este paradisíaco lugar é o cenário real da história de amor do rei Mongkut do Sião e de Anna Leonowens, a perceptora inglesa dos seus filhos. A história verídica, baseada nos diários da inglesa, deu três filmes célebres: Anna and the King of Siam, de 1946, O rei e eu, de 1956, e Anna e o Rei, de 1999. Mas enquanto nós, ocidentais, fantasiávamos com o romantismo da situação, os tailandeses consideraram-na desde sempre uma ofensa e um desrespeito pela sua monarquia. Como resultado disto, os filmes foram banidos e nenhum deles passou nas salas de cinema do país. Mas a verdade é que ainda agora, à distância de mais de um século, se respira ali um irresistível clima romântico. De qualquer maneira, é curioso testemunhar a atracção que a estética e a cultura ocidentais exerceram sobre aquele longínquo e exótico monarca siamês (a decoração do palácio é totalmente europeia), a ponto de dar aos seus filhos uma educação mista que os preparasse para futuras alianças com o Ocidente. Uma nota: nunca entenderei a razão por que tive que descalçar-me e vestir uma saia comprida por cima da roupa (como todas as mulheres que ali cheguem de calças, calções ou saia curta) para visitar os aposentos reais, como se estes fossem um lugar sagrado ou místico que os turistas ousam profanar. Em vez de divindades, o que lá encontramos não pode ser mais terreno: pocelanas de Sévres, mobiliário vitoriano, gobelins, lustres e espelhos venezianos, cristais da Boémia… Enfim, influenciado ou não por Anna, a verdade é que o rei Mongkut deu a liberdade a um grande número de concubinas e melhorou substancialmente os direitos das mulheres no reino do Sião: com as suas reformas, acabaram os casamentos forçados e a entrega de mulheres pelos próprios maridos como pagamento de dívidas, por exemplo. Mais tarde, estas reformas foram ampliadas pelo seu filho e herdeiro do trono, modernizando e humanizando a estrutura da sociedade tailandesa.

 

E chego ao meu último dia em Bangkok, já com pena de ter de deixar a cidade. Troco as últimas compras por um programa prometido a um amigo e também muito apetecido: uma visita à embaixada portuguesa, autêntica pérola do nosso património diplomático. Atravesso as ruas num tuk-tuk veloz, que me deposita no portão verde decorado com o escudo português e se afasta, deixando-me sozinha e sem a menor garantia de um “abre-te Sésamo” que me faça ser recebida, já que não avisei previamente da minha visita. Mas tenho sorte (não a tenho sempre, afinal?): é o próprio embaixador quem me recebe, sorridente e solícito. E, nas duas horas que me separam do aeroporto, guia-me numa visita detalhada e exclusiva pela residência e pelos jardins, numa cavaqueira deliciosa e recheada de histórias sobre aquele importante baluarte da história portuguesa no Oriente, só por si digno de uma obra literária. É pelo embaixador António Faria e Maya que fico a saber que Portugal parece andar distraído (como sempre, acrescento eu…) quanto às comemorações da importantíssima efeméride que se aproxima: a passagem dos 500 anos sobre a chegada dos primeiros portugueses ao Sião, em 1511. Ao contrário da Tailândia, diga-se, que está a preparar os festejos com antecedência e orgulho e até já começou por oferecer a Portugal uma “Sala” (pavilhão tailandês cujo nome deriva da palavra portuguesa homónima), presente esse para o qual demorámos mais de um ano a encontrar local adequado, acabando por negar-lhe, ainda por cima, a localização lógica e nobre: os arredores dos Jerónimos e da Torre de Belém. Enfim…

 


 

Despeço-me de Bangkok com a certeza de que voltarei um dia. Num dos terminais do moderníssimo e descomunal Aeroporto Internacional de Don Mueang (o maior free shop que alguma vez vi) espera-me um pequeno aviãozinho da Bangkok Airways, todo pintado com figuras coloridas e hélices exteriores enormes, também pintadas. Não há duvida, estamos no reino do arco-íris. É este brinquedo que me levará ao meu próximo destino: Siem Reap, Camboja. 

 

 


Curiosidade: Bangkok (ou Banguecoque, na tradução portuguesa), é apenas uma abreviatura do nome completo da cidade, que consta no livro dos recordes (o Guinness) como o maior nome de cidade do mundo: Krung Thep Mahanakhon Amon Rattanakosin Mahinthara Yuthaya Mahadilok Phop Noppharat Ratchathani Burirom Udomratchaniwet Mahasathan Amon Piman Awatan Sathit Sakkathattiya Witsanukam Prasit (กรุงเทพมหานคร อมรรัตนโกสินทร์ มหินทรายุธยามหาดิลกภพ นพรัตน์ราชธานี บุรีรมย์อุดมราชนิเวศน์มหาสถาน อมรพิมานอวตารสถิต สักกะทัตติยะวิษณุกรรมประสิทธิ์). Ou seja, "A cidade dos anjos, a grande cidade, a cidade que é jóia eterna, a cidade inabalável do deus Indra, a grande capital do mundo ornada com nove preciosas gemas, a cidade feliz, Palácio Real enorme em abundância que se assemelha à morada celestial onde reina o deus reencarnado, uma cidade dada por Indra e construída por Vishnukam".

 

 

(cont.)

 

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Sexta-feira, 13 de Novembro de 2009

Expresso do Oriente (2)

O primeiro impacto do Oriente sobre um europeu razoavelmente calejado pode ser descrito como uma verdadeira invasão dos sentidos. De repente, sem pré-aviso, tomam-nos de assalto as cores, os cheiros, os sons e o afago húmido de um calor desconhecido. Tudo é novo e deliciosamente estranho, excitante como um arrepio em noite de Verão. E não falo de praias paradisíacas, com coqueiros e tépidos mares transparentes. Neste caso, quem me abre as portas do Oriente é uma enorme metrópole, com 14 milhões de habitantes e uma arquitectura urbana arrojada.

Mesmo assim, o exotismo impõe-se através de uma natureza indómita, que irrompe por todo o lado sempre que pode. Há zonas de vegetação selvagem em plena cidade e muita, muita água: braços de rio e canais artificiais que substituem ruas, pequenos lagos no centro de condomínios de pédios altíssimos. À primeira vista, e observada da janela de um 17º andar do hotel Le Meridien, dir-se-ia que Bangkok se assemelha a New York. Mas esta perspectiva “aérea” exclui o chão e isso faz toda a diferença, porque é a esse nível que o Oriente se manifesta com toda a sua exuberância: bancas que vendem tudo o que possa imaginar-se, da comida ao artesanato passando por animais vivos; tuk-tuks que rivalizam com táxis (estes, por sua vez, ostentando todas as cores do arco-íris), num um trânsito caótico que só terá paralelo, talvez, em Nápoles; pressurosos alfaiates que fazem provas de fatos Armani em sedas e caxemiras; massagistas que oferecem serviços vários, das terapias com peixes para doenças de pele até à “hot candle massage”, a delícia mais ousada do catálogo. Enfim, uma multidão transbordante e sorridente que nos recebe de braços abertos, com uma surpreendente hospitalidade quase naif ainda, depois de anos e anos de invasão turística ocidental.

É claro que o meu hotel, de uma estética imbatível, ultra-moderno e requintado em extremo – não é por acaso que existe a expressão “luxo asiático” – se situa, para o bem e para o mal, mesmo em frente da famosa Patpong (quem não se lembra desta rua no filme Emmanuelle?), onde bate mais quente e mais forte o coração de Bangkok. Há um mercado nocturno que todos os dias, religiosamente, aparece às seis da tarde para desaparecer de novo à uma da manhã, num ritual complicado de montagem e desmontagem de tubos e lonas executado por um enxame de vendedores, em tempo recorde.

Quando acaba o bric-a-brac, começa outro mercado: uma oferta variada de espectáculos e serviços eróticos, que começam em plena rua e acabam em primeiros andares pouco recomendáveis, passando pelos bares “de varão” onde mil rapariguinhas - que parecem ter sido clonadas  de um único modelo - exibem os seus (des)encantos.

Sobre isto, uma curiosidade: diz-se que há quatro sexos em Bangkok: as mulheres e os homens ditos “normais”, os Lady boys (homens que se apresentam e agem como mulheres, mesmo durante o dia) e as Tom girls (o inverso: mulheres transformadas em homens, no aspecto e nas atitudes). Para além das fachadas, também uma cirurgia de mudança de sexo custa uns míseros dois mil euros, pelo que a moda está em franco crescimento.

 

 

Depois há a cozinha Thai, deliciosa e saudável. Apaixonei-me sem remédio pelos legumes, os camarões, as limonadas, as mil variedades de arroz, e só das nossas sobremesas tive saudades. E há também o grande mercado de fim-de-semana, tão gigantesco que é essencial andarmos de mapa na mão (distribuído pelos muitos polícias de serviço) para não nos perdermos. Eu perdi-me, mas por algumas antiguidades de cuja idade duvido muito, dada a insignificância do preço.

E há ainda o mercado das flores ao longo do rio, uma experiência sensorial única: lindíssimas coroas e colares de orquídias de todas as cores, para além de uma imensidade de outras flores de nomes desconhecidos. Por sorte, estava em Bangkok na véspera do Grande Festival da Lua Cheia. No dia seguinte, todas aquelas magníficas arquitecturas florais seriam lançadas ao rio numa manifestação de alegria, como tributo às divindades aquáticas.

 

E perdi-me também, mas propositadamente, nas ruas menos centrais de Bangkok. Se há coisa que gosto de fazer é vaguear sozinha pelas ruas de uma cidade desconhecida, sentindo-lhes o pulso e a alma. Foi assim que fui parar a um templo frequentado só por locais (não havia uma única palavra traduzida em inglês, como acontece por toda a cidade). Sentei-me no chão sobre os joelhos e fiquei a observar os presentes, imitando-lhes os gestos – como queimar paus de insenso, por exemplo – na esperança de me diluir no cenário e não perturbar. De repente, todos saíram dali ao mesmo tempo e  eu fiquei sozinha, sem saber muito bem o que fazer a seguir. Preparava-me para ir-me embora quando alguém me tocou no ombro e me convidou, com um gesto, a seguir o grupo. Lá percebi que era um casamento e que me convidavam a fazer uma saúde aos noivos. Acabei por almoçar com eles, “conversando” com gestos e sorrisos porque muito poucos percebiam outra língua que não a sua. Foi uma experiência que não esquecerei.

(cont.)

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Terça-feira, 10 de Novembro de 2009

Expresso do Oriente (1)

 

Faço a mala com a expectativa e a excitação que em mim sempre antecedem as grandes viagens, despindo do espírito todos os pesos e amarras para que fique a condizer com a roupa que levo: só algodões e linhos, tudo muito leve, fresco e cómodo. Vou para o longínquo Oriente - Tailândia e Camboja -  onde o calor não dá tréguas, apesar da estação seca que começa agora. Levo uma mala grande mas meio vazia, sabendo de antemão que voltará bem cheia, dessas paragens onde as tentações consumistas são tão fortes como quase inconsequentes no orçamento. Um perigo, portanto. Junto-lhe, depois de uma última verificação, o imprescindível repelente de insectos (sou uma vítima habitual), o meu Ipod (para além de companhia no avião, tenho a secreta vontade de entrar em Angkor Wat a ouvir Beethoven), alguns medicamentos SOS e um livro que me faça esquecer as longas horas das viagens aéreas, já que não vou ter tempo para grandes leituras quando lá chegar. A escolha não é difícil e parece-me adequada: os Contos Orientais de Marguerite Yourcenar, pérolas clássicas que constituirão uma perfeita e suave antecâmara ao desafio que me aguarda do outro lado do mundo. Resolvo alguns assuntos de última hora e almoço com um querido amigo, embaixador em Bangkok por muitos anos e agora reformado, que me dá preciosas dicas e me enche de recomendações importantes. Tudo a postos, respiro fundo e estou pronta a começar a aventura. Primeira escala: Paris. A morrinha cinzenta do costume, a lembrar-me de que o charme também pode ser um suspiro e um arrepio de frio. Mas adiante. É tudo isso que deixo para trás, em troca de uma luz dourada e de um calor abrasador. Mas, sobretudo, em troca do desafio da eterna pergunta: o que será que me espera por lá? Pergunta que, aliás, engloba sempre o seu reverso: o que espero eu do que me espera? Se é verdade que todas as viagens são interiores, em busca de nós próprios (Pessoa dixit), desconfio de que esta me vai dar algumas respostas importantes. É com tudo isto fervilhando na cabeça que entro no enorme airbus da Air France, com a sensação de entrar numa espécie de máquina do tempo: começo a viagem em 2009, mas, quando chegar ao meu destino, o calendário dir-me-á que estou no ano de 2552.

 

(cont.)

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Terça-feira, 27 de Outubro de 2009

Vou ali...

 

 

... já volto.

 

Se puder, dou notícias. 

Só um pouco mais da vossa paciência, se ainda estiverem para nos aturar... 

 

 

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Segunda-feira, 19 de Outubro de 2009

Adivinhe quem foi jantar?

 

Acta de um jantar

 

Aos dezassete dias do mês de Outubro do ano de dois mil e nove, reuniram, na casa do Walter - situada algures entre Lisboa e a ponta mais ocidental da Europa – alguns sócios «de indústria» e alguns sócios «de capital»* da «companhia» Porta do Vento, com a seguinte ordem de trabalhos: 

 

Ponto 1: tomarem conhecimento mútuo, por acareação;

Ponto 2: forrarem os estômagos com um banquete elaborado a várias mãos, no melhor espírito de colaboração empresarial;

Ponto 3: reestruturarem a «companhia», redefinindo os moldes da distribuição de funções e da intervenção pública.

 

1. Cumprido, com grande emoção, o ponto 1 da agenda, passou-se, sem mais delongas, à análise e discussão do ponto seguinte.

 

2. No âmbito do ponto 2, foram lançadas para a mesa várias propostas dos sócios, incluindo a salada à Walter da Rita V., o «risotto» da Ana, o pudim de peixe elaborado pela sócia «de capital» Isabel e apresentado pelo Manecas, o lombo assado da Luísa, a bomba gelada da Fugi, as tortas de Azeitão do João Paulo, os queijos e as «loiras» do Mike e o pelotão de garrafas de tinto mobilizado pela Rita F. e pelo João B. Estas várias propostas foram submetidas à apreciação da assembleia, tendo sido aprovadas por unanimidade e aclamação.

 

Por razões de sobrecarga da agenda, ficou esquecida no forno a proposta de «quiche» da Ana, tendo a assembleia decidido apreciá-la mais tarde.

 

3. Por sugestão da sócia Rita F., o terceiro ponto da agenda foi brilhantemente antecedido por um pequeno (demasiado pequeno!) interlúdio ao piano pela sócia Rita V, que prendou a assembleia com melodias da sua lavra. Foi um momento único, que encantou, mas não saciou.

 

4. Reentrando na ordem dos trabalhos, o ponto 3 da agenda foi rapidamente abandonado em prol da discussão de alguns «faits-divers» e vários temas de actualidade, devendo enfatizar-se, pelo calor do respectivo debate, as seguintes questões:

 

- o homem do lar: vantagens e inconvenientes; 

- a blogosfera: grandezas e misérias;

- estado social versus economia do mercado, ou os riscos da conceptualização das praxis;

- escolhos da Justiça em Portugal.

 

5. A reunião foi encerrada por volta da uma hora e trinta minutos da madrugada - com profunda mágoa da assembleia, porque muito ficou por discutir – não sem que antes fosse aprovado um voto de louvor à sócia Rita V. e à presidente da mesa, Ana, pela eficiente condução dos trabalhos.

6. A próxima reunião será convocada, oportunamente, pela presidente da mesa, tendo já como primeiro ponto da ordem de trabalhos a apreciação da proposta de «quiche» referida em 2. – proposta que se espera poder analisar dentro do respectivo prazo de validade…

 

Esta acta foi elaborada em Lisboa, aos dezoito dias do mês de Outubro do ano de dois mil e nove, e será aprovada pelos sócios na próxima reunião.

 

*(comentadores e frequentadores)

 

 

 

Presenças:

 

Rita V. e  Walter

Ana V. e Manel

Luísa e Paulo

Rita F.

João Paulo e Teresa

Manecas e Isabel

João e Ana L. A.

Fuji e Mike

 

(Acta elaborada por: Luísa)

publicado por Ana Vidal às 23:40
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Quinta-feira, 15 de Outubro de 2009

Intervalo

 

Esta Porta vai ficar encostada por alguns dias,

para obras de restauro.

Voltaremos em breve com novo figurino.

Não fujam...

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Semibreves

Ana Vidal

 

Hoje é o Blog Action Day. Aqui fica o nosso contributo:

 

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Terça-feira, 13 de Outubro de 2009

Pocket Classic (A Educação Sentimental)


Marie Tourvel

 

O bilionário vai se perguntar: “mas que tanto a Marie fala do Flaubert?”. Falo tanto porque é um dos melhores. Escreveu poucas obras, mas todas de qualidade. Flaubert com seu ar de superioridade misantrópica com que contemplava o mundo nos ensina o que é ter prazer em ler. Todos na rodinha saberão sobre esta obra, talvez poucos saberão descrevê-la com precisão. Portanto, bilionário, não se preocupe. Siga-me e não tenha medo. Resumo:

 

Jovem ocioso ganha herança. E curte a vida adoidado enquanto olha fascinado o mundinho parisiense à sua volta.

 

Falar sobre a obra no meio dos intelequituais é relativamente fácil. O nome da personagem principal do livro é Frédéric Moreau. Tem conotação autobiográfica, pode dizer isso nas rodinhas. É uma evocação da juventude de Flaubert. As ilusões se perdem. Frase clichê, porém, limpinha. Diga que se trata de uma magnífica observação satírica da mentalidade da sociedade da abundância em Paris no século XIX, em que se via a exibição de bens e atitudes luxuosas. Mas não esqueça de dizer que é a Paris da revolução de 1848. Ah, Revolução... Os franceses sempre inventando bobagens.

 

A música só tem o mesmo nome do romance de Flaubert. Com rimas pobres, porém, limpinhas (Educação Sentimental - Kid Abelha - um nome de banda pop como esse a gente pode mudar para QI deAbelha sem alterar o significado do mesmo): 

 

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Segunda-feira, 12 de Outubro de 2009

Coentros e rabanetes

Manuel Fragoso de Almeida

 

 

Bem, vamos lá então deixar Olhão para trás, antes que o Mike desfaleça… ou que alguém vá observar o nosso bilhetinho do estacionamento junto ao cais de embarque para a Ilha da Armona. Não é preciso andarmos com grandes pressas que o nosso jantarzinho não vai ser longe.

 

Voltemos então à estrada, ou melhor à Via do Infante, até porque é melhor aproveitar enquanto não introduzem umas portagens para nos encarecer estas voltas gastronómicas…

 

Vamos na direcção de Faro, mas o nosso destino não é para essas bandas. Temos de satisfazer os que nos pediram para darmos umas dicas algarvias mais dedicadas ao interior, e por isso mais um bocadinho à frente estejam com atenção à direita, saída para Loulé, e sigam sempre em frente até entrar mesmo na cidade.

 

Não ficaremos por aqui, temos de subir sempre e sair realmente para a serra algarvia, em direcção a Querença. Aí sim, depois de percorrermos alguns quilómetros, com cuidado porque a estrada é mesmo da serra, estaremos chegados a Querença. Não sei se chegará a ser uma aldeia, parece mais um lugarzinho no cimo de um monte, mas o largo da igreja não nos deixa enganar.  Para além de alguns motivos campestres e uma lojinha de artesanato logo à entrada, lá estão dois ou três restaurantezinhos do lado esquerdo de quem está virado para a capelinha que fica no centro do pitoresco largo.

 

A minha proposta chama-se Restaurante de Querença, e em termos de morada mantém a mesma falta de imaginação porque, quem diria, fica no Largo da Igreja de Querença. Os petiscos são variados, aliás nada recomendáveis para quem tem de seguida de voltar a fazer uma estrada pela serra algarvia, mas eu destacaria os pratos de caça, e alguns alentejanos, levezinhos…

 

Já agora, como têm de passear por uns momentos a seguir ao repasto e o lugar é bem pequeno, não deixem de degustar um (pelo menos…) dos diversos licores, ou aguardentes das mais diversas especialidades. Não têm de optar sem ver. Para a mesa de jantar vem sempre um cestinho de verga com várias pequenas garrafas fininhas, cada uma delas com seu sabor. É portanto a hora de mandar o condutor passear por uns momentos e provarem dois ou três para apurar a selecção… se ainda for possível, obviamente.

 

Muito cuidado no retorno à Via do Infante, e sigam depois para os lados de Portimão, com calma que o próximo paradeiro fica antes desta cidade.

 

PS – Recomendo um telefonema prévio antes da ida porque não tenho a certeza de a qualidade que aqui apregoo se ter mantido passados alguns anos.

 

publicado por Ana Vidal às 10:00
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Domingo, 11 de Outubro de 2009

Adivinhe quem vem jantar?

 

Luísa

 

Abrimos os salões da Porta às sete, à hora do fecho das urnas – fazendo, desde já, votos para que as mesmas entrem em sono letárgico por muitos e santos Outonos, que de votações estamos de papo tão cheio, quanto de nervos franjados. É, aliás, para aliviar os efeitos desta deplorável «season» eleitoral, que vamos apostar num jantar ousado, inspirado na obra de alguns dos melhores «chefs de cuisine» da actualidade, um jantar que nos prenda os braços e a atenção a tachos e panelas, e sobressalte os cinco ou seis sentidos aos nossos convivas, permitindo desvalorizar as derrotas políticas que ainda houver que engolir. Estejam, de resto, descansados, que a nossa experimentação no domínio das correntes culinárias de vanguarda e das suas referências essenciais, a leveza, os sabores naturais e os produtos de qualidade, resistirá à tentação da caricatura do prato gigante com a ervilha biológica ao centro. Como portuguesas, sabemos como é importante forrar adequada e abundantemente os estômagos.

 

Entraremos, portanto, «a matar» com um «shot» de melão e pêssego com amêijoas marinadas, perfumado com coentros em grão. «Divertidos» os palatos com este promissor «amuse-bouche», propomos o conforto apaziguador de uma sopa quente de castanhas com aipo e natas batidas, guarnecida com o luxo discreto de umas trufas brancas de Alba, e ainda uma entrada de «carpaccio» de pato, enfeitado com gomos de citrinos e temperado com flor de sal e hortelã.

 

O tom está dado para um «conduto» que combine requinte e alimento: não resistimos, por isso, a testar-nos no desafio da confecção de um pregado suado em Porto seco, com xérem de arroz e cadelinhas, não obstante sentirmos dificuldade em decifrar umas quantas instruções da receita. Sugerimos, para o pregado, o acompanhamento de um branco do Douro Dona Berta, Vinha Centenária, Reserva 2008. Outro desafio será a preparação do «velho Ápis» em lascas de lombo, chambão e pivete («vulgo» rabo) emaranhadas no que o livro qualifica de «ilustre reunião». Parece-nos uma iguaria forte, que faremos acompanhar com feijão verde e batatinhas novas, colorir com ovos de codorniz e regar generosamente com o tinto ribatejano Quinta da Alorna, Reserva 2007, um vinho de aromas intensos e corpo redondo e equilibrado, que casa bem com carnes já «ilustremente» casadas.

 

Para sobremesa, reservamos a solução fresca e consensual de uma trouxa de maçã verde, mel, canela e nozes com gelado de baunilha, que não nos complique com o «sistema», por esta altura decerto sobrecarregado de afazeres digestivos nas duas frentes de batalha da mesa e do pequeno ecrã. Rematamos com o café e a nossa panóplia de maltes e licores, não esquecendo o bom havano para os apreciadores e o sortido fino de chocolates belgas.

 

Quanto ao nosso convidado-surpresa…

(Ai, Ana, que me esqueceu de o convidar!)

 

 

publicado por Ana Vidal às 10:00
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Sábado, 10 de Outubro de 2009

Moleskine

João de Bragança

 

Começara com o Meccano dos irmãos mais velhos depois de ter sentido a magia do Lego, não para a construção de casas, mas para a concepção de espaços industriais – “fábricas para fazer coisas”, como dizia - numa idade em que a normalidade estatística recomendaria o desejo do sexo oposto.

Passara, então, para os electrodomésticos. Numa primeira fase, com a perspectiva da autópsia e, numa segunda, com uma dimensão de curandeiro. Acabaria, se é que a expressão se pode utilizar em quem está no início da vida, a esmiuçar carros, numa dissecação cientista dos vários órgãos.   

O curso de engenharia mecânica veio como corolário lógico de uma mente e de umas mãos voltadas para as máquinas e equipamentos, electrónica e circuitos afins. Quando se instalou no bairro provocou aquela estranheza que por vezes antecede o respeito ou o sorriso. De facto, não era costume ver uma mulher – ainda para mais relativamente nova – à frente de uma oficina de automóveis.

Mas Andreia, com uma cara bonita num corpo equilibrado, impôs-se num mundo quase exclusivamente masculino. Se fosse preciso gritava, descompunha um empregado, falava-lhe de igual para igual – em termos de conhecimento, é claro, porque a hierarquia nunca foi questionada. Este convívio indiferente só com homens, totalmente imune a olhares concupiscentes de clientes e mecânicos (porque a relação profissional não inviabiliza o desejo) acabou por sujeitá-la a algumas suspeitas de orientação de vida íntima menos ortodoxas… Tornara-se, acima de tudo, numa mulher dura e intransigente. 

Duas vezes por mês, no recato de sua casa, Andreia recebe Madame Odille, uma francesa que tem o privilégio de umas mãos de fada e de uma sensibilidade de artista. Durante uma hora e meia a garagista aprende tudo o que é possível sobre pintura: os estilos, a história, a aguarela, o pastel, o lápis. Tem uma única exigência: os últimos trinta minutos são dedicados em exclusivo ao retrato, mesmo sem a presença de um modelo. Nos olhos de Madame Odille há um cintilar de desconfiança sempre que olha para um esboço ou uma obra acabada. É como se houvesse uma qualquer nota dissonante, ainda que essa dissonância esteja numa constância a que alguns chamarão monotonia. A mestra pressente, mais do que evidencia. Talvez seja dos seus 70 anos, de uma visão menos boa, de uma mão mais incerta, de uma memória que já tem dias.

Na sala onde há muito só entra a professora, Andreia, já sozinha, abre a gaveta da cómoda e espalha os retratos que tem vindo a pintar ao longo do último ano. A evolução é visível: as sombras, a perspectiva, a firmeza e a agilidade, o amor ao preto e branco. Estão lá, se calhar, 20 esboços, uns mais acabados do que outros. São todos do mesmo homem, e quase todas na mesma atitude: uma boca bem desenhada ainda que não especialmente bonita, um cabelo grisalho e ondulado, uns olhos infelizes que olham no vago, uma mão que se adivinha abandonada. Andreia olha-os com nostalgia. Põe uma música triste e chora sozinha, abandonada numa ilusão de dureza que ficou à porta da oficina.

Conheço-a bem. No fundo, no fundo, somos todos do mesmo bairro.

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Sexta-feira, 9 de Outubro de 2009

Lapsus Linguae

João Paulo Cardoso

 

 

"Soltem a Parede!" 

 

Se houvesse um top para o outdoor mais espatafúrdio da propaganda para as Autárquicas, aquele seria o número 1.

 

Em frente à Praia da Parede, e também num outro meio escondido atrás de um majestoso ulmeiro no Parque Morais, aparecia a patética figura de Ambrósio Teodoro, esgueirando-se por um buraco recortado no esferovite e ao lado, num estilo gráfico a fazer lembrar o "Star Wars", a frase "Soltem a Parede!" apelidada pela oposição de "slogan sem pés nem cabeça inspirado num concurso apresentado por um sem-pescoço".

 

Pondo-se a jeito dos seus inúmeros detractores, Ambrósio aparecia no cartaz como que vestido à Noddy, de camisinha Hugo Chavez vermelha, calções Pinto da Costa azuis e gorro Malan Bacai Sanhá na cabeça, um gorro que usava tanto na fila do Minipreço como numa ida à ópera, porque havia que desviar a atenção de uma calvície de aparência bizarra, que ganhava terreno acima das orelhas e junto à nuca.

 

Ambrósio Teodoro, 65 anos, paredense de gema, tinha fundado o MISPA - Movimento Independente Soltem a Parede três meses antes, numa casa de banho do MacDonald's a meio de uma convulsão intestinal após ter amarfanhado três Big Mac's.

 

A família foi a sua base de apoio.

Tal como dizia a matriarca dos Cadaval y Teodoro, Benedita, 126 anos de vida, "enquanto o Ambrósio estiver entretido a chatear os paredenses, não nos chateia a nós".

E o seu avô, nascido em 1834, batia-lhe nas costas e concordava com a sua menina, antes de sair para o seu jogging matinal.

 

A imbecilidade dos Cadaval y Teodoro tinha origem desconhecida.

A longevidade poderia se alicerçar na inquestionável virtude dos ventos marítimos que embalavam a Parede ou, quiçá, numa alimentação equilibrada onde os iogurtes e as saladinhas de pinhão davam o mote.

 

Ambrósio Teodoro era a excepção à regra.

Devorava pizzas, massas, hamburguers, pataniscas de bacalhau, pipis e moelas, como se o mundo fosse acabar no minuto seguinte.

 

Agora andava na fase das sandes mistas, só para se ufanar com um gutural "quero uma sandes mista! Mista não! MISPA!" diante dos empregados, metamorfoseando-se entre freguês e caçador de fregueses para a sua freguesia.

 

Na Parede, em Cascais, no Estoril até, todos conheciam, desprezavam e apedrejavam Ambrósio Teodoro, figura de repulsiva imagem, abominável carácter e flagrante inconstância política.

 

Tinha vestido e despido todas as cores.

A camisola do PSD.

Do PS.

Da CDU.

Defendera os Khmers Vermelhos, o Black Power, a Squadra Azzurra, o Greenpeace, e até o cabelo do Herman.

 

Valha a verdade, Ambrósio nunca desistiu.

E aí está ele a concorrer à Junta de Freguesia da Parede com o seu MISPA.

 

Não estranhe se encontrar na Parede cartazes com uma bizarra figura com os seus 210 quilos, apertados numa parede recortada de esferovite, parecendo grávido de uma ninhada de São Bernardos.

 

Mais que o "Soltem a Parede!", parece um "Soltaram o Godzilla!", uma espécie de alerta da Protecção Civil para todos os paredenses.

Salve-se quem puder.

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Quinta-feira, 8 de Outubro de 2009

Semibreves

Ana Vidal

 

 

Detenho-me numa frase do livro Jesusalém - belíssima prosa poética de Mia Couto - que fica a tilintar-me nos ouvidos como um eco de sinos tibetanos:

 

Todo o silêncio é música em estado de gravidez

 

O livro está cheio de frases felizes, mas acho esta de uma clarividência própria de uma alma em estado de graça. Como o silêncio, afinal.

 

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Quarta-feira, 7 de Outubro de 2009

Sou sincera

Rita Ferro

 

Assunto encerrado

 

 

Muita tinta tem corrido sobre o caso Polanski e os intelectuais europeus estão chocados com a prisão do cineasta. Tratava-se de uma miúda, mas, mesmo assim, os mais relutantes em condená-lo à fogueira especulam: «How young is too young?». Com tanta conversa ainda não percebi: houve violação e sodomia, ou o crime foi seduzir a menor? Cokie Roberts, escritora e jornalista laureada, dava-lhe um tiro e pronto. Aqui 

 

Quer comentar a atitude da senhora?

 

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Terça-feira, 6 de Outubro de 2009

Pocket Classic (O crime do padre Amaro)

Marie Tourvel

 

 

Outro Eça de Queiroz. Outro crássico do português influenciado pelo realismo dos autores gauleses de sua época. Eça é bom à beça. Rima pobre, porém, limpinha. Em minha opinião, bilionário, Eça foi o melhor escritor português de todos os tempos. Vocês podem argumentar, mas não toquem no nome de Saramago, pelamordedeus. Nem comendo muito arroz e feijão ele chega perto. Ao resumo:

 

Padreco sem vocação e medíocre da cabeça aos pés come uma tola paroquiana. Dá merda, mas não para o padre.

 

Nas rodinhas você se sairá muito bem, não se preocupe. Este é um livro fácil de comentar e os intelequituais não vão aporrinhar-lhe muito. Já comece falando que o romance é um ataque mordaz à hipocrisia religiosa e à pequenez da vida na província. Diga que o mais importante do Realismo foi substituir o subjetivismo romântico pela descrição da realidade externa. Arrasou, bilionário. Leia novamente a frase sobre o Realismo. Leu? Na primeira vez que leu pareceu meio difícil de decorar, né? Mas na segunda você pôde perceber a obviedade da frase. Não? Deixa pra lá. Fale que Eça tinha a intenção de pintar um quadro crítico da vida portuguesa. Não esqueça de comentar sobre as críticas que recebeu, inclusive de Machado de Assis. Os críticos diziam que Eça plagiava Émile Zola com seu Realismo de estilo Naturalista. Mas o autor não se fez de rogado e respondeu aos críticos com categoria. Daí foi inaugurado, em contraponto ao Realismo de estilo Naturalista, o Realismo Psicológico. Mas aí não entre muito no mérito porque é papo para muito tempo. E como você sabe, bilionário, tempo é dinheiro. Passe para outra rodinha. Como? Rodinha falando de Paulo Coelho? É que você foi para a rodinha de admiradores do presidente brasileiro, bilionário. Fuja daí que nada vai agregar ao seu já um tanto vasto conhecimento. Na outra rodinha devem estar falando de Thomas Mann. Aí agrega.

 

É de praxe eu colocar uma musiquinha nos “Pockets”, certo? Espero que gostem da que eu tasco hoje porque é do R.E.M. que eu adoro:

 

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Segunda-feira, 5 de Outubro de 2009

Azinhagas da memória

Manuel Fragoso de Almeida

 

Tanto quanto me lembro, foi o primeiro pic-nic a que fomos sem os pais.

 

Os culturais, que aconteciam nos fins-de-semana em visitas a sítios históricos, para que aprendêssemos, vendo, o que nos tinham ensinado nas aulas teóricas da terceira e quarta classe, eram organizados pelos nossos pais e cumpriam a rigor horários já devidamente coordenados com os dos museus e monumentos.

 

Lembro-me sobretudo da visita a Évora, do frondoso sobreiro que nos acolheu para o almoço, e inevitavelmente da Capela dos Ossos, que ainda hoje guardo na memória, tal a surpresa do “ambiente”…

 

Aquele foi diferente. Tínhamos uns treze ou catorze anos, e acabáramos de ser admitidos no Grupo de Nisa, onde todos os outros eram mais velhos que nós. O Sérgio, na altura, já andava na Universidade tinha para aí uns 21 anos, e se bem me lembro a mais próxima de nós em idade era a Bebé, irmã dele, que tinha uns 15 anos.

 

Necessitávamos de fazer boa figura e julgo que terá sido por isso que a minha avó Gabriela nos ofereceu um galo para levarmos para o almoço. A questão começou exactamente nesse pormenor sem importância aparente… o galo, corpulento e bem alimentado, estava ainda vivo! Levá-lo foi fácil, porque a viagem foi de carroça até à quinta dos meus primos, e portanto lá foi ele sossegado no meio dos restantes mantimentos e por entre os pés dos viajantes.

 

O problema começa quando, lá chegados, no meio de toda a algazarra alguém se lembrou de fazer a pergunta óbvia: Bom, então quem é que sabe matar o galo, e prepará-lo para o assar no forno? A segunda parte da pergunta nem era muito difícil, porque aquela quinta acolhia-nos todos os anos para ajudarmos nas vindimas e portanto estava equipada para as refeições para todo o rancho daquelas lides. Mas… e matá-lo, quem é que sabia?

 

Lembro-me que avançámos três corajosos para tal magna tarefa. Já tínhamos visto fazer a “operação” por diversas vezes, na cozinha das casas dos nossos avós, e não deveria ser nada que alguma dificuldade tivesse.

 

Os primeiros momentos, que não vou descrever para não afectar os leitores mais sensíveis, até nem correram nada mal. Nem faltou o habitual alguidar para o aproveitamento do sangue, não fosse algum cozinheiro mais “sabedor” querer iniciar-se numa cabidela. O problema real nasceu quando o trio de intrépidos algozes, dando por findo o seu trabalho, resolveu largar o animal e ir lavar as mãos ao tanque… ainda o sabão azul passava de mão em mão, quando pela quinta ecoava o cantar do galo moribundo…

 

Não contente com isso, e para envergonhar em definitivo o trio de ignorantes ajudantes de cozinha, ensaiava alguns passos cambaleantes, de cabeça pendurada do pescoço e mantendo quase sem fôlego uns acordes do seu cantar altivo.

 

Valeu-nos a caseira que entretanto apareceu, e que pelo meio de alguns impropérios que não posso aqui reproduzir, lá finalizou o nosso trabalho e preparou o bicho para o almoço tardio daquele dia de Setembro.

 

Não me lembro de ter comido uma perna que fosse daquela ave…

 

Ainda hoje, aliás, sempre que recordamos cenas marcantes das férias de Setembro em Nisa, esta não escapa. Ficámos com a fama eterna de peritos em ajudantes de cozinha que é necessário não contratar!

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Domingo, 4 de Outubro de 2009

Adivinhe quem vem jantar?

Luísa

 

O nosso convidado de hoje é um homem simples, mediano e apagado, sem nenhuma particularidade que atraia a atenção. Tanto que, em décadas de coincidência na mesma pastelaria do bairro em que ambos morávamos, e onde toda a discrição sucumbia às afáveis extroversões do senhor Silva* que tirava os cafés, nunca me deu nas vistas. O nosso convidado era um homem votado, na opinião local, a um destino sem história, linear e ortodoxo – salvo talvez no casamento, em que não é atípico que os homens mais triviais estabeleçam as associações mais sui generis. Assim aconteceu, de facto: tomou por mulher uma criatura ambiciosa, de aparência determinada e viril, que, segundo a vizinhança, não lhe fez a folha, mas certamente lhe compôs a agenda. Falatórios de vizinhança valem o que valem. Mas é verdade que, de repente, este homem que soubera, antes de Abril, fazer uma oposição judiciosa e, depois de Abril, conduzir pela esquerda de forma prudente e reflectida, se viu alçado às posições de maior relevo nacional, assumindo, em sequência ininterrupta, lideranças várias, do partido e da câmara ao próprio Estado. Adianta a vizinhança – sempre maledicente – que, no turbilhão dos pesados compromissos e responsabilidades, terá descoberto a competência de uma boa garrafeira de maltes. Mas não foi por isso que se tornou o Truman português. Se soltou a «bomba atómica», não foi por inspiração de um Cardhu, nem pelas razões que aduziu e que os anos já desmistificaram. Foi, sim, porque tinha uma dívida a saldar. Nem se pense que os lugares cimeiros da hierarquia do poder se alcançam, em Portugal, por mérito próprio; e que não há preços elevados a pagar.

 

«Reformou-se», entretanto, e usufruía, até há pouco, do sossego que é apanágio das lutas subtis. Mas eis que o diabo lhe reaparece a tentá-lo com o domínio, senão do planeta, do nosso jardinzito à beira mar plantado. Pressente-se nele alguma resistência, mais por preguiça do que por virtude. Nós é que não resistimos a saber o que lhe vai na alma e a tentar antever o que pode esperar-se da próxima corrida presidencial.

 

Recebemo-lo, pois, aqui na Porta, com o aconchego de um creme de coentros, aromatizado com azeite de noz-moscada. Tentamos, de seguida, emocioná-lo com umas almôndegas de mil sabores portugueses, acompanhadas com arroz de alho e regadas com um vigoroso tinto alentejano. E adoçamos-lhe, finalmente, a boca com uma sobremesa de peras cozidas em Porto seco, perfumadas com calda de chocolate negro. Se até essa altura não apurarmos as suas intenções, entram os digestivos. Temos pronto um pelotão de experimentados whiskies, capazes de arrancar confissões a um mudo… e, se nos diz que se candidata, de afogar a nossa profunda mágoa.

 

*Nome deliberadamente ficcionado, para que não haja rasto que ameace o anonimato das nossas fontes.

  

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Sábado, 3 de Outubro de 2009

Moleskine

João de Bragança

 

Talvez a farda do dia-a-dia – uma camisa branca, umas calças azuis escuras e uma gravata com o logótipo da empresa - fosse, de facto, o seu salvo-conduto para a pergunta demolidora:

 Queres falar sobre essa camisola? E tens a certeza de que gostas dessas meias?

Mas ele não se importava, ou importava-se e sentia a impotência – ou, quiçá, falta de vontade -, para enveredar por um caminho diferente no tocante ao seu guarda-roupa pessoal. E continuava a cruzar riscas com bolas, castanho com verde-claro, azul celeste com cores indefinidas, padrões modernos com tecidos improváveis. Tudo em nome de uma indiferença – ou de uma ignorância.

Os amigos riam-se – sendo que o riso era a sensação que se seguia ao espanto - e sugeriam que ele adoptasse a farda como vestimenta permanente.

Mantém o pijama, se quiseres, por desconhecimento nosso e pouco entusiasmo pela atracção do abismo.

Carlos, o administrativo do rent-a-car de maior sucesso nas redondezas, volta a sorrir com bonomia salpicada com uma indiferença que caracteriza a inteligência de algumas pessoas. Durante a semana usa a sua farda clássica; de noite, ou aos fins-de-semana, dá asas à sua criatividade mais louca - ou mais errada, porque loucura e erro nem sempre caminham juntos.

Para efeitos desta crónica não interessa o resto do calendário. Importa reter todas as últimas quintas-feiras do mês, momento em que o rapaz da visão desgovernada das cores e padrões convida a Cristina para jantar em sua casa. Nesse exacto dia, que se repete com a certeza da lua cheia e das marés, Carlos veste a sua melhor farpela: um fato completo cinzento-escuro, uma camisa azul e uma gravata com um motivo que não passa de moda. Era clássica no tempo do seu pai, será clássica no tempo hipotético do seu filho – imaginando que possa vir a ter descendência. Uns botões de punho discretos dão um toque de classe ao conjunto.

Socorramo-nos, agora, do lugar-comum: há frases que se repetem e que não perdem o seu encanto. Citemos o amo-te, mas, também, o que seria da minha vida sem ti e, nalguns casos, o que seria da tua vida sem mim. Cristina não fugirá à regra. Entra e beija-o numa sala que, embora modesta, está repleta de flores propositadas para aquela noite. Ardem velas aqui e ali, baixou-se a luz aos candeeiros existentes para que a penumbra inebrie os sentidos e convide ao erotismo. Cristina aloja dentro de si sensores que disparam na última quinta-feira do mês em casa do Carlos, empregado no ramo do aluguer de automóveis.

Depois do beijo longo e apaixonado, do aspirar do aroma das flores, e das velas que ardem romanticamente, a rapariga ajeita-lhe o nó da gravata e sacode-lhe a impressão de uma poeira nos ombros. E repete a frase, porque descobre encanto na rotina de algumas expressões.

Estás muito bem vestido.

Carlos sabe que Cristina é cega de nascença. Mas, mesmo que a inconsciência do mal não configure um pecado, não gosta de imaginar que ela está mentir.

Muito bem vestido, mesmo.

Conheço-o bem. No fundo, no fundo, somos todos do mesmo bairro.

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Sexta-feira, 2 de Outubro de 2009

Lapsus Linguae

João Paulo Cardoso

 

 

Manual para Escritores Lobisomens 

 

O que é necessário para se ser escritor?

Um misto de esforço e talento?

Imaginação desenfreada ou um caldeirão de vivências?

Viver exilado numa ilha vulcânica ou encetar relações íntimas com jovens escritoras brasileiras?

Ou, mais prosaicamente, um título que inclua a palavra "sexo"?

 

Não me leve a mal quem escreve profissionalmente e que ociosamente (em insano instante) me lê, mas dou grande relevância à última hipótese.

 

Não que seja necessário escrever a palavra "sexo" em todos os títulos, de todas as capas, de todos os livros, mas porque um bom título faz toda a diferença.

 

Espreite-se a obra dos dois pesos-pesados da literatura nacional, José Saramago e António Lobo Antunes:

 

Saramago é metafísica agnóstica com os seus "Ensaio Sobre a Cegueira", ou "O Homem Duplicado", ou ainda "o Evangelho Segundo Jesus Cristo".

 

Lobo Antunes é psicologia poética com títulos como o neófito "Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar?"

 

Se quereis ser um Lobo da literatura, devereis atentar na necessidade de nomear uma obra com ideias aparentemente desconexas.

Cavalos no mar que fazem sombra aos peixes é, apesar de estúpido, brilhante.

 

"Que Farei Quando Tudo Arde? " resulta melhor na época de incêndios e "Eu Hei-de Amar uma Pedra" soa a toxicodependência, mas é tudo de uma imaginação prodigiosa que causa inveja nas entranhas de esforçados blogueiros como o pateta que escreveu estas linhas.

 

Há mais.

"Exortação aos Crocodilos", "Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura", "Os Cus de Judas" e por aí fora, numa demonstração de genialidade ímpar ou de consumo regular de estupefacientes.

 

Tentei snifar estes inspiradores sopros de talento, sem recurso a alucinogéneos e, ainda sem sinopses, esboços, rascunhos ou sequer rabiscos, tratei já de nomear os meus primeiros livros.

 

- "Morreu-se-me o Amor Quando Chamo o teu Nome"

 

- "Aos Olhos do Céu os Homens Cegam na Terra"

 

- "As Cores da Alma Quando Canta"

 

- "Banho de Prata ou Chuva de Limalhas"

 

- "Já Se Matam Saudades Com Abraços de Urso"

 

Como se vê, não é fácil trilhar caminhos para ser um escritor Lobo.

Talvez seja mais livre de escolhos a perspectiva de ser um Lobisomem Escritor.

 

Seguir o sangue quente dos passos mundanos dos génios da literatura, quiçá namoriscar uma brasileira bem jovem, torneada sim, boas formas, mas melhor conteúdo, onde a inteligência abunda.

A bunda, sim.

Escritor é homem de grande ego, de grandes coisas.

 

O que é, então, necessário para se ser escritor?

Talvez um misto de Lobo e Lobisomem.

 

Não hei-de amar uma pedra mas escreverei, garantidamente, um livro intitulado:

"Em Terras de Verdade, Dar Abunda".

 

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Quinta-feira, 1 de Outubro de 2009

Semibreves

Ana Vidal

 

Há bastante tempo que não visitava o meu Statcounter, o que significa que tenho deixado sem resposta as lancinantes dúvidas dos que vêm parar a esta Porta em busca de conhecimentos vários (para todos os gostos, na verdade). Espero hoje redimir-me com estas achegas, atrasadas, é certo, mas com boa vontade. Dividi as dúvidas e perguntas por categorias, para demonstrar o meu interesse e verdadeira preocupação com os esclarecimentos. Espero ter sido útil. Até à próxima, inquietos leitores.

 

1. As íntimas

 

lembrança de aniversário de hímen patati patata

 

Muito me conta: agora os hímens também festejam o aniversário?? Sendo assim, dê os meus parabéns ao seu patati patata, que não só tem nome como tem um nome muito ternurento para quem tem uma vida tão curta. Uma lembrança de aniversário é que não tenho, que me apanhou desprevenida…

 

xtubefeminino 

 

Ora aí está uma boa sugestão de presente para um hímen! Ou só de um nome para o dito, para os mais forretas.

 

traques nome químico

 

Ó meu amigo, parece-lhe bem vir para aqui com essa conversa? Enfim, vou reencaminhar a sua dúvida para o João Paulo Cardoso, que é quem mais percebe desse assunto na Porta do Vento… mas, pelo resultado final, eu diria que tem alguma coisa que ver com ácido sulfídrico.

 

reclamação eurosilicone

 

Nisso é que não posso ajudar mesmo. Aqui não aceitamos reclamações de europlastias, temos pena.

 

2. As emotivas

 

devolve me o laço meu amor

 

Mas se eu não te roubei laço nenhum, minha doçura…

 

belezas masculinas em Lisboa

 

Quando? Onde?… dá-me uma notícia dessas e depois não deixa morada nem data? Não se faz!

 

3. As culturais

 

musica de zé aperta o laço

 

Olhe que anda desactualizado… agora a música é mais “zé aperta o cinto”.

 

os misseraves o que vc entendeu do livro 

 

Os misseraves não li, mas se se refere a Os Miseráveis, não vou cansar-me a explicar-lhe… você nem o título entendeu!

 

o quadro q dorian gay pintou

 

O Dorian Gay só pintou a manta, que eu saiba…

 

4. As policiais 

 

mistério do truque teoria da muralha da china 

 

Quem deve saber disso é o David Copperfield. Já experimentou perguntar-lhe?

 

padre joaquim matta na asseiceira, tomar

 

Livra! E quem mattou ele, os paroqquianos? Ainda bem que não sou de lá...

 

 

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Quarta-feira, 30 de Setembro de 2009

Novo blogue da Rita

 

Aviso à navegação

 

Nasceu um novo blogue: o seu nome é ACTO FALHADO e a autora é a nossa Rita Ferro. Não deixem de ir lá espreitar e comentar, que a coisa promete. Entretanto, a Rita continuará a ser sincera também aqui, às quartas-feiras como de costume.

 

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Sou sincera

Rita Ferro

 

Aroma a ruína 

 


 

O perfume Clive Christian's honrou-se este ano com uma edição limitada a cinco frascos - cinco -  feitos de cristal Baccarat e de gargalos cravejados de diamantes. 

Tão superlativamente chique que até baptizaram a edição: Imperial Majesty. Custa a ninharia de 35 MIL CONTOS. Fizeram-se cinco, venderam-se três. A marca é discreta e não revelou o nome dos compradores. Pudera! Eram executados no dia seguinte pelo Sindicato do Terceiro Mundo. Cheira-me é que o cheiro desta fragância - desculpem, deu jeito o pleonasmo - deve ser uma questão preety irrelevant, mesmo for those who can afford it. Para pindéricos como nós, então, é para nem cheirar.     

 

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Terça-feira, 29 de Setembro de 2009

Pocket Classic (Bouvard e Pécuchet)


Marie Tourvel

 

De volta. Pensaram que eu não voltaria mais? Ainda tem muito clássico pra queimar por aqui. Muito intelequitual pra gente azucrinar, principalmente moços que acham que sabem tudo, mas da vida não sabem nada. Fiquei doente, ainda não melhorei completamente, mas me deu saudades da Porta do Vento, de escrever por aqui. Quase eu não volto porque estou morrendo de vergonha por causa do papel ridículo do Brasil em Honduras. Fiquei imaginando meus amigos portugueses sorrindo e dizendo: “A Marie? Do Bananão? Aquele país que abriga em sua embaixada em Honduras um presidente deposto? Sei...” Quero deixar claro que não participei da trapalhada, ta? Ao contrário de Oliver Stone, considero o Chávez um ditador cafona, Zelaya um fanfarrão e Lula... bem, Lula é aquilo que vocês estão vendo, um apedeuta.

 

Mas vamos falar de coisas mais agradáveis. Volto com Flaubert. Um dia fiz um resumo de Madame Bovary, hoje faço um pocket de Bouvard e Pécuchet. Flaubert sempre nos ensina. Resumo:

 

Dois caras muito loucos se conhecem e amaldiçoam suas vidinhas de copistas. Um deles ganha uma herança e os dois partem para o campo a fim de estudar, ganhar altos conhecimentos. Desencantam-se e voltam a ser copistas.

 

Agora, bilionário, é a hora de mostrar todo seu conhecimento. Diga aos amiguinhos intelequituais que à medida que os dois desafiam as idéias preconcebidas ficam cada vez mais conscientes das inconsistências espalhadas nos seus manuais. Diga que eles consultam monografias, enciclopédias e falham catastroficamente nas suas experiências. Lamentam e passam para outra. E desistem para novamente ser copistas. Diga que a obra foi publicada de forma inacabada e postumamente. A obra revela uma dramática paixão pelo conhecimento, expresso pelo entusiasmo dos heróis por uma variedade de temas. Comente principalmente sobre as desilusões dos nossos heróis. São as nossas, bilionário. Quer um exemplo? Nós somos Bouvard e Pécuchet, os políticos são a destruição de nossas lavouras. Pronto, fiz ao menos uma analogia diogomainardiana com esta obra maravilhosa do autor. E tem uma segunda parte que vale mencionar que é o “Dicionário das idéias feitas”. Não comente muito sobre ele, bilionário. Saia de fininho porque alguns intelequituais podem se ofender.

 

Música crédula para post nem tanto: 

 

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Segunda-feira, 28 de Setembro de 2009

Azinhagas da memória

Manuel Fragoso de Almeida

 

Pois hoje, não me vou fazer à estrada para vos dar mais ideias de repastos gostosos.

 

Fico-me por Lisboa e também por um almocinho, mas recatado, no mesmo local de outros encontros com os mesmos artistas, e também um pouco apressado para quem em plena sexta-feira tinha ainda de trabalhar da parte da tarde. Lá estiveram o João, a Ana e eu próprio, e uma convidada, a minha filha Catarina que tenta agora iniciar-se no mundo do trabalho, na opção profissional por ela escolhida.

 

Mas porque raio é que eu me lembro de voltar a estes almoços, mesmo que justificado com esta conviva especial? Para agradecer seguramente aos presentes, mas sobretudo para vos dar conta da sensação especial que pessoalmente guardo deste almoço, do que significa deixarmos fluir a amizade, alegre e serenamente, para a geração dos nossos filhos.

 

Estivemos ali, descobrindo caminhos para a Catarina, com e-mails e prevenções cautelosas da Ana, com troca de números de telefone e contactos imediatos do João, e obviamente com a minha estafada mania de contar mais uma história, de me lembrar de mais uma cena complicada pela única discoteca (?) que seguramente existia nos finais dos anos setenta em Ayamonte.

 

Era um mundo estranho, o que descrevíamos para a Catarina, com fronteiras com Espanha a fecharem à meia-noite (até porque não havia mais barcos a partir dessa hora), com pensões que nos davam a chave para abrirmos a porta se nos atrasássemos e chegássemos depois das 11 da noite, sem telemóveis…

 

Dali sobressaíam sobretudo as gargalhadas, os risos menos contidos, as memórias revividas de um trio de amigos, que passava para ela, um pouco incrédula, uma estranha forma de vida, mas também o viver dum simples sentimento de amizade…

 

Deixamos várias hipóteses de caminhos e de ideias. Talvez a Catarina tenha ficado mais sentida e tocada por voltar a ver aqueles amigos do pai, que depois de alguns anos passados ainda se recordam de tanta asneira!

 

Mal sabe ela… enfim…

 

Ao João e à Ana, aqui ficam os meus agradecimentos, sobretudo por aquela sensação inolvidável de podermos passar esta gostosa amizade simples para os que nos seguem. É ela que enfeitará as bordas do caminho que a Catarina seguir.

 

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Domingo, 27 de Setembro de 2009

Adivinhe quem NÃO vem jantar?

Luísa

 

 

Era o senhor que se seguia na lista, porque há mistérios no seu historial que gostaríamos de desvendar. Nomeadamente, certos mistérios que dizem submersos no lodo da política e talvez mesmo nas nossas águas territoriais. Mas interessava-nos, sobretudo, estudar a sua hiperactividade e compreender o mistério – outro! - da extraordinária energia de que dá provas em condições de campanha; o voluntarismo com que defronta os excessos entusiásticos ou críticos do pequeno comércio ambulante e da pequena lavoura, doutrinando, com incansável espírito de missão, sobre um ideário que parece ter na classe profissional dos taxistas a sua primeira base de inspiração e apoio. Tentámos contactá-lo pelo telemóvel. Mas, infelizmente, a algazarra, do outro lado, pontuada de regateios e pregões num fundo de «muás», inviabilizou qualquer troca de palavras e desistimos do convite.

 

Passámos, portanto, ao segundo candidato: um homem cujo olhar vagamente alucinado, o discurso cuidadosamente soletrado, a altivez intelectual e a pose de grande pregador de altar, convocando o fogo purificador contra os satânicos agentes do capital, interpela a nossa viva curiosidade antropológica. É desta massa, sabemo-lo, que se fazem os fundamentalistas; e é nestes crânios que, em contradição com as suas costumeiras concepções igualitárias, germinam umas incompatibilidades «manientas», umas fobias sociais. No caso do nosso candidato, o objecto delas sendo, surpreendentemente, não a já mencionada classe dos taxistas, pelo motivo aceitável do seu vernáculo realmente hostil, mas a classe das técnicas de vendas de pescado fresco, pelo motivo inexplicável do seu vernáculo inofensivo, mas pitoresco, tido por pouco «sério». Infelizmente, vimo-nos forçadas a abandonar a hipótese do convite, porque a nossa cozinheira, solidária com as amigas da peixaria, jurou greve.

 

Considerámos, ainda, o terceiro elemento da lista. Movia-nos, na sua escolha, a simpatia que votamos aos homens esforçados, coerentes, espontâneos, alegadamente bons maridos, pais e avós. E o exotismo do contacto com um «último dos moicanos», ou com o sobrevivente de um tempo de fronteiras ideológicas claras e duros mas apaixonados combates, que se apagou com o século XX. Infelizmente, sondado para o convite, declarou-nos que a sua perene luta em prol das classes que detêm empregos - conceito equívoco, que não sabemos se inclui taxistas e peixeiras - conhecia, esta noite, mais um momento de clímax, que não lhe permitia abandonar a legião da Soeiro Pereira Gomes.

 

Assim sendo, porque o dia é o dia que é, resolvemos não fazer quarta tentativa. Demos folga ao pessoal e aqui estamos, fixas no pequeno ecrã, esperando poder discernir, na noite escura que se avizinha, a luz da velha estrela que aponta o Norte. Mas deixamos a Porta aberta para quem queira juntar-se a nós no comentário e no bem ou maldizer; e se contente com os nossos, por sinal saborosíssimos, ovos estrelados. 

 

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Sábado, 26 de Setembro de 2009

Moleskine

João de Bragança

 

- Dá-me 1 kg de bifes, Sr. Josué? Mas importa-se de os cortar fininhos? E de me tirar a gordura antes de pesar?

- E quer que eu lhes faça uma massagem também? Ou uma lipoaspiração? Se quer fininho fale com o Rui Veloso, que essa música era dele.

Ou então:

- A carne é boa, Sr. Josué? Queria uma peça macia mas barata, que o tempo não está para mais.

- Ah sim? E mais alguma coisa? Um bilhete premiado, talvez? Mas que eu lhe oferecesse, é claro, que o tempo não está para mais…

Os diálogos como o dono do talho não variam muito. Pedidos simples respondidos com frases agrestes, simpatias matinais retorquidas com azedumes permanentes. Ao Sr. Josué vale-lhe a qualidade da carne, além de não haver alternativa num raio de quilómetros. A freguesia no talho não diminui, só diminui a esperança de que o feitio do talhante melhore. Os dias passam e nada acontece, para além da carestia da vida, das pensões de miséria, do preço dos medicamentos, do desrespeito das gerações mais novas. No Sr. Josué, tal como na Nação, já muitos descrêem uma mudança.

Duas vezes por mês, às 4ªs feiras, o talhante despede-se da mulher com dois beijos rotineiros e um até logo indiferente. D. Lucília, sentada num sofá a descascar favas e a ver a novela do fim de tarde, repete-lhe a pergunta quinzenal com o interesse das coisas vagas:

- Vais jogar sueca?

- Sim, vou.

Por volta das onze da noite o Sr. Josué, comerciante agreste que tem do serviço ao cliente uma visão muito própria, entra em casa e saúda a mulher com outros dois beijos curtos, com uma intensidade e afecto só muito ligeiramente diferentes. As favas estão descascadas mas a saga da novela continua – outros personagens, outros cenários, outro enredo.

- Ganhaste?

O talhante não devolve o olhar porque D. Lucília não olha para ele, que o seu interesse está em saber se a outra do conde ascenderá a esposa legítima. O olhar do talhante atravessa paredes e pessoas e pára num ponto no infinito que só ele vê. Há uma hora, um local, um personagem e uma actividade que definem as coisas da vida de cada um, mesmo se resguardadas de olhares terceiros: entre as seis da tarde e as dez da noite, às 4ªs feiras e duas vezes por mês, o industrial das carnes cortadas a jeito, um lar de idosos perdido nos arrabaldes da sua freguesia. Ali, na miséria da terceira idade abandonada à sua sorte, há velhos a precisarem de banho, de uma muda de fraldas, de casas de banho lavadas, de camas mudadas, de sopas ralas dadas em bocas sem dentes.

- Ganhaste?, repete a esposa do Senhor Josué, esperançada na ascensão da amante a condessa com palácio e gelo permanente no balde.

Dos olhos do homem que retira a gordura antes de pesar os bifes rolam duas lágrimas grossas, pesadas, cheias de sentimentos contraditórios.

- Talvez mais do que mereça…

Conheço-o bem. No fundo, no fundo, somos todos do mesmo bairro.

 

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Sexta-feira, 25 de Setembro de 2009

Mudanças

 

Para o incauto leitor que tem entrado por esta porta nos últimos dois dias e já viu dois posts apagados após uma ou duas horas, impôe-se uma explicação: vai haver mudanças na Porta do Vento, que depois explicaremos. Mudanças de forma e não de conteúdo, convém sublinhar, antes que alguém conclua que existe alguma guerra entre mim e a Rita Ferro, autora dos posts em questão. Nada disso: o que se passa é que temos estado a fazer experiências de postagem directa, e nem sempre sou tão célere como gostaria a apagar os resultados dessas experiências. Portanto... tudo como antes, quartel em Abrantes. Acontece apenas que o quartel terá soldados autónomos e livres, em vez de um general chato (que sou eu...) a mantê-los na forma. Mas em breve saberão mais novidades. Até lá, continua o baile como até aqui.

 

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Lapsus Linguae

 

João Paulo Cardoso

 

Vota D. Sancho 

 

Domingo seremos chamados a votar.

Entregar-nos-ão uma tira de papel higiénico com uns 15 partidos, movimentos e coligações, uma série de émes e pês, sem mais nem porquês.

 

Há quem diga que é tudo o mesmo cócó.

 

Deve ser por isso que somos direccionados para uma casinha, com a tal tira de papel higiénico na mão, quer tenhamos ou não vontade.

 

Lá chegados, constata-se com espanto que não há uma sanita, uma retrete, um cagatório, um buraco no chão que seja.

Apenas uma caneta, ainda por cima amarrada a um cordel.

Isso tem razão de ser e eu já lá vou.

 

Antes disso, vista um casaquinho que vamos até ao Inverno do ano 1200.

Não se preocupe que voltamos antes do jogo com o Benfica.

 

(Enquanto viajamos para 1200, queria saber se está tudo bem aí por casa.

Está? Isso é que é preciso.

Então e este calorzinho de início de Outono, an?

Ah! Chegámos!)

 

No tempo dos reis é que era.

Ninguém nos chateava ao domingo para ir votar, no máximo seria dia para lavar o burro numa estação de serviço, ou espancar um ou dois mouros ao fim da tarde.

 

Não se escolhiam chefes de governo, porque era mais do que certo que seria o rei, e depois o filho, e o filho dele, às vezes um sobrinho, ou, em último caso, um bastardo.

 

Eu gosto da palavra "bastardo".

Soa-me a perversão, a forróbodó, até a labasquice.

 

"Ai, não sei quê, quem é que nos governa agora?"

"O bastardo!"

"Por mim tudo bem."

 

Em breve poderemos votar até por sms, mas naquela altura não havia telemóveis.

A cozinheira do reino chegava ao pátio do castelo, com uma enorme panela vazia às costas, batia-lhe com um presunto, e bradava para as ameias:

 

"O almoço vai ser servido!!!

Hoje é mão de vaca com feijão!!!"

 

E desatava tudo a correr escadas abaixo, empurravam-se e chamavam nomes uns aos outros.

 

Sobretudo àqueles que, nas torres mais altas, esventrados pela fraqueza, caíam lá de cima com fanicos que culminavam com uma violenta aterragem em cima da panela.

Ficaram conhecidos por um nome que ainda hoje vinga, quando se trata de enxovalhar rapazes que gostam de dar a panela...

 

Os únicos partidos que existiam, eram os que vinham das zaragatas com os árabes e algumas meninas menos afortunadas que iam buscar água a fontes mais distantes da aldeia.

 

"Mãe!! Partiram-me a bilha!!!"

"Valha-me nossa senhora!! Querem ver que vou ser avó aos 27 anos?!"

 

Não havendo partidos políticos, evitavam-se aqueles confrontos patéticos entre esquerda e direita, a não ser na hora de sentar à mesa com o rei D. Sancho, por exemplo...

 

"Meus amigos:

Vou-me sentar aqui ao centro, com esta vadia em cima do joelho, e vossemecês sentem-se à esquerda e à direita, que o javali vai já, já, ser servido!"

 

Os comensais esvaíam-se em júbilo, roncos de estômago e um ou outro traque.

 

"Viva D. Sancho que não se esquece do rancho!"

 

"Acontece que... meus súbditos... palhaços... labregos em geral..."

 

Silêncio.

Três ou quatro convivas escarafunchavam a penca, e caçavam macaquinhos que mastigavam discretamente para enganar a larica.

Foi assim que nasceu a pastilha elástica.

 

"Acontece que não há javali para todos.

Eu vou ficar com a parte maior e só porque noto que, com a fome, não vedes nada à vossa frente, e em terra de cegos, quem tem olho é rei.

O resto do javali... enfim... entendam-se!"

 

"Ah, partes iguais para todos!", clamaram os que se sentaram à esquerda.

"Não senhor! Mais javali para quem mais produz!", exigiram os da direita.

 

E teria sido assim que começaria a confusão, não fosse ter sido servida uma vinhaça do catano, que fez com que o assunto ficasse esquecido durante 800 anos.

 

Como se sabe, só em 1975 é que um grupo de barbudos revolucionários, apercebendo-se que o javali continuava a ser mal dividido, decidiu-se pela realização de eleições.

 

E então...

Ó JP, magnânimo historiador do reino de aquém e de além mar... porque é que existe uma caneta amarrada por um cordel nas "casinhas de voto"?

 

Nunca ouviu dizer que a caneta é uma arma?

 

Estipulou-se que o eleitor está autorizado (e peço já desculpa pela frase de duplo sentido que vem a seguir...) a enfiá-la com toda a força no olho de um rei ciclope que apareça por ali, mesmo que garanta ser dirigente do PPM.

 

O cordel é só para dar graça.

 

 

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Quinta-feira, 24 de Setembro de 2009

Semibreves

Ana Vidal

 

 

À FLOR DA PELE

 

Toco, teço e entrelaço

Com dedos de descobrir

Lanço redes num abraço

À flor da pele me desfaço

Na vertigem de sentir

Tudo é matéria, se é tempo

De epidérmicas razões

Danço num sopro de vento

Rasga-me cada tormento

Gelam, queimam, emoções

  

E todavia, invisível
Eterno e primordial

Corre o rio do intangível

Imperioso, indefinível

 

Matriz de tudo, afinal

 

(Imagem: René Magritte)

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Quarta-feira, 23 de Setembro de 2009

Sou sincera

Rita Ferro

 

Até à Eternidade! 

 

O espantoso desta era é sabermos que diariamente, algures no Mundo,  

surge um carola capaz de nos surpreender. É o caso. 

O vídeo que trago hoje é de Marco Brambilla e é projectado DENTRO DOS ELEVADORES de uma cadeia de hotéis norte-americana, com uma intenção simbólica: mostra a quem sobe uma ascensão aos céus, e, a quem desce, uma descida aos infernos.

 

É uma visão perturbadora – embora kitsch, para meu gosto -  não apenas pela escolha de Stravinsky para o fundo musical como pelo épico de imagens apocalípticas  que nos cruzam os olhos e a mente como um pesadelo,

um aviso divino ou a versão futurista de uma parábola de Bosch.

 

Lástima que não seja possível vê-lo em HD e 3D,

pois a experiência seria ainda mais inquietante.

 

Com atenção, talvez reconheça algumas das imagens que vai ver, certamente extraídas de filmes, pelo que a negociação dos direitos autorais não terá sido fácil.

Ignora-se se a projecção se suspende quando o elevador chega ao destino, ou se, lá em baixo, os empregados da Recepção já se permitem brincar com os hóspedes recém-chegados, no momento de lhes estender a chave:  «Your room number is the 2016, at the 15th floor, right next to the purgatory. Have a nice journey, sir!»

 

 

Ah, fundamental: clique sobre o ecrã

para apreciá-lo em tamanho grande (full screen mode)

 

 

 Goste-se ou não,

é uma fantasia inspirada e engenhosa.

 

Que sensações lhe trouxe?

 

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Terça-feira, 22 de Setembro de 2009

Para a Marie

A nossa Marie está doente e por isso não conseguiu mandar o seu pocket desta semana a tempo. Manda um beijo para todos e garante que estará fina na próxima terça-feira.

 

Aqui fica uma musiquinha para ela, com os  votos de rápidas melhoras. Não foi por acaso que escolhi esta canção: se há quem nos demonstre que "nem toda a brasileira é bunda", esse alguém, definitivamente, é a Marie.

 

Cá te esperamos para a semana, Marie, já refeita e de novo "mais macho que muito homem"! 

 

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Segunda-feira, 21 de Setembro de 2009

Coentros e rabanetes

Manuel Fragoso de Almeida

 

Obtida a necessária autorização da menina Ana, aqui vamos nós iniciar uma volta por alguns sítios da gastronomia de Portugal, com um pré-aviso: desfazem, quase todos, as tímidas tentativas de dieta de quem tiver a paciência de me ler, e sobretudo comprovar demoradamente as recomendações que vos deixo. As férias de Verão já lá vão, por isso é somente uma questão de optarem por um furo do cinto mais favorável…

 

De quando em vez poderei parar num sítio recomendável para o efeito, e sugerir-vos também uma estadia diferente, relaxante, perto da praia ou no campo, para um fim-de-semana de repouso, ou adequado à leitura serena de um livro, e inspirador de novas escritas e novas estrofes das escritoras afamadas.

 

Estávamos perto de Manta Rota e Tavira, e se calhar vamos seguir viagem pela Via do Infante (para eu ter não me demorar nos limites de velocidade da EN 125, e a Ana me dizer que o texto ficou muito longo…). Também não vale a pena acelerar muito porque vamos sair inevitavelmente para Olhão, onde mora um casal, o Zé e a Ângela, e uma família a que me ligam laços duma grande amizade desde os tempos da universidade.

 

O mais simples é seguir as indicações do porto, depois de passar pela nova zona industrial e seguirem mesmo até ao cais de embarque para a Ilha da Armona.

 

Já chegaram?

 

Então arrumem o carro pela zona das “docas” (quem diz que só há docas em Lisboa?), e perguntem o melhor caminho para chegar ao restaurante do “Zé Manel”. Fica no fim duma rua estreitinha que vai dar à marginal das docas, e não vale a pena perguntar pela “Casa de Pasto – Algarve”, o verdadeiro nome, porque se calhar ninguém o conhece. Chegando em cima da hora também não se dispersem pela visita à nova marina ou pelos novos apartamentos que ficam mais para o fim da avenida. Essa é uma hipótese dum passeio digestivo.

 

Bom, agora já sentados na esplanadazinha do restaurante, têm obrigatoriamente de entrar nas boas graças do Zé Manel (as histórias sobre o seu mau humor têm graça, porque se passaram com outros clientes), e de seguida deixar-se conduzir por este viúvo, verdadeiro patrão omnipresente do restaurante, mas que dirige uma cozinha divinal.

 

Uma ajuda? Avanço, sem medo, para os filetes de lingueirão e sobretudo umas lulinhas em caçarola de barro, que são uma maravilha. Mas é bom tomar atenção que as especialidades são muitas (e podem variar consoante o dia), e sobretudo… ter sempre presente que quem manda é o Zé Manel, até porque a figura recomenda que assim seja.

 

Nós queríamos provar quatro pratos, repartindo entre os dois casais ao gosto de cada um, mas fomos logo avisados: “Não, comem lingueirão e as lulinhas que estão muito boas!” Comemos, sim! E efectivamente foi necessário o passeio nocturno pela nova marina, pela vista dos apartamentos, etc.

 

Até à próxima viagem, mas até lá… uma aguinha das pedras talvez não seja mal pensada, e sobretudo, deixem passar o efeito das imperiais bebidas ao jantar.

 

 

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Domingo, 20 de Setembro de 2009

Adivinhe quem vem jantar?

Luísa

 

 

Há muito que «atravessou a raia equatorial». O cabelo encaneceu e a bochecha roliça descaiu, mas, fazendo fé no que diz, não descaiu mais nada. É, aliás, um jovem de espírito, activo e vigoroso na crítica, ainda que não impressione pela penetração ou pela objectividade com que avalia o que vai pelo mundo, confundindo, frequentemente, o trigo com o joio, nutrindo afeições caprichosas por umas figurinhas que só não se estranham no poder, onde o exercício do poder tem contornos circenses, e revelando pontos de vista eivados de um marialvismo - que é, confessamos, onde as nossas divergências se radicalizam. Mas já tudo se lhe perdoa, e não só pelo respeito devido aos da sua geração. É sabido como se bateu e sacrificou em defesa das suas convicções, amargando um «exílio» parisiense nos idos de sessenta. E como, regressando depois ao país «libertado», ainda terçou armas contra certas forças inimigas do progresso; o que fez para soltar do jugo comunista esta nossa humilde quintinha; e o que arengou para soltar do jugo colonialista as quintinhas ultramarinas, para regozijo de quantos viram, na reviravolta, a oportunidade de, com uma mão à frente e outra atrás, retornar ao solo pátrio. É, enfim, um homem culto e de boas famílias, que escreve livros e gere fundações. É o político paradigmático, capaz de, com imperturbável serenidade facial, afirmar hoje o que negava ontem. E é, pela autoridade que lhe confere uma vida de intervenção aos mais altos níveis, o «intocável» – ou, pelo menos, o mais vistoso «senador» - do regime. Aqui, na Porta do Vento, estamos nervosíssimas na expectativa de o receber.

 

Subsistem incertezas quanto ao «menu». O convidado parece ser um bom e popular garfo, amigo do cozido, da açorda, do rancho e da caldeirada. Mas o seu estatuto faz-nos pensar noutros requintes ou «cosmopolitismos» gastronómicos: numa canjinha de perdiz com cebola e hortelã, nuns salmonetes no forno com tomate e alecrim, num bifinho do pojadouro com manteiga de coentros, num pudim de castanhas com creme de amoras, num Barca Velha tinto ou num precioso Colares… Nada, contudo, que possa classificar-se sob a etiqueta minimalista de «nouvelle cuisine» ou de «cozinha de autor». O nosso convidado quer uma refeição; não uma prova. E nós queremos tê-lo de boca cheia desde o princípio até ao fim do serão. É que, nesta altura do campeonato, julgamos dever defendê-lo da tentação de nos vender as suas soluções ideológicas, que cada dia se nos afiguram mais utópicas, mais equivocadas e mais distantes da realidade de uma esquerda nacional e europeia – senão planetária! - vincadamente conservadora. E defender-nos a nós de lhe dar a luta verbal que merece, de receber em troca, embrulhada no sorriso mole e condescendente que lhe conhecemos, uma alusão amesquinhante à nossa condição de donas-de-casa e de ter de lha fazer «engolir» imediatamente, com as espinhas dos salmonetes ou os nervos do bife. 


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Sábado, 19 de Setembro de 2009

Moleskine

João de Bragança

 

 

Roubara mobiliário para decorar sedes revolucionárias com cheiro a cigarros ilícitos; ajudara a sanear professores universitários cujo nome bastava para atemorizar o pessoal discente;  lançara à rua obras de arte, num exercício de defenestração do burguesismo diplomático estrangeiro. A idade, os cabelos brancos, algum cansaço, talvez, levaram-no a caminhar para a direita, que é para onde corriam os bons nos filmes de cowboys. Resvalando de partido em partido, numa espécie de queda quase livre na direcção do extremo, aterrou na última agremiação do espectro partidário e que lhe serviu de batente. No esplendor da carreira política chegara a presidente da junta de freguesia.

Fruto de um discurso crescentemente inflamado – e de uma quase imperceptível perturbação do espírito - entrou numa rotazinha de colisão com a lucidez da mente. Fala-se em imigração e o cavalheiro abespinha-se, alegando que a calçada portuguesa já fala ucraniano, o ferro de engomar foi tomado de assalto por umas havaianas e calções, os pedintes na rua perturbam o sossego das mentes cristãs com gemidos em moldavo; menciona-se o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o presidente brama contra o nojo - o asco, mesmo - o pão e o circo, a porcaria de homens que por aí há; refere-se a adopção de crianças por homossexuais e o senhor leva as mãos à cabeça, sugerindo bengaladas queirosianas em público.

Senta-se todas as tardes junto à praia, num café onde só trabalham portugueses de terceira geração – no mínimo – envolvendo os correligionários com um olhar onde se sente determinação:

- Sabem? Existe a fogueira que purifica para sempre, o barco que parte sem regresso, a cadeia que amansa os vícios. Escolham o que quiserem, mas agora tragam-me uma sandes de queijo limiano num pão de Mafra. Nada de pãozinho aparado, que isso é para maricas.

O senhor presidente encerra a Junta e dirige-se a casa onde vive sozinho desde que a mulher o trocou por um rapaz de Ulan Bator, portador de cartas registadas. Fecha as janelas para manter uma privacidade impenetrável e veste uma tanga negra com um lustro que confunde. Liga o karaoke e, quando a música começa a tocar, todo ele se agita  num frenesim de sensualidade

Quand il me prends dans ses bras

Il me parle tout bas

Je vois la vie en rose

Duas vezes por semana, quando os telejornais vão a meio, recebe a Roberta - uma negra de Porto Galinhas e que as más-línguas alegam já ter sido Roberto – para uma série de duetos exclusivos de George Michael e Ney Matogrosso. Faz amor com ela ficando sempre por cima, não porque aprecie os missionários, mas porque gosta de demonstrar que há posições de chefia a respeitar. Depois fuma um cigarro e retoma o discurso da cadeia, da fogueira, do barco sem regresso, da corja negra e de leste. A brasileira, dengosa e suada, vai à casa de banho e toma um comprimido, porque o médico disse que tinha de ser assim até ao fim da vida.

Conheço-o bem. No fundo, no fundo, somos todos do mesmo bairro.  

 

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Sexta-feira, 18 de Setembro de 2009

Lapsus Linguae

João Paulo Cardoso

 

 

Os Políticos Fedorentos 

 

O tchuca-tchuca das audiências ameaçava deixar a SIC na gare de Carnaxide quando a estação abriu portas e janelas, para algo mais do que ver passar os comboios e apostou numa espécie de tapas televisivas para o serão, até porque está na moda piscar o olho a Espanha; começou com o Ronaldo e a tal Nereida.

 

Vai daí, a televisão da auréola multicolor, lançou petiscos como pataniscas de sereias em parede de esferovite, às vezes demolhadas em piscina, e o tal TGV que, presume-se Manuela Ferreira Leite não via nas noites de domingo.

 

Depois, a direcção de programas lembrou-se de uma patuscada que poderia abrir o apetite dos teleespectadores, as saladinhas de política light, com a série "políticos como nunca os viu, e vai-se a ver são parecidos com os seus vizinhos".

E a seguir, as entrevistas feitas por gatos que esmiúçam sufrágios.

 

O processo de tingimento da política, do cinzento para cor de rosa, para mostrar que "eles são humanos como nós", ainda agora começou, e o filão parece inesgotável.

 

Aqui vão algumas ideias:

 

"Votos de um Bom Lanche"

 

A SIC acompanha os lanches dos candidatos e transmite a ida de Sócrates a um salão de chá na Lapa e a luta entre a placa dentária de Jerónimo e um tenaz coirato na Festa do Avante.

Manuela Ferreira Leite e o método utilizado para deixar uma papa Cerelac bem fofinha e saborosa para o seu netinho é uma das edições mais esperadas.

"Eu gosto de mexer muito bem a papinha com esta colherzinha de pau, que já era da minha bisavó, e assim eliminar os grumos da papinha. O 'piqueno' até se derrete todo!!"

 

"Partidos no Ginásio"

 

Imagens de um Louçã suado no ginásio, Manuela molhada na piscina (ann... esqueçam), Sócrates com os bofes de fora no jogging, Portas a percorrer a Ovibeja de trotinete e Jerónimo numa luta corpo a corpo com... ann... deixem ver... um coirato na Festa do Avante, poderiam ser bons catalisadores de audiências.

"É a minha primeira vez de trotinete na Ovibeja, mas já cá estive anteriormente de patins. Pelo menos a julgar por anteriores decisões de antigosa dirigentes do CDS-PP. Mas voltei e aqui estou a deslizar como uma pena!"

 

"Políticos com Tomates"

 

Quais as preferências dos cinco principais candidatos às Legislativas no momento de escolher verdura para a salada?

Ferreira Leite preferirá o Minipreço e Sócrates, o Continente? Portas opta pelas lojas gourmet do El Corte Inglés?

Jerónimo de Sousa deverá ser mesmo fiel cliente da Reforma Agrária? Louçã manda a empregada ou vai ele à mercearia do Sr. António?

Como é que escolhem os tomates? Apalpando-os?

A palavra a Ferreira Leite:

"Prefiro apalpar os tomatinhos mais maduros que os verdes. Apalpar verdes parece-me coisa mais à CDU..."

 

"O Kamasutra de S. Bento"

 

As cameras da SIC no último reduto da intimidade dos candidatos.

Na hora de fazer o amor, qual a posição preferida de Jerónimo? Pela esquerda?

Manuela à direita?

Portas... bem ao centro?

Gemem? Guincham? Arfam?

Fazem coligações?

"Na cama, sinceramente, tanto sou o 'animal feroz' como o 'bonzinho', depende da disposição.

A iluminação do local é importante e a uma musiquinha de fundo também.

E vou confessar-lhe que gosto de uma boa marmelada no tapete da sala, junto à lareira, com o quentinho das chamas a aquecer o rabioche... é que eu sou beirão, sabe?"

 

"Palácio das Necessidades"

 

Com tudo já inventado, a SIC vai à casa de banho com os líderes políticos e fila tudo de todos os ângulos, mesmo os mais escabrosos.

Fica-se a saber que Manuela Ferreira Leite tem obstipação, Louçã leva com ele uma revista de palavras cruzadas, Sócrates gosta de ler a 'filosofia de wc' que pincela as casas de banho de centros comerciais, Portas deixa a porta aberta e fecha os olhos e... e Jerónimo?

Cá está ele, na casa de banho com dois cameramen camaradas...

"Pronto... era o que eu dizia lá fora. Quando acabo de urinar gosto de abanar assim o pirilau para a esquerda e para a direita... enfim, nem tanto para a direita... assim, estão a ver?... Podem filmar à vontade, não tenho vergonha... ainda não é caso para dizer 'foice o martelo', pois não?

Ah, ah, ah, era uma piada...

Ah, desculpem lá aquele pum, enquanto urinava, camaradas. Foi um coirato que comi há pouco na Festa do Avante..."

 

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Quarta-feira, 16 de Setembro de 2009

Sou sincera

Rita Ferro

 

A serpente foi uma má ideia

 

Uns, dizem que derivamos dos macacos;

outros, de um rasgo divino;

num caso ou noutro houve evolução:

gerou exemplares generosos como São Francisco,

geniais como da Vinci,

belos como Nicole Kidman

e divertidos como Ricky Gervais

que, descobrindo o criacionismo,

prova que pode troçar de Deus e mesmo assim fazer-nos rir.

 

 

 Perante isto, arrisque a sua teoria:  

 

Quem criou o Homem?

 

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Terça-feira, 15 de Setembro de 2009

Pocket Classic (Animal Farm)

Marie Tourvel

 

Hoje falarei deste clássico de George Orwell. Aqui no Brasil chamamos de “A Revolução dos Bichos”, em Portugal não sei qual foi a tradução para o título do livro (se alguém puder me ajudar, agradeço). Mas o que mais importa é falar sobre a obra. Um satírico soco no estômago do “socialismo” soviético. Orwell escreveu outras obras tão ou mais importantes que esta, mas esta tem um sabor especial. Olhar para os intelequituais esquerdistas e encher a boca falando em porcos não tem preço. Resumo:

 

Em uma fazenda os bichos resolvem se rebelar contra o homem. Só que os porcos ficam com a melhor parte do bolo. Napoleão, um porco Stalin dita a regra: “Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais que os outros”.

 

Falar sobre este livro na rodinha é muito fácil. E fique tranqüilo com o intelequitual barbudo stalinista ao seu lado. Ele tem essa cara de mau, mas o que ele adora mesmo é grana. No início da conversa você pode pensar que ele é idealista e tal, mas não se iluda. Não dê um tostão para a causa dele, ele enfiaria no próprio bolso. Comece dizendo que o livro trata-se de uma obra-prima de ironia controlada, concentrada nos desenvolvimentos essenciais que culminaram no advento do estado soviético. Diga que Orwell enfrentou dificuldades para publicar seu livro, confirmando, assim, a sua opinião de que a intelligentsia -que eu costumo chamar de burritsia, britânica estava servil perante o sistema soviético. Aliás, você pode complementar que países bananeiros até hoje curvam-se diante deste socialismo rasteiro. Ora na forma do famigerado “politicamente correto”, ora na forma do Estado dizer o que é bom para nós ou não. Dê exemplos exóticos: Hugo Chávez, Fidel Castro, Evo Morales e pode falar de Lula, também. Este último é o mais espertinho de todos. Fale sobre o personagem chamado Snowball que representa Trotsky que não concordava com os métodos do Napoleão. Muitos trotskystas acreditam piamente que este é o caminho fofo do socialismo. Não é. Socialismo é utopia, mas você nem precisa falar assim para os amiguinhos da rodinha. Não é hora de magoá-los. Você terá o respeito dos intelequituais por citar Orwell. Falarei na sua linguagem, bilionário: você sempre pensou em comunistas como comedor de criancinhas e invasores de propriedades privadas, não é assim? Fale isso de forma rebuscada que os barbudinhos intelequituais ficarão quietinhos. Eles não sabem argumentar. Olhe para todos à sua volta na rodinha. Você não conseguirá distinguir quem é homem, quem é porco. Ponto para você. Não custa dizer a você, bilionário, que o Orwell "ensaísta" era melhor ainda.

 

A música de hoje é uma homenagem que presto aos espertalhões socialistas e populistas que até hoje pululam em nosso meio (ok, são os Titãs, mas ninguém é perfeito):

 

 

 

(Nota para a Marie: Optei por usar no título do post o título original do livro - Animal Farm - para não criar confusão. Aqui em Portugal o título foi traduzido para "O Triunfo dos Porcos")

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Segunda-feira, 14 de Setembro de 2009

Ideias à Solta

Manuel Fragoso de Almeida

 

Bem, hoje vou aligeirar um pouco este meu contributo e, apesar de já estarmos no período pós férias, vou andar um bocadinho para trás para vos deixar, passando a publicidade, dois sítios onde recomendo a vossa presença para um agradável jantar.

 

Caso vão ou voltem ao Algarve, entretanto…

 

Bom, antes do mais, eu gosto muito de praia, daqueles dias quentes em que passo o dia na praia, e depois “regresso a terra” para um petisquinho retemperador.

 

Prefiro as praias menos populosas, e portanto dispenso o terrível mês de Agosto, nas mais frequentadas. Se tiver um toque selvagem tanto melhor, se adicionar qualquer outro aspecto típico, acolhedor, humanamente diferente, estamos lá…

 

Pela descrição, facilmente concluirão que sou fã de Cacela-a-Velha. Bom, para não me estender muito na prosa, aqui fica a primeira recomendação: Casa Azul. É uma casa logo na entrada da povoação, do lado direito, que já foi a casa de família da dona e agora é um bar-restaurante excelente. Mantém o ambiente familiar, a decoração é gostosa contribuindo para a proximidade das culturas marroquina e portuguesa, muitas vezes expondo pintura de diversos autores.

 

Em baixo é o barzinho para o petisco, em cima é um moderno pátio algarvio em tons de azul, que é transcendente para um fim de dia quente, sem vento, com um luar luminoso, e com o prazer duma doce companhia e de um tinto a condizer. Enfim…

 

Bom, passemos à minha segunda recomendação: Chá com Água Salgada.

 

Não lembraria a ninguém, não é? Pois, mas neste caso é melhor mesmo fixar. Fica na areia da praia da Manta Rota e tem todas as condições para satisfazer o cliente mais exigente.

 

A ementa é requintada, com base obviamente no bom peixinho, e a simpatia é grande. Ideia tornada realidade por um jovem casal de arquitectos, que se recusou a ter filhos sob o permanente stress da cidade de Lisboa e que nos oferece agora boa cozinha e muita simpatia…

O cozinheiro - amigo do casal - é um mestre, e se acrescentar que ficamos numa varandinha sobre a areia, com uma luz discreta e o fim de tarde no horizonte… bem… 

 

Aqui fica, um fecho de férias com recomendações para qualquer altura do ano. Afinal estamos no Algarve, onde quase sempre há praia. Pelo menos para os indefectíveis da areia…

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Domingo, 13 de Setembro de 2009

Adivinhe quem vem jantar?

Luísa

 

Não vou esconder que há uma razão muito particular para a organização deste jantar. Não, não se trata de nenhum motivo fútil, como debater, com o convidado, assuntos da sua experiência política ou, sequer, do estado da nação. Para ser franca, julgo que já todos sabemos o que há a saber e até demais sobre semelhantes matérias. O exercício do poder em Portugal, posto ao serviço das abstracções e das intrigas que se tecem nos corredores dos ministérios e da administração pública (para além de alguns grandes interesses económicos), tornou-se um exercício oportunista e leviano, que vive de aparências, está desfasado da realidade e não é digno de merecer a nossa atenção. E se o tema é a cultura, um tema em si mesmo especialmente propenso a abstracções, a situação agrava-se. É sobejamente conhecido o apreço de que goza junto do actual executivo. E logo se adivinha a dimensão e a espessura do seu projecto no que toca ao desenvolvimento do nosso teatro, do nosso cinema, das nossas artes, dos nossos museus, do nosso património histórico e da nossa língua. Não, não vamos perder-nos em conversas ocas sobre temas vácuos. Vamos, sim, apurar a verdade sobre uma outra questão, também de aparência, mas bem mais palpável e de importância capital.

 

Passo a explicar: o nosso convidado foi meu professor de faculdade. Era, há trinta anos, um homem alto, jeitoso, bem lançado, os óculos introduzindo uma nota de intelectualidade no conjunto vivamente sensual, a melena solta acrescentando uma nota de rebeldia no conjunto atraentemente clássico. Era, na altura, um belíssimo exemplar da espécie humana, no género viril, e o absentismo feminino às suas aulas batia recordes de insignificância. Pois trinta anos passaram e eis que o reencontro no pequeno ecrã. Ele ali está, agora sexagenário… mas das três décadas passadas, nem rasto. Vejo apenas o mesmo homem alto, jeitoso, bem lançado, os óculos introduzindo uma nota de intelectualidade no conjunto vivamente sensual, a melena solta acrescentando uma nota de rebeldia no conjunto atraentemente clássico. Estreito os olhos, procuro, em vão, uma ruga naquela pele esticada, julgo entrever um triste cabelo branco perdido nas loiras madeixas das têmporas… Mas não estou certa de nada! Tudo me custa a crer!

 

Assumo então a absoluta prioridade de desvendar o mistério da extraordinária resistência da criatura à implacável devastação do tempo. Porque as hipóteses que imediatamente me ocorrem, de conservação pelo frio do seu desapaixonado calculismo ou pelo calor da sua vaidade, não me convencem. O mundo prodigaliza-nos exemplos de calculistas chocantemente encanecidos e vaidosos duramente «pergaminhados».

 

Proponho, portanto, que, neste serão de Domingo, nos empenhemos todos em extorquir ao nosso convidado o segredo da sua eterna juventude. E porque nenhuma ementa da minha humilde lavra pode pagar o preço de um tal segredo, proponho ainda que, se conseguirmos extorqui-lo, organizemos uma «quête» e partamos daqui rumo ao «elBulli», a celebrar, com os melhores petiscos e vinhos do planeta, o risonho futuro que, de repente, nos escancara os braços. Vamos a isso? 

 

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Sábado, 12 de Setembro de 2009

Moleskine

João de Bragança

 

Chama-se Curdo, um nome assaz bizarro para quem é natural do Alandroal, mas há quem o apelide de Surdo. De facto, como agente da autoridade, é totalmente desprovido de audição quando toca a multas. Implacável e rigoroso ao limite, não tem contemplações nem ouvidos para as desculpas habituais. Foi só um instantinho, já me ia embora, deixe lá, senhor guarda, só desta vez.

Mora num rés-do-chão direito de um prédio velho e escuro, engavetado numa rua onde o sol se esquece de ir. Nos dias de serviço entra e sai de casa impecavelmente fardado, como se o aguardasse uma parada presidencial, ou a rotina da autuação fosse incompatível com o desleixo.

O agente Curdo gosta de manter rotinas. Durante o dia zela pelo fluxo saudável do trânsito e pelo desimpedimento escrupuloso dos passeios. Mantém um registo particular de multas por dia, porque gosta de indicadores desafiadores e potencialmente contraditórios: a atenção à infracção versus o grau de cumprimento do cidadão.

Ao fim do dia chega a casa, despe-se e arruma a farda com zelo. Pendura as calças pelos vincos e ajeita o casaco num cabide para evitar deformações que tirem o decoro que se requer à autoridade. Veste umas calças de fato de treino e uma T-shirt sem alças, escorropichando uma mini para a qual dispensa copo.

O agente Curdo senta-se então ao computador e digita uma série infindável de endereços e palavras-chave, troca informações com um interlocutor cibernético, consulta auxiliares de memória. Durante as duas horas seguintes entreter-se-á com jogos informáticos nos quais as forças de lei travam uma luta sem quartel contra a delinquência: raptos, assaltos, tráfico de droga, assassinatos, terrorismo urbano.

Durante duas horas, repete-se, o agente Curdo gritará, agitará as mãos, vociferará, soltará palavrões, premirá a tecla enter com uma genica inusitada.

- Estúpido, não é por aí! Ah! Grande camelo que vais ser apanhado! Força, força, pela direita, rápido! Atenção que ele está ali, ao virar da esquina. Tem cuidado. Ah! sacana que estás feito, não percebes nada disto. Nada! Se fosse eu havias de ver…

São 120 minutos de combate árduo - ainda que virtual – contra o crime. E, durante todo esse tempo, acompanhado da sua mini e da sua ausência de mangas, o agente Curdo estará indiscutivelmente do lado dos fora-da-lei, pondo todo o seu saber ao serviço dos que atemorizam os cidadãos e zombam das regras.  

Pela hora de jantar chega a Susana, empregada recente de uma empresa de vigilância. O agente beija-a com ardor, admira-lhe a farda e pede-lhe:

- Importas-te de não apertar tanto as algemas? Ontem aleijaste-me…

No dia seguinte voltará à multazita, à pequena reprimenda, à surdez ao apelo do infractor:

- O senhor automobilista reparou que o rodado dianteiro esquerdo passou por cima do traço contínuo? Vou ter de o autuar…

Conheço-o bem. No fundo, no fundo, somos todos do mesmo bairro.  

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Sexta-feira, 11 de Setembro de 2009

Lapsus Linguae

João Paulo Cardoso

 

 

A boca do Inferno

 

Manuela Moura Guedes, está na cara, é uma mulher que gosta de lançar bocas.

 

Apropriadamente, escancarou-se pela primeira vez aos olhos (e ouvidos) dos portugueses na década das calças à boca de sino, como locutora de continuidade.

No princípio anunciava os programas que iam entrar na nossa televisão, no fim anunciou que saía da nossa televisão.

 

Em 1979, Moura Guedes anunciou bocas cantantes no Festival RTP da Canção onde, para sua tristeza, não estiveram os seus amigos Mick Jagger, dos Rolling Stones e Steven Tyler, dos Aerosmiths.

Face a estas ausências, Manuela encontrou motivo de regozijo no anúncio de vitória de uma homónima que tinha Bravo como apelido.

Manuela Bravo soava bem para caramba e o "Sobe, Sobe Balão Sobe", só podia ser um sinal para soltar o ego.

 

Assim, não demorou muito tempo para Manuela Moura Guedes começar a cantar, consagrando melodiosamente um tema escrito por Miguel Esteves Cardoso, "Foram Cardos, Foram Prosas".

Não confundir com "foram cardos, foram Prisas".

 

A partir daí sucederam-se outras experiências, sempre com muito rugido de fundo.

 

Experiências televisivas, com a apresentação nos anos 80 de "Berros e Bocas", e nos 90 com "Raios e Coriscos"...

Matrimoniais, casando com José Eduardo Moniz e inspirando dezenas de casais portugueses a mascararem-se em futuros carnavais de "Zé e Manela"...

E até políticas, com cheirinho a Nostradamus , quando foi deputada na assembleia, muito antes de ser deportada da TVI.

 

É na televisão das novelas e dos apresentadores vestidos em technicolor que MMG se transforma no leão da MGM e amplifica o seu rugido de fundo.

 

Há quem diga que preparava escrupulosamente as caçadas de sexta.

Que escolhia o chefe da manada como presa predilecta.

 

O que é certo é que alguém calou Manuela Moura Guedes.

 

A nível pessoal, evita que passe o serão das sextas-feiras a apanhar bibelots das Caldas que desfaleciam no soalho por causa da trepidação.

 

A outro nível, dizem que dá jeito ao governo.

Mas conheço dois ou três secretários de estado que, ainda hoje, tremem de cima a baixo quando passam de carro juntinho à Boca do Inferno, ali ao pé de Cascais.

 

O que diz o eterno marulhar das ondas insubmissas?

Porque choram as sereias em noite de lua cheia?

O que sabem as rochas açoitadas pelas vagas, escravas da rotina das marés?

 

E mais importante ainda...

 

Não se pode fechar aquilo?

Suspender?

Terraplanar para fazer uma auto-estrada?

 

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Quinta-feira, 10 de Setembro de 2009

Semibreves

Ana Vidal

 

 

 

De Galicia, con amor.

Hasta mañana, amigos!

 

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Quarta-feira, 9 de Setembro de 2009

Sou sincera

Rita Ferro


 O meu neto levou-me ao Zoo!

 

 (Mara: roedor oriundo das pampas, residente no zoo de Lisboa desde 2001)

 

Fui mãe aos 21 anos, pelo que me considero uma avó nova – sei que é patético, mas deixem-me acreditar. Talvez por isso, tive a coragem de levar o meu neto Pedro, de 5 anos, ao Jardim Zoológico de Lisboa. Tenho outro chamado Vasco, de dois anos – obeso, estroina e sedutor mas tão intensamente feliz que rebenta comigo. Quando me ofereço para tomar conta desse com a intenção insofismável de lhe apertar os braços rechonchudos, com ganas antropófagas, ou afundar centenas de beijos ávidos naquelas bochechas suculentas, do meu sangue, à revelia dos seus protestos, chego a casa tão cansada como se tivesse esfregado, de joelhos, um piso inteiro do Hospital de Santa Maria. Quer tudo: roer-me o comando do carro, lamber o meu telemóvel de ecrã táctil, arrancar-me os colares, puxar-me os brincos até à mutilação medieval, enfiar os dedos gordos nas tomadas, depois de os chupar, abrir o caixote à cata de lixo orgânico, descolar com aplicação o sofisticado papel de parede da casa de jantar da minha filha. Como se não bastasse, está na fase de largar as fraldas, remetendo-me para essas humilhantes sessões de penico, com distracções catastróficas nos estofos dos sofás brancos ou, sadicamente, na roupa que acabei de vestir-lhe. Resultado: por uma questão de saúde mental, minha, ficou em casa.    

 

O Pedro é outra coisa: além de assustadoramente responsável, tem um léxico e uma gramática surpreendentes, uma auto-suficiência invejável e um sentido de justiça que tomara muitos magistrados. Se eu digo «Vês só mais este Ruca e depois giras para a cama», é principesco a honrar a negociação. É uma delícia estar com ele, a sós, apesar de ser um anti-fumador primário e de me perseguir com o civismo: «A avó deitou o cigarro pela janela», «A avó está a comer pastilha elástica de boca aberta», «Não grite com o mano, avó. Ele não é surdo.», deixando-me invariavelmente a balbuciar justificações idiotas e a sentir-me um cafre. 

 

Mas, voltando ao zoo, paguei cinquenta euros entre entradas, gelados, ice-tea e Mac-nuggets, mas vimos tudo: os camelos, os leões, os gorilas, as anacondas, os flamingos, os leões-marinhos, os rinocerontes, os hipopótamos, os crocodilos, as girafas e a tartaruga gigante - a qual, aviso já, é neurasténica, e até descobri uma espécie que não conhecia, os Mara, umas lebres da Patagónia com cara de burro e corpo de canguru, medonhas, que correm a 45 km à hora e são do tamanho de cães médios. Por fim, já com os pés a explodirem dos sapatos e a coluna a facturar-me juros, andámos de teleférico que, para grande surpresa minha, é de graça! À saída, moribunda mas recompensada por ter adubado o imaginário do meu neto, ouvi-o confirmar, enternecido com o meu contentamento: «Então, avó? Gostou?»

 

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Terça-feira, 8 de Setembro de 2009

Pocket Classic (Almas mortas)

 

 

 

 

 

Marie Tourvel

 

Bilionário, amigo, tratarei hoje de uma obra que levou seu autor, Nikolai Gogol, à loucura. Era pra ser de humor, mas o cara pirou. Que isto sirva de conselho para você. Não enlouqueça com o “balança mas não cai” das ações, ok? Sei que você não enlouquece. Você vive a vida, isso sim. Resumo:
 
Espertalhão sedutor (Tchitchicov) – hoje chamado psicopata, tem uma idéia para ganhar dinheiro. Viaja pela Rússia comprando almas de servos já mortos, mas não contabilizados por recenseadores.
 
Enquanto isso nas rodinhas... você se sairá muito bem, garanto. Pode começar dizendo que à medida que o romance crescia, Gogol começa a querer reanimar o nobre, porém, inativo âmago do povo russo. Diga que Gogol não queria a princípio escrever sobre a Rússia, só queria salvá-la. Sabemos como é isso, não é bilionário? Fale que Gogol queimou a segunda parte de seu livro por uma obsessão messiânica. Ficou 10 anos escrevendo a obra e queimou a segunda parte. Absoluta sacanagem a depressão do autor. Mas mesmo sem o final para sabermos se Tchitchicov se dá bem ou não vale pela oportunidade de ver Gogol brilhar como retratista satírico e caricaturista do modo de agir de tipos russos. Não esqueça de dizer que com esta personagem, o autor criou a figura do “empresário” agressivo. Lembrou de você, não é bilionário? Ótimo, esta foi a minha intenção quando resolvi apresentar-lhe a este livro. Nossos amigos intelequituais olharão para você com a boca aberta. E saia logo desta rodinha porque a moça intelequitual que está de saia longa riponga ao seu lado não depilou as axilas e isso não é legal.
 
(A música que segue não tem a ver com o "Pocket", mas eu estou com ela em minha mente e resolvi compartilhar.)

 

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Segunda-feira, 7 de Setembro de 2009

Azinhagas da memória

Manuel Fragoso de Almeida

 

 

Que grande azáfama ia naquele princípio de tarde pela rua da minha avó!

 

O caso não era para menos. No meio da tarde daquele mês de Setembro tínhamo-nos lembrado de fazer uma burricada, ou seja, um passeio com piquenique, onde a deslocação até à quinta do primo Rui – o Retiro – seria feita de burro. Haveria burros para quase todos, embora alguns elementos da organização tivessem de ir de bicicleta para assegurar o habitual apoio logístico…

 

A rua da minha avó fervilhava de agitação porque era necessário fazer a distribuição dos burros, mas antes ainda aparelhá-los devidamente, prendê-los com cuidado para não haver fugas inesperadas, ir dando água aos mais sedentos porque o calor apertava… e claro, gozar com o panorama e as peripécias.

 

A Josefa e o António Tomás não estavam nada contentes, porque muitos dos animais estavam mesmo em frente da casa deles, que ficava mesmo junto da cavalariça dos meus avós. Mas os cachopos da rua estavam deliciados e batiam palmas de cada vez que conseguiam que o burrinho do Ti Camilo se empinasse, o que não era difícil porque ele estava viciado na habilidade. Hoje, até a Tá Ventura assomava à porta da sua taberna para ver o que se passava, embora, com o seu ar rabugento, fosse sol de pouca dura. Rapidamente se recolhia, afastando as ripas de plástico e resmungando com a barulheira que fazíamos com os animais e a vozearia de toda a malta.

 

Antes da partida, o meu irmão e o Joaquim António, os organizadores encartados nas artes equídeas, fizeram o solene aviso: “As burras têm sempre de ir atrás” – havia algumas delas que estavam “saídas” (com o cio) – “e portanto nada de se porem a correr ou a parar a meio do caminho porque se não vamos ter problemas…”

 

O passeio até ao Retiro do primo Rui era felizmente todo feito pelas Devesas de Trás e pela azinhaga que nos levava para a Capela da Senhora da Graça, e por isso não haveria seguramente problemas com o trânsito. As únicas pessoas que encontrámos foram as lavadeiras que tinham ficado à conversa, nos tanques, à saída de Nisa. Por isso até correu tudo bem e com bastante organização (especialmente se comparado com outras organizações do mesmo tipo…).

 

Quer dizer, correu bem à ida e até chegarmos a Nisa, ao fim da tarde…

Na volta, resolvemos passar pelo matadouro e pela fonte que fica no largo, para os burros poderem beber um pouco de água, e subir depois até à porta da vila.  Aí é que a coisa se transtornou…

 

Os burros têm um vício danado, que tem de ser sempre contrariado: quando se apercebem que estão a chegar a casa, aceleram o passo e ficam muito mais teimosos que o costume. Talvez a organização não tivesse feito este aviso a tempo. Pior ainda, quando os primeiros chegaram ao largo da vila, antes da Igreja Matriz, deram com um funeral exactamente a sair da Igreja, e tiveram a excelente e recomendada intenção de parar. O problema é que, por um lado, os burros já tinham percebido que iam para casa, e depois aquela paragem inesperada tinha gerado a desorganização nas prioridades tanto recomendadas.

 

Já estão a ver, não é? O final foi quase de filme cómico italiano.

 

O enterro completamente destroçado, o Padre a fugir para dentro da Igreja novamente, as mulheres embrulhadas nos seus xailes negros de luto pesado, rezavam agora não pelo morto mas pela sua sorte, os cachopos delirantes corriam atrás dos burros e das burras, tentado agarrar uns e outros, para as meninas não se magoarem… e somente os homens que levavam o caixão tinham mantido a calma.

 

Lá estavam, encostados à parede sem arredar pé, limpando o suor da cara e da careca com os lenços todos amarrotados, e sussurrando por entre o silêncio que o momento obrigava: “Esta rapaziada é tramada! Já nem respeitam os mortos! Se já se viu uma coisa destas!”

 

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Domingo, 6 de Setembro de 2009

Adivinhe quem vem jantar?

Luísa

 

 

Parece que a «silly season» se prolongou, este ano, para além do período habitual. E que o mês de Setembro, apesar do retorno ao trabalho e às aulas, promete ser particularmente «silly». Quanto a nós, que reconhecemos a utilidade das «silly seasons», da sua retemperante leveza e futilidade, não é com total desagrado que encaramos um tal prolongamento. E por isso, não hesitámos em conceber um programa de jantares «silly», incluindo um naipe de convidados de honra que, em condições normais, colocaríamos na cauda da lista, mas que, na circunstância, talvez esclareçam as nossas opções iminentes. Chegámos a considerar reuni-los a uma única mesa e espicaçá-los com umas ferroadas ideológicas e uns vinhos fortes. O debate mais «silly» é sempre, de algum modo, instrutivo. Mas podendo ser também destrutivo, decidimos enfrentá-los um a um; melhor dizendo, deixar que, um a um, nos enfrentem a nós.

 

E, para começar, teremos alguém capaz de, com raro talento, marcar o tom. A nossa convidada merece, aliás, que a apresentemos sob duas perspectivas: a de fora e a de dentro. No que toca à imagem exterior, diríamos que a matéria-prima, em estado bruto, não arrancaria um segundo olhar a ninguém. Mas porque a personagem tem como objectivo confesso e prioritário dar nas vistas, soube burilar a matéria com inegável mestria, desenvolvendo um estilo alegre e «soignée» que, admitimos, não é desprovido de um certo encanto. O que explica parte do seu sucesso mediático – sendo que, para a outra parte, não discernimos explicação. No que toca à imagem interior, diríamos que a matéria-prima, em estado bruto, se revelou de molde a concentrar os olhares de todo o mundo: olhares pasmados, olhares irónicos, olhares críticos e olhares consternados. Presumo que destes últimos terá partido a sugestão «buriladora» de que selasse definitivamente os lábios. Quanto a nós, pertencentes à categoria dos olhares pasmados, avançaremos, naturalmente, com a sugestão contrária. Não desistimos de tentar, a todo o transe, compreender a juventude dos nossos dias, e quem melhor do que uma mandatária para nos esclarecer?

 

Não deixaremos, evidentemente, de ter preparado um questionário discreto. O menu, de resto, não vai ocupar-nos o espírito. Apostamos nuns modernos e dietéticos «hamburgers», garantindo carne bem moída e sem nervos, porque nos palpita que a «dentuça» da nossa convidada compagina a brancura irreal com uma realíssima preguiça. E a sobremesa, uma dietética «corbeille» de frutas, só nos ocupará as mãos, ainda que numa eternidade de árduo descaroçamento. Enfim, acedemos, como boas anfitriãs, a satisfazer-lhe o capricho. Mas não deixaremos de, do alto da nossa maturidade, lhe servir, com a «corbeille», este «silly» naco de sabedoria: de que a polpa da fruta está para o corpinho humano, como o negro caroço está para a massa cinzenta. Os sentidos comprazem-se com os primeiros. Mas são os segundos que perduram… e fazem a diferença.

 

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Sábado, 5 de Setembro de 2009

Moleskine

João de Bragança

 

São as meninas dos Correios, como numa dada altura eram as meninas dos Telefones. Sei do que falo, porque me dirijo amiúde ao posto mais próximo que tem um quadro de pessoal exclusivamente feminino. Compro selos, peço estampilhas de correio azul, levanto cartas registadas, atento nas últimas publicações. A menina lá está, fardada, com uns óculos tristes, um cabelo aloirado e desinteressante, um olhar irrequieto e envergonhado. Recebe simpatias com uma cara que ruboresce, enfrenta uma observação com desculpas que tendem para infinito.

Esta menina dos Correios é uma rapariga nova, pintada de forma displicente, que poderia usar um letreiro em forma de súplica: não olhem para mim, finjam que eu não existo. Chama-se Clotilde e é filha de uma professora primária e viúva precoce de um motorista da Câmara Municipal. Convicta da irreversibilidade do estado civil, a senhora devotou-se por inteiro aos meninos, a quem transmitiu valores que formam as mentes e salvam as almas. Clotilde cresceu entre um aviso de recepção e um luto permanente, com uma Mãe que assumiu um pensamento constante: para onde caminhas tu, com esse feitio tímido e invisível?

Um destes dias levaram-me a um recinto no lado oriental da cidade, recuperado para uma malta mais alternativa, desta que não se revê em lado nenhum da noite – ou que quer tudo em simultâneo. Celebrava-se o dia de África, pelo que o estabelecimento era o continente negro copiado e colado na União Europeia.

Numa das salas dançava-se o kizomba: pernas que cruzam, ancas que roçam lateralmente para depois encaixarem de frente; a sensualidade, os cheiros, o ambiente, os sotaques, as saudades das noites africanas, do pôr-do-sol e do espaço sem fim. À minha frente, uma mancha negra movimentava-se ao som de uma toada ritmada e lasciva. No meio da pista, com um menear irrepreensível do corpo, uns cabelos loiros a revelarem cuidado, e uma saia curta que mal tapava umas pernas esguias, vi a Clotilde, esquecida dos carimbos e das encomendas, da franquia e do registo, a descobrir uma África que só conhece da TV Cabo. Com ela, um jovem negro com mais de 1,90 que lhe percorre o corpo como um alfaiate afaga uma peça de caxemira: com um vagar sensorial, de mão aberta e a toda a extensão do pano.

Quando saí, ainda a vi beijando o Valter, empregado de uma oficina na margem sul - um beijo longo, húmido, carregado de desejo e erotismo, de fluidos trocados e cor de pele contrastante. O rapaz sente no corpo da Clotilde a geografia africana e mata as saudades com o tacto, porque a lonjura é uma cegueira, e mão que não toca é alma que não sente. Para ela, que tem o horizonte visual de um balcão ao nível dos olhos, o mecânico é um canal de viagens com interacção erótica. 

No dia seguinte a jovem voltará a ser a mesma menina do Correio, tímida, envergonhada, com uma farda estilizada e um cabelo démodé. Almoçará jardineira de vitela com uma Mãe que fala de Deus às crianças – sendo que a inversa também é verdadeira. Engolirá, nostálgica, um pedaço de carne, porque é, também, de nostalgia que se faz a pergunta guardada num coração dividido: sabes fazer moamba, mamã?

Conheço-a bem. No fundo, no fundo, somos todos do mesmo bairro.      

 

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publicado por Ana Vidal às 10:00
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Sexta-feira, 4 de Setembro de 2009

Semibreves

Ana Vidal

 

Amar, amar perdidamente...

 

Desengane-se quem pensou que o discurso político em Portugal está esgotado. Bem sei que quase tudo já nos foi prometido e depois negado, bem sei que os programas e declarações de intenção não nos arrancam já mais do que um encolher de ombros enfastiado e descrente, bem sei que um irreprimível bocejo é a nossa resposta mais frequente à previsibilidade dos debates eleitorais.

 

Mas... atenção, muita atenção: a zona onde vivo acordou um dia destes com uma ideia nova, fresca, inesperada, brilhante. Há uma sorridente senhora do PS que promete ensinar-nos a... AMAR! Isso mesmo, leram bem. A nova Florbela não explicou ainda como pretende fazê-lo, é certo. Ficamos sem saber se vai fundar uma nova seita religiosa, abrir um bar de alterne, uma sex shop ou um motel de estrada (já há alguns por aqui, e por sinal o outdoor que apregoa as maravilhas de um deles está a poucos metros de um dos cartazes da criativa candidata do PS) ou se irá ministrar cursos práticos de kamasutra aplicado, mas alguma ideia estará por detrás daquele sorriso confiante. O penteado, a idade, a pose, a roupa, apontam para uma solução respeitável. Mas o sorriso é maroto e há ali um dentinho desalinhado que me deixa inquieta. O que será que vai na cabeça de Leonor Coutinho? Como será que ela nos quer pôr a amar melhor do que até aqui? E porque achará a senhora que em Cascais se ama pouco, ou mal? Tenho pena de já não votar em Cascais. Juro que lhe daria o meu voto, só para ver este enigma resolvido.

 

 

(Agora a sério: será possível que ninguém se tenha apercebido de que este slogan perde completamente o efeito de trocadilho quando passa da expressão oral à escrita? Se a ideia era sugerir que o concelho de Cascais, pela mão do PS, vai "saber a mar" por mais cuidados com o ambiente, menor poluição, melhor qualidade de vida, sei lá... a verdade é que, da mensagem, fica só o ridículo de uma promessa que mais parece saída de um pastor da IURD, para não dizer pior. Entretanto, Capucho agradece e dorme mais descansado.)

 

Também no Delito de Opinião

 

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publicado por Ana Vidal às 10:53
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Quarta-feira, 2 de Setembro de 2009

Sou sincera

Rita Ferro

 

 

Se este filme não mudar o seu marido,

mude de marido.

 

 


Steve,  promovido na companhia em que trabalha precisamente no seu dia de anos, descobre que a mulher lhe preparou uma festa-surpresa. Tem todas as razões para estar feliz. Ao abrir a porta de casa, no entanto, apesar das grinaldas de acolhimento e das mensagens de parabéns desenhadas pelos filhos, estranha o silêncio, a escuridão e, mais tarde, o fio cortado do telefone. Se é uma surpresa, desta vez a mulher conseguiu-a! Misteriosamente, só a TV funciona. Ao lado do aparelho está um vídeo, com uma nova mensagem manuscrita pelas crianças: «read me». Começa a vê-lo já esfriado por um pressentimento e não se engana: a imaginada surpresa transforma-se numa armadilha de terror psicológico, que o mantém preso e sozinho numa casa deserta, agora trancada por fora. Ninguém o ajudará. Ressentida pela negligência do marido em tantos anos de vida conjugal,  Alexandra faz-lhe um xeque-mate. Sitiado e raivoso, ele ouvirá pela primeira vez todas as queixas da mulher. E pela última. 

 

Um filme que nenhuma mulher deverá perder, pois espelha magistralmente todo o contencioso feminino, apesar da evolução dos homens.

 

Um conselho: se tem o azar de ter um companheiro destes, ao lado de quem se sente invisível – poor you - eis uma oportunidade para lhe fazer também xeque-mate. Instale-o comodamente na  sala sem jornais nem distracções, e obrigue-o a ver este filme. E, já agora: se um dia me encontrar na rua, agradeça-me. A sua vida vai melhorar.

 

Num clube de vídeo perto de si,

com o título traduzido «A vingança de Alexandra»

 

 


 

Ficam as perguntas de hoje, para ambos os sexos:

 

Já se sentiu invisível, no amor?
Que sentimentos vê nascer em si, perante a desconsideração da sua verdadeira identidade?

 

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publicado por Ana Vidal às 10:08
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